Como acabar com as regalias dos políticos?
Análise,Reforma Política

A casta política brasileira

O Congresso Nacional custa R$ 16 mil por minuto - o segundo mais caro do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos

em 12/07/2016 • 00h00
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Descrição do cargo: Senador do Congresso Nacional. Salário de R$33.700, direito a carro oficial e 25 funcionários auxiliares, ressarcimento ilimitado de gastos médicos, auxílio-moradia de R$ 4.253 e até R$ 45.240 por mês para gastar com alimentação, aluguel de veículo e escritório, divulgação do mandato, entre outras despesas.

Ser um senador no Brasil certamente tem suas vantagens – ainda mais se levarmos em conta que o trabalhador brasileiro recebe, em média, R$ 1.966, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. Ou seja, senadores e deputados federais, que recebem o mesmo salário, têm um contracheque 17 vezes maior que a média dos brasileiros.

O Congresso Brasileiro, contudo, não costuma ser o espaço de formação de novos ricos. O deputado federal brasileiro médio costuma ser: homem, branco, na faixa dos 50 anos, com formação superior, empresário e dono de patrimônio superior a R$ 1 milhão – segundo levantamento do Congresso em Foco.

Os altos salários e regalias pesam no bolso do contribuinte. Outra pesquisa do Congresso em Foco mostra que, no orçamento de 2016, cada deputado federal vai custar R$ 2.023.949,28 ao longo do ano. Como temos 513 deputados, o gasto anual ultrapassa R$ 1 bilhão. “São essas verbas extras que vitaminam campanhas, que fazem distribuir informações de divulgação de mandato e que dificultam a renovação nas duas Casas”, afirma Claudio Weber Abramo, vice-presidente da Transparência Brasil ao UOL.

Mais um estudo ajuda a entender como é elevado o gasto com a classe política brasileira. A Transparência Brasil calculou, com base no orçamento de 2013, quanto o Congresso de 12 países custa a cada minuto.

O Congresso Nacional consome R$ 16 mil a cada minuto, quantia inferior apenas ao custo do Congresso dos Estados Unidos.

Mas, como chegamos até aqui? No Brasil Império, os deputados não recebiam para trabalhar. Pelo contrário, era necessário comprovar renda anual acima 800 mil réis para ser candidato, os eleitores também precisavam comprovar seus ganhos para poder escolher seus representantes. O chamado “voto censitário” era uma ferramenta para manter a política na mão de poucos e longe de grupos indesejados, como a grande população escrava e as mulheres. Os salários para políticos só chegaram com a República, no final do século XIX.

Para o cientista político e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Milton Lahuerta, o aumento da profissionalização da política no século XX contribuiu para elevar os custos do jogo partidário. Lahuerta, contudo, resalta que a tendência de aumento dos custos é mundial, mas o Brasil tem algumas diferenças:

“Aqui nós temos agravantes, desde a herança histórica patrimonialista ibérica até a dificuldade de construir um sistema político democrático tendo em conta não só a ditadura militar mas outros momentos ditatoriais, como a década de 30. Nesse sentido, se construiu um poder público com pouco controle da sociedade e poderes que se privilegiam”.

Os exemplos sueco e uruguaio

Claudia Wallin, jornalista brasileira radicada na Suécia e autora do livro “Um País Sem Excelências e Mordomias”, aponta como no país nórdico os políticos levam uma vida completamente diferente dos seus pares brasileiros. “Sem direito a carro com motorista, o que eles recebem é um vale-transporte para usar os transportes públicos. Nenhum parlamentar tem direito a secretárias particulares, pensão vitalícia, verbas indenizatórias nem cotas para divulgação de mandato. Os gabinetes parlamentares têm, em média, 15 metros quadrados. O primeiro-ministro é o único político que tem direito a residência oficial e a um carro conduzido por agentes dos serviços de segurança”.

Wallin acredita que a transparência do poder público na Suécia contribui para diminuir a distância entre governantes e governados, além de reduzir as chances da corrupção.“Já em 1766 o país criou a primeira lei de transparência do mundo, e assim está escrito na Constituição sueca: ‘Todo cidadão tem acesso aos documentos oficiais do poder’. Na sociedade sueca é possível rastrear os gastos de ministros, deputados, vereadores ou juízes; ler os emails e as correspondências oficiais do primeiro-ministro; verificar as despesas do comissário-chefe da Polícia Nacional ou do Comandante Supremo das Forças Armadas; checar dados do imposto de renda de qualquer autoridade; saber como os diferentes órgãos públicos estão gastando o dinheiro dos impostos”, aponta a jornalista.

Já a Lei de Acesso à Informação brasileira foi criada em 2011 e entrou em vigor em 2012. Ela garante o acesso a do cidadão à informações do poder público sem necessidade de apresentar motivo.

Vale lembrar, também, outras diferenças entre Suécia e Brasil. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE), a renda média anual de um sueco é de US$ 28.859, algo em torno de R$ 95 mil. A Suécia é, também, um dos países com a distribuição de renda mais justas do mundo, enquanto o Brasil é um dos campeões mundiais de desigualdade.

Na América Latina também temos um exemplo de zelo com o dinheiro público vindo de um país vizinho. O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica ganhou manchetes internacionais com seu estilo de vida austero. Durante seu período na presidência, entre 2010 e 2015, Mujica abriu mão da residência oficial para viver em seu sítio, doou 90% de seu salário para instituições de caridade e preferiu seguir dirigindo seu Fusca 1987 ao invés de adotar um carro oficial (confira entrevista exclusiva da Calle2 com Pepe Mujica).

“Se nós quisermos setores da sociedade que não têm acesso a recursos por origem social possam ser representados, é evidente que tem que haver remuneração daqueles que desenvolvem a atividade política em termos profissionais. A remuneração é importante porque ela permite democratizar. Senão quem poderia se dedicar à política?”, alerta Lahuerta.

Como podemos mudar?

Na esteira das manifestações de junho de 2013, a então presidente Dilma Rousseff propôs a criação de uma Assembleia Constituinte específica para fazer a reforma política. Uma Constituinte tem o poder de propor uma reforma ou a criação de uma nova Carta Magna, a última vez que o Brasil passou por esse processo foi em 1988, data da chamada “Constituição Cidadã”. No entanto, após críticas da oposição e da imprensa, a presidente do Partido dos Trabalhadores recuou de sua proposta.

Para Lahuerta, a proposta nasceu morta: “Não havia força política para fazer aquilo. Estávamos na iminência de um ano eleitoral, não era hora para se reformar instituições”. “Para chegar em uma Constituinte é preciso um grande movimento na sociedade, coisa que nós não temos.”

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FOTO: AGÊNCIA SENADO

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