Como reduzir o número de partidos políticos? 4
Análise,Reforma Política

Como reduzir o número de partidos políticos?

Brasil tem o Congresso mais fragmentado do mundo, com 35 legendas, das quais 13 com atuação relevante; alto número incentiva ‘toma lá dá cá’ e dificulta governabilidade

em 21/06/2016 • 00h55
compartilhe:  

“Pensamos em usar o 18, pela maioridade penal que queremos mudar. 38, o calibre mais usado pela polícia no Brasil. 64, pela revolução democrática. 88, número símbolo do infinito e do ano da nossa Constituição; ou, ainda, o 99, o mais à direita possível”, conta o deputado federal Capitão Augusto sobre os seus planos para criar o 36º partido político brasileiro, o Partido Militar Brasileiro. Além da redução da maioridade penal, são bandeiras do partido a pena de morte e a prisão perpétua.

Antes de se eleger, em 2014, com o Partido da República, José Augusto Rosa tentou uma vaga na Câmara dos Deputados nas últimas três eleições, todas elas por partidos diferentes. Já concorreu como candidato do PDT, PV e PSB. Tentou, também, uma vaga para a Câmara de Vereadores de São Paulo, em 2012, também pelo PSB.

Capitão Augusto circula pelo Congresso fardado, é um dos maiores defensores da ditadura civil-militar (1964-1985), a quem chama de “revolução democrática” e afirma ter sido necessária para “salvar o Brasil do comunismo”. As violações de direitos humanos cometidas pelos militares, como tortura, morte e desaparecimento, são consideradas “exceções” pelo congressista do PR.

O plano do Partido Militar Brasileiro é estar pronto para as eleições presidenciais de 2018. “Não existe nenhum partido de direita no Brasil. São todos filhos do bipartidarismo e não há nenhum representante da ARENA”, afirma Capitão Augusto, referindo-se a Aliança Renovadora Nacional, partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política ao governo militar.

A legislação brasileira determina que, para se criar um partido político, o primeiro passo é conseguir a assinatura de 101 fundadores (distribuídos em pelo menos nove Estados), estabelecer um programa e um estatuto. Vencida essa etapa, começa a coleta de assinaturas. São necessárias 484.169 assinaturas, divididas em, no mínimo, nove Estados − essas assinaturas devem representar pelo menos 0,1% do eleitorado de cada Estado. O número de assinaturas necessárias é definido como 0,5% dos votos da última eleição para a Câmara dos Deputados, sem os brancos e os nulos. Após mais algumas etapas burocráticas, como a constituição de diretórios e o registro nos Tribunais Regionais Eleitorais, o novo partido estará pronto para as urnas.

Para se criar um partido político, é preciso a assinatura de 101 fundadores (em nove Estados), um programa e um estatuto. Depois, são necessárias 484.169 assinaturas de eleitores. Todos os partidos recebem recursos do Fundo Partidário, mesmo se não tiverem candidatos eleitos
Hoje, temos 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e prontos para disputar eleições. Todos eles têm direito aos recursos do fundo partidário e ao acesso gratuito ao rádio e à televisão, mesmo se não tiverem candidatos eleitos. O fundo partidário é formado por verbas do governo federal, multas aplicadas pelo TSE e doações de pessoas físicas e jurídicas. 95% de seus recursos são divididos de acordo com a quantidade de votos que cada partido obteve para a Câmara de Deputados nas últimas eleições, já os outros 5% são distribuídos de forma igual entre todos os partidos.

“Pode parecer ser pouco, mas convenhamos, uma cúpula partidária, que se resume a poucos ‘caciques’ receber cerca de 1 milhão de reais (anuais) não é desprezível”, afirma Maurício Michel Rebello, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul. Em 2015, foram distribuídos R$ 811,28 milhões por meio do fundo partidário. A maior fatia desse bolo ficou com o PT, com R$ 108,6 milhões recebidos. O Partido da Mulher Brasileira, a mais nova legenda política brasileira e que conseguiu seu registro no dia 29 de setembro de 2015, foi quem menos recebeu, com R$ 289.744,65.

A Câmara dos Deputados contabiliza, hoje, 27 partidos políticos, enquanto no Senado o número é de 17 agremiações. Ou seja, das 35 legendas atuais, oito não possuem sequer um deputado federal eleito
Quando definiu o Orçamento Geral da União de 2015, a então presidente Dilma Rousseff propôs destinar R$ 289,5 milhões para o fundo partidário. Mas o relator do projeto, o senador e ex-ministro do Planejamento Romero Jucá, triplicou o teto do gasto para R$ 868 milhões. Dilma sancionou o Orçamento com o aumento vindo do Senado.

Campeão mundial

O Brasil tem o Congresso mais fragmentado entre diferentes partidos em todo mundo − segundo estudo do Departamento de Ciência Política da Universidade Trinity, na Irlanda.

O levantamento da universidade irlandesa utiliza o conceito de partidos políticos efetivos. Por meio de uma fórmula, criada pelos cientistas Markko Laakso e Rein Teegapera, é possível calcular quantos partidos conseguem ter influência no cenário político. Quanto maior o número, mais dividida é a política de um país – e, em tese, mais necessários são ‘acordos’ entre partidos. O Brasil lidera o ranking de 140 países analisados, com 13 partidos políticos efetivos – ou seja, que conseguem influir nas decisões do nosso Legislativo.

