A reeleição no Brasil está perto do fim?
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A reeleição no Brasil está perto do fim?

Índice de aprovação para segundo mandato é alto na América Latina, mas compromete alternância de poder; crise política amplia debate sobre o fim da reeleição

em 05/07/2016 • 01h00
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A ideia da reeleição de representantes para o poder Executivo parece ter agradado os brasileiros desde a sua inclusão na Constituição, em 1997. De lá para cá, ela tem prevalecido em todos os pleitos que foram realizados no país. Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva se beneficiaram do sistema, assim como a presidente afastada no momento, Dilma Rousseff.

Dos 95 governadores que tentaram a reeleição desde 1998, 61 conseguiram a vitória - o equivalente a 64%. Entre os prefeitos de capitais, o índice sobe para 84%, com 43 dos 51 candidatos obtendo sucesso desde 2000.

Levantamentos como esse, do Senado Federal, com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), são motivos para avaliar a reeleição de forma negativa e para justificar a sua inclusão no debate sobre uma reforma política.

Não há consenso sobre as vantagens e desvantagens da reeleição; e talvez essa discussão seja irrelevante diante de tantos outros desafios do sistema político brasileiro (confira abaixo reportagens da série reforma política). Mas o atual cenário indica que há uma forte tendência de que aconteça uma nova alteração na Carta Magna – desta vez para proibir a permanência dos mandatários nos cargos.

Atualmente, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que sugere o fim da reeleição aguarda análise do plenário do Senado, após ter sido aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. A Câmara dos Deputados deu parecer favorável ao texto no ano passado.

“A grave crise política hoje vivida pelo país talvez não estivesse ocorrendo se mantida a opção original da República, ratificada pela Constituição de 1988, que vedava a reeleição ao chefe do poder Executivo”, afirmou o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), em abril.

A bandeira anti-reeleição é levantada pelo senador Aécio Neves (PSDB), por Marina Silva (Rede), pelo presidente em exercício, Michel Temer (PMDB) - que garantiu que levará a proposta adiante - e por políticos do PT, como o senador Walter Pinheiro (BA) e o ex-deputado Cândido Vaccarezza (SP).

Para o advogado Rodolfo Viana, professor de Direito Constitucional da UFMG, a reeleição se mostrou inadequada para o caso brasileiro, porque teria gerado um sistema de direcionamento de recursos apenas para promover o sucesso do candidato na busca da segunda chance. Uma vez no poder, ele teria mais vantagens em relação a seus adversários e maior facilidade para convencer o eleitorado.

Manter o poder nas mãos de um político ou de um grupo político por muito tempo é um ruído para a democracia, pois afeta a alternância de poder. É também o que defende o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Para ele, essa é uma questão que precisa ser solucionada na América Latina como um todo.

“O grande problema hoje da América Latina é como se livrar desses presidentes que desejam se perpetuar. Porque o que é fundamental para a qualidade da democracia é a alternância de poder”, analisou o cientista político.

“Quando a alternância de poder não acontece, abrem-se precedentes a comportamentos oportunistas. Corre-se o risco de que avanços ou um legado positivo sejam colocados em xeque”, reitera, em entrevista à GloboNews, ao se referir à situação da Bolívia. A população do país vizinho rejeitou, em referendo promovido em fevereiro, a reforma constitucional encabeçada pelo presidente Evo Morales para se candidatar a um quarto mandato (2020-2025). Embora o mandatário tenha uma avaliação positiva do ponto de vista econômico e de inclusão social desde 2006, está envolvido em escândalos de tráfico de influência.

Desde 1990, quando se intensificaram as permissões para a reeleição nos países da América Latina, somente dois candidatos a um segundo mandato presidencial foram derrotados: Daniel Ortega, na Nicarágua, em 1990, e Hipólito Mejía, na República Dominicana, em 2004. Na América do Sul, os presidentes venceram todas as 17 reeleições.

Conhecedor do sistema na prática, o advogado Gabriel Azevedo, professor de Direito Constitucional em universidades mineiras, complementa que a reeleição compromete uma boa administração. Em um mandato de quatro anos, praticamente ficam inviabilizados o primeiro ano, em função da troca natural de comando, e o último, quando os esforços estão voltados para garantir uma segunda gestão.

Com a experiência de ter sido secretário de governo em Minas Gerais, de 2011 a 2014, Azevedo comenta que a máquina administrativa tem um peso muito grande no processo eleitoral brasileiro já que o Executivo concentra muito poder. Assim, a reeleição não significa que há efetivamente a aprovação do mandato, mas, sim, que quem está no comando tem mais chances de propor a agenda pública e atrair a atenção dos eleitores.

Neste ano, em função das novas regras para as eleições municipais, com o fim do financiamento empresarial a campanhas, esse fator poderá ser ainda mais preponderante. “Tem que ser ‘artista da tragédia’ para não se reeleger”, conclui.

Segundo mandato não é problema isolado

O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Higino, analisa que a reeleição é o menor dos problemas do cenário político nacional. O foco deveria estar no “conjunto da obra”, em especial, no custo do processo eleitoral.

“Campanhas muito caras induzem à eleição de pessoas mais propensas à corrupção. O próprio sistema seleciona assim, e apenas acabar com reeleição não altera esse quadro mais grave. Não é relevante”, explica. Na conjuntura atual, ele ressalta que praticamente são eleitos para cargos públicos, no país, candidatos famosos ou que têm acesso a muitos recursos financeiros.

Economista e doutor em Ciências Políticas, Higino cita estudos que apontam vantagens em permitir um segundo mandato especialmente para prefeitos. Entre eles, a pesquisa do economista Sérgio Ferraz, que evidenciaria uma melhoria nas políticas públicas, uma vez que os prefeitos, no primeiro período da gestão, apresentaram um melhor desempenho quando visavam a garantir a continuidade no comando, em comparação aos demais candidatos.

Outras pesquisas revelariam que as principais preocupações com relação à reeleição, como o uso do poder para benefício próprio, não são comprovadas. A elaborada pelo cientista político Ricardo Ceneviva, no último pleito, mostra que a proporção de eleitos não é maior entre os candidatos à reeleição. Eles, portanto, não teriam feito uso da máquina administrativa – ou isso não surtiu efeito entre o eleitorado, o que seria uma subversão da democracia.

O atual ministro da Educação, Mendonça Filho, que propôs a emenda da reeleição (1997), mantém o seu ponto de vista.

“Nenhum governante tem coragem de enfrentar problemas se não colher os resultados. FHC e Lula produziram mudanças assim. Se não tivessem possibilidade de se sucederem, não teriam empreendido esforço. A emenda permitiu que os governos começassem a ter visão de longo prazo”, afirmou, em sessão na Casa, no ano passado.

O deputado o argumenta que o uso da máquina pública também pode acontecer quando o mandatário tenta garantir a vitória de um protegido − e não somente no caso da reeleição.

Período de gestão único e ampliado para 5 ou 6 anos

Quem costuma defender o fim da reeleição tende a apoiar também o aumento do mandato do Executivo de quatro para cinco anos. Essa medida, porém, é delicada, pois as eleições para o Executivo e o Legislativo não seriam simultâneas, o que gera aumento de custos. “Uma opção a ser analisada são mandatos de seis anos, com ciclos eleitorais de dois em dois (municipais, depois presidente, governador, e senador e, depois, deputados)”, comenta o advogado Rodolfo Viana.

Os seis anos também são defendidos pelo professor Gabriel Azevedo, mas com votações anuais — no primeiro, para vereador, até se chegar, no sexto, ao presidente. “A proposta é exótica, mas teríamos uma atividade cívica constante, um conhecimento maior da população sobre cada cargo e um regime mais simples para a administração pública”, justifica.

Já a PEC 35/2014, que propõe, entre outros temas, o fim da reeleição, sugere o contrário: a coincidência das eleições para todos os cargos, de prefeito a presidente da República.

PANORAMA DA REELEIÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Países que não têm reeleição: México, Paraguai e Guatemala

Reeleição consecutivas e indefinidas:  Venezuela (desde 2009), Nicarágua (2014) e Bolívia (2009)

Permitem reeleição (uma única vez, direta ou não): Brasil, República Dominicana, Equador e Argentina

Permitem reeleição alternada (não pode ser para o mandato seguinte): Chile, Uruguai, Costa Rica, El Salvador, Panamá e Peru 


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