‘O maior inimigo do Brasil é a grande imprensa’
Análise

‘O maior inimigo do Brasil é a grande imprensa’

Para o jurista Bandeira de Mello, o país vive uma fase onde o Estado de Direito submergiu com a ajuda da mídia

em 22/03/2016 • 02h25
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O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, 79 anos, está horrorizado com a situação política do país, mas, otimista declarado, acredita que a legalidade será retomada. Um dos avalistas do habeas corpus impetrado junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do ministro Gilmar Mendes − que impediu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil e que devolveu ao juiz Sérgio Moro a competência para investigá-lo −, Bandeira de Mello considera ilegais os grampos e sua divulgação.

“Esses grampos foram uma violência contra autoridades públicas, contra a presidente e contra o ex-presidente Lula. Um ex-presidente merece sempre todo o respeito, não interessa quem seja”, afirma o jurista, que acredita que, quando passar toda essa torrente, Moro será punido.

De pensamento rápido e olhos argutos, Bandeira de Mello recebeu a Calle2 na segunda (21) em uma sala do escritório que mantém em um elegante edifício na avenida Paulista com a alameda Casa Branca. A entrevista, prevista para durar 20 minutos, se estendeu por quase duas horas. Só foi interrompida por um telefonema do vice-presidente Michel Temer, seu amigo de longa data, e que antes de abraçar a carreira política foi um dos seus sócios no escritório de advocacia.

Advogado há quase 50 anos, o jurista, que também é professor, não esconde seu bom trânsito no mundo jurídico. Conhece muitos dos ministros do Supremo (“muitos deles chamo de você”), foi professor do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e foi convidado por Dilma para participar de uma reunião com renomados juristas para discutir a manutenção da legalidade neste momento controverso (“não poderei ir”).

Para Bandeira de Mello, quem quer derrubar a presidente Dilma é a mídia, que ele chama de PIG (Partido da Imprensa Golpista). “Essa gente é muito perigosa. Eu diria que são os maiores inimigos do Brasil”.

Além de Bandeira de Mello, o habeas corpus tem as assinaturas dos juristas Fabio Konder Comparato, Pedro Serrano, Rafael Valim, Juarez Cirino dos Santos e Weida Zancaner e dos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Roberto Teixeira, defensores de Lula.

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Na sua avaliação, os grampos realizados na última quarta-feira são ilegais? E sua divulgação?

Claro, são manifestamente ilegais. Grampo é algo que juridicamente não é tolerado − só existe para circunstâncias muito específicas e com autorização judicial. No caso, esses grampos foram uma violência contra autoridades públicas, contra a presidente da República e mesmo contra o ex-presidente. Ex-presidentes merecem sempre todo o respeito, não interessa quem seja. Para falar tudo em português bem claro: quem quer derrubar a Dilma é a mídia. É a grande imprensa.

Mas não seria esse um desejo da oligarquia ferida pela Lava Jato?

Também, mas ela não consegue nada sem a imprensa, sem o chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista). Essa gente é muito perigosa. Diria que são os maiores inimigos do Brasil. Não é a primeira vez que digo isso e repito: o maior inimigo do Brasil é a grande imprensa. Não estou exagerando. Há certas coisas que todo mundo sabe, mas que você não pode falar, e se falar você corre sérios riscos. O Lula, na semana passada, foi intemperante, falou uma série de coisas e está sofrendo as consequências disso. Ele não esperava ser grampeado, mas disse coisas que não se diz. Ele criticou o Supremo, mas não podemos criticar o Supremo. É evidente que no Supremo existem grandes nomes e pessoas muito admiráveis, como os ministros Teori Zavascki, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, que são homens íntegros.

O juiz Sérgio Moro pode ser responsabilizado e processado por conta desses grampos?

Ele virou um justiceiro. O normal seria que dois homens sofressem consequências pelos desmandos no exercício da jurisdição. Um deles é o juiz Sérgio Moro.

Moro não é juiz. Um homem partidário nunca é juiz. Todo juiz é um homem equilibrado, um homem equânime, e ele evidentemente não é.