Segundo estudo de universidade irlandesa, o Brasil tem o Congresso mais fragmentado do mundo

Manuel Alcántara Sáez, cientista político da Universidade de Salamanca e especialista no sistema político da América Latina, acredita que a fragmentação política na região está ligada ao personalismo na política dos países latinos, mas aponta que o quadro não é homogêneo. “Nem todos os países latino-americanos têm uma alta fragmentação partidária, é preciso distinguir o grau de não institucionalização dos partidos. No geral, existem duas explicações para explicar a alta fragmentação. Em primeiro lugar, razões institucionais derivadas da lei eleitoral ou de incentivos pelo financiamento que recebem [no caso do Brasil, o Fundo Partidário]. Em segundo lugar, existem motivos derivados da ruptura na sociedade, os partidos representam a diferentes segmentos.” Para Sáez, o caso brasileiro é “absolutamente disfuncional”.

Como diminuir o número de partidos?

“Eu sou a favor de uma reforma política que, na verdade, reduzisse o número de partidos políticos. É uma posição antiga que eu tenho. Acho que um número mais reduzido de partidos pode ajudar a própria democracia brasileira”, disse um ainda recatado vice-presidente da República Michel Temer, em 2013. O hoje presidente interino voltou a se posicionar de maneira favorável a diminuição dos partidos, só que ainda como vice, em 2015, “até para aumentar a governabilidade”.

‘Eu sou a favor de uma reforma política que, na verdade, reduzisse o número de partidos políticos’, afirmou Michel Temer em 2013

Com um número muito alto de partidos, costurar acordos e construir uma base aliada sólida se torna uma tarefa difícil. Michel Temer começou prometendo um “ministério de notáveis” e a redução do número de pastas. Acabou sofrendo para acomodar todos os partidos que o apoiam em ministérios e cargos – e não conseguiu a desejada redução inicial.

Uma das maneiras de diminuir a profusão de partidos políticos é a cláusula de barreira, também conhecida como cláusula de desempenho. Ela limita o funcionamento das legendas que não alcancem determinado percentual de votos. Pode determinar, por exemplo, que partidos abaixo do percentual mínimo não tenham acesso a fundos públicos. Apenas dois países da América Latina, Argentina e Bolívia, adotam uma cláusula de barreira de um mínimo de 3% dos votos nas eleições para a Câmara dos Deputados.

Uma das maneiras de diminuir a profusão de partidos políticos é a cláusula de barreira, que limita o funcionamento das legendas que não alcancem determinado percentual de votos. Mas, em 2006, a cláusula foi considerada inconstitucional pelo STF

O Brasil já teve planos para adotar a cláusula de barreira. A “nota de corte” de 5% dos votos foi aprovada pelo Congresso em 1995, para começar em valer nas eleições de 2006, mas foi considerada inconstitucional pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no mesmo ano em que era para começar a ser aplicada.

A chamada “minirreforma eleitoral”, a lei 13.165/2015, estabeleceu a diminuição do período de campanha, o limite de gastos, entre outras medidas (leia reportagem da Calle2 sobre o alto custo das campanhas políticas). Ela também trouxe planos para limitar o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão. A cláusula de barreira seria o partido ter, no mínimo, um deputado federal eleito. Essa limitação ainda está em discussão no Senado.

“Atualmente, uma reforma política que beneficiasse somente os partidos com mais de 5% das cadeiras na Câmara, por exemplo, beneficiariam, certamente: PT, PMDB, PSDB. Já PP, PSD, PSB e PR estariam envoltos em uma incerteza. O restante não votaria algo no sentido de diminuir suas chances eleitorais”, afirma o professor Maurício Michel Rebello.

Outro caminho para a diminuir o número de partidos seria o fim das coligações nas eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Com as coligações, os deputados menos votados podem se eleger por meio de colegas de chapa que conseguem mais votos. É o caso de Tiririca (PR-SP), com 1.016.796 votos, o deputado levou junto para Brasília outros dois candidatos do seu partido: Capitão Augusto e Miguel Lombardi (veja reportagem sobre o quociente eleitoral).

Sem as coligações, o quociente eleitoral – fórmula que determina o número mínimo de votos para ser eleito para a Câmara – aumentaria porque os partidos precisariam acumular mais votos para eleger um candidato. Legendas pequenas e com poucos nomes teriam dificuldade em acumular o número de eleitores necessários para viabilizar um candidato, o que fortaleceria os grandes partidos. “Em distritos eleitorais menores, abaixo de 20, por exemplo, a chance de eleição de partidos nanicos seria muito remota”, diz Rebello.


MAIS DA SÉRIE REFORMA POLÍTICA:

A casta política brasileira

A reeleição no Brasil está perto do fim?

Infidelidade partidária amplia crise de representatividade

O preço alto da democracia brasileira 

Existe fórmula ideal para o financiamento de campanha?

Deputados: não nos representam 


Comentários

Comentário