‎O outro indivíduo que também estaria merecendo muitas censuras é aquele ministro do STF que é do Mato Grosso, o Gilmar Mendes. A respeito dele, um ex-presidente do Supremo disse: “Eu não tenho medo da sua gangue de Mato Grosso”. Um homem que não tem a serenidade que a magistratura requer. Ele não prima pela equanimidade.

Um jurista escreveu que Moro pode também ser enquadrado por crime por incitar a população à subversão da ordem política e social. O senhor concorda?

Aí é mais difícil, mas ele é um homem merecedor de censura, não tenho a menor dúvida. Ele não respeita os limites da magistratura. Ele é muito parecido com os justiceiros que vemos na televisão. É isso que ele pretende ser.

Essas prisões preventivas são, na sua avaliação, uma afronta ao Estado de Direito?

Sim, não tenho a menor dúvida, porque a tal delação premiada é uma coisa que tem muito pouco a ver com a cultura brasileira. Eu sempre digo que, desde criança, escutamos “meu filho, não faça besteira, mas se fizer, não vá delatar ninguém, porque você não pode ser dedo-duro”. O dedo-durismo é uma tradição norte-americana. Os Estados Unidos inventaram a tal delação premiada mas, no Brasil, é muito difícil você imaginar que alguém não vai delatar estando sob ameaça de uma prisão sem limites, sem prazo. Enquanto não delatar, fica preso. Claro que o sujeito acaba delatando. É uma tristeza, mas infelizmente o Brasil se tornou um país onde esse tipo de tortura se tornou comum, por obra de um juiz − o que é pior. Eu acho que o nome de juiz não cai bem para esse homem. Ele exerce essa função, mas ele não tem a alma de juiz.

O senhor o considera desequilibrado?

Não acho que ele seja desonesto, até porque não vou entrar na psicologia das pessoas, mas acho que juridicamente ele está errado, muito errado. O destino final do Sérgio Moro, quando passar toda essa torrente, é ser punido.

Que mecanismos o Judiciário tem para puni-lo?

O Conselho Nacional de Justiça pode afastar esse juiz.

O senhor acredita que isso pode vir a acontecer?

Acho que sim, é uma questão de tempo. Nós estamos vivendo uma fase muito estranha, uma fase onde o Estado de Direito submergiu, claro que por força da imprensa. Muitos falam da opinião pública, mas isso não existe, o que existe é a opinião publicada. A opinião pública só conhecemos nas eleições, e nas eleições nós vimos qual era o preferido, que foi a Dilma, como já foi o Lula. Na minha opinião, se o Lula sair candidato, ele se elege com grande vantagem. Acho que aí vai ser uma surpresa para os coxinhas, que pensam que têm grande apoio, mas não têm. Eles chegaram a falar agora de fazer greve, mas as mulheres vão entrar em greve de fazer massagem? Os homens vão fazer greve de jogar tênis? Eles não trabalham, vão fazer greve de quê? Por isso podem ficar o dia inteiro acampados na avenida Paulista, porque eles não trabalham. O que estamos assistindo – é duro dizer isso –, é uma luta de ricos contra os pobres. Em geral são os pobres que se insurgem contra os ricos. Mas estamos assistindo a um fenômeno estranho, os ricos indignados porque os pobres melhoraram de vida. Eles não conseguem suportar isso.

Darcy Ribeiro dizia que o grande problema do Brasil era a sua elite.

Em rigor é a classe média alta. Quem odeia o governo é a classe média alta. Uma vez estive com o ex-presidente Lula e me lembro que ele me disse que os ricos não gostavam dele. Eu disse: “Não Lula, não é que os ricos não gostam de você. Minha mulher tem parentes riquíssimos, usineiros, e todos eles votam em você, porque eles ganharam dinheiro no seu governo, e o critério do rico é esse, se eu estou ganhando bem está bom. Quem te odeia, eu disse para ele, é a classe de onde eu provenho, é a classe média alta”. Porque hoje você entra em um avião – onde antigamente só rico entrava –, e você percebe quando uma pessoa nunca entrou num avião. Ela não sabe como se portar e isso irrita esse pessoal que viaja de avião. Outra coisa que irrita muito: o trânsito já era ruim, e agora se tornou um inferno. Por quê? Porque os pobres passaram a comprar automóvel. Isso é uma coisa inadmissível para os ricos. E os ricos ficam na revolta. Na minha visão, a classe média alta é o que há de pior. Eles não chegam a ser ricos. Já tinham sido até pobres, mas um belo dia eles sobem de padrão e não se contentam em estarem bem, eles querem ter alguém debaixo deles, no tacão deles.

Para onde o senhor acha que essa polarização e esse ódio pode nos levar?

Isso é perigosíssimo, eu acho. [O telefone dele toca, é o vice-presidente Michel Temer] Coincidência, é o vice-presidente, um grande amigo meu. Sinto falta dele, e ele sente falta de mim. A vida dele foi muito sacrificada, se fosse um homem ambicioso, ele estaria feliz agora, mas ele não é ambicioso. O Michel – e eu posso dizer, porque nós fomos sócios − é uma pessoa maravilhosa. Mas está nesse turbilhão agora e as pessoas todas ficam na esperança de ele ser presidente e o bajulam desde já.

Estávamos falando do perigo dessa polarização. Chocaram o ovo da serpente e essa serpente está se tornando incontrolável. Até onde o país vai com isso?

Estou horrorizado com o que está acontecendo. Mas eu sou otimista, acho que essa onda vai passar. A mídia está alucinada. Mas, na minha opinião, eles não vão conseguir derrubar a Dilma, porque não existe base jurídica nenhuma para o impeachment. O impeachment poderia vir com base no ódio, mas acho que nossos políticos são homens bastante hábeis na sobrevivência, e eles perceberam que não vão levar vantagem na saída da presidente. Levam mais vantagem mantendo a Dilma numa corda bamba do que fora do poder. Acho que a Dilma vai continuar o governo dela. Acredito nisso, e acredito que o Lula vai voltar como ministro. Acho que as pessoas estão sob o impacto dessa fúria midiática, mas se houver uma eleição, o Lula ganha. Quando houver eleições, os que estão quietos hoje – que é o povão – vão se manifestar, e a vitória do Lula vai ser impressionante. Acho que o prestígio do Lula só aumentou, ao contrário do que diz o Datafolha. Mas tenho por hábito não acreditar na Folha. Vivi na pele a capacidade de mentira desse jornal, pois em uma ocasião sofri calúnia por parte de duas jornalistas de lá.

E o habeas corpus que o senhor assinou?

Quem redigiu o habeas corpus foi o Cristiano Zanin Martins [um dos advogados do ex-presidente Lula], que é um advogado monumental. Ele foi meu aluno. A primeira vez que ele veio aqui, ele trabalhava em outro escritório, eu o ouvi falar e pensei: “Ele é um gênio”. E considero que o maior constitucionalista hoje do Brasil é o Pedro Estevam Serrano, que também assinou o habeas corpus. Gente que conhece o Direito Constitucional, tem muitos, mas os que conhecem e sabem se portar são poucos.

O senhor acha que o habeas corpus será apreciado?

Será apreciado e será concedido, porque ele é notável.

Mas o Supremo não havia decidido, em fevereiro, que HC sobre decisões monocráticas (dadas apenas por um ministro) não podem ser apreciados?

O STF tinha decisões em sentido contrário, ou seja, que HC sobre decisões monocráticas podem sim ser apreciados. Esse HC é um trabalho notável. Como professor de Direito, considero que é um trabalho monumental, uma perfeição. E é manifesto que o Gilmar Mendes invadiu a competência do Teori Zavaski [o documento argumenta, entre outros pontos, que Gilmar Mendes extrapolou e invadiu a competência do ministro Teori Zavaski porque, na quarta-feira (16), o próprio Moro havia declinado dessa competência para Teori, quando Dilma nomeou Lula para a Casa Civil.]‎

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Há semelhanças de março de 1964 com esse março que vivemos?

Acho que é completamente diferente. O que está acontecendo de semelhante é uma exasperação da direita. Nisso é semelhante, mas apenas nisso.

Há elementos para o impeachment?

Contra essa mulher não tem nada. Eles podem dizer que não gostam do governo, que o Brasil está indo mal, mas as pessoas se esquecem que a China deu uma declinada violenta. Há uma crise mundial gravíssima. O Brasil, comparativamente, está se saindo bem. Não é o caso de elogiar o governo da Dilma, mas ela enfrentou uma crise monumental, que é a que está se passando, e agora eles querem jogar nas costas dela a responsabilidade por uma situação econômica mundial ruim. A Dilma é uma mulher especial, ela não é uma mulher qualquer. Ela sofreu dois meses de tortura, aguentou tudo, é uma mulher de coragem ilimitada, de uma dignidade ímpar. Se eles pensam que vão assustar ela, estão loucos. Ninguém assusta essa mulher. Você pode apontar mil defeitos na Dilma, mas que ela tem uma coragem de ferro, tem. É uma mulher da qual os brasileiros tinham que ter um orgulho imenso. Eu me orgulho da presidente.

O senhor não acha que está faltando uma atitude mais afirmativa do governo Dilma?

Sim, mas acho que isso vai vir agora. Inclusive tem uma reunião marcada para esta terça-feira (22) com vários juristas para iniciar um movimento de defesa da legalidade de forma articulada. Eu até fui convidado, mas não vou poder ir. Acho que isso é necessário.

O senhor acha que a mudança do ministro da Justiça pode melhorar algo?

Não quero falar uma única palavra mal do Zé Eduardo [Cardozo, ex-ministro da Justiça, atual titular da Advocacia-Geral da União]. Ele me ligou hoje. Me dou muito bem com ele, foi meu aluno, e era o melhor aluno da turma, disparado. Educadíssimo. Nós, que dávamos aula, adorávamos ele. O que posso dizer, apenas, é que talvez ele tenha sido muito paciente com a Polícia Federal, todo mundo sabe que ele e o Lula se detestam, desde o governo Erundina. Mas não me passa pela cabeça que ele quis complicar o Lula.

O senhor vê qualquer ilegalidade ou imoralidade na nomeação do Lula ministro?

Não. A presidente da República pode escolher quem ela tiver confiança, e ter confiança no Lula não é difícil, foi ele que a colocou lá.

O que a imprensa diz sobre a obstrução de Justiça é mentira?

Na minha opinião é mentira. Diante do que a Folha disse de mim, o grau de confiança que posso ter na imprensa é nenhuma. O Estadão é de direita, é um direito do jornal ser de direita. Eu não tenho nada contra, quem é democrata aceita as mais variadas posições, mas o Estadão não é indigno. Não eram caminhões do Estadão que levavam pessoas para serem torturadas. A Folha foi um grande jornal, mas foi perdendo credibilidade pela falta de dignidade.

 O senhor acha que o PSDB pode ser investigado?

Não tenho esperança. Na minha visão, o país é controlado pela mídia, e a mídia faz e desfaz. Sou muito a favor da liberdade de imprensa. Gostaria que no Brasil fosse instituída a liberdade de imprensa, porque não existe. Não é porque seis famílias dominam os meios de comunicação que existe liberdade de imprensa, é o contrário. Se seis pessoas dominam é porque não há liberdade de imprensa. As pessoas têm uma tendência compreensiva de pensar que a imprensa está aí para nos informar. A imprensa é uma empresa, são várias empresas, elas querem ganhar dinheiro. Não é crime e nem pecado. Mas elas não estão aí para falar a verdade, estão aí para ganhar dinheiro. E não somos nós que sustentamos a imprensa, são as grandes empresas. A imprensa é obrigada a dizer aquilo que não ofenda e nem desagrade as grandes empresas, pelo contrário. Acho que o Lula é um gênio, mas ele cometeu um erro: deixar a imprensa fazer o que quiser. Se você tirar o dinheiro, eles vêm lamber a sua mão. E o governo sempre anunciou à vontade nesses veículos. Tem que fazer o que a Cristina Kirchner fez na Argentina.

A Lei de Meios?

Sim, não poderia haver no Brasil propriedade cruzada dos meios de comunicação.  Quem é dono de jornal não pode ser dono de revista, quem é dono de revista não pode ser dono de emissora de TV. Cada um na sua, do contrário dominam tudo. A televisão brasileira, principalmente a Globo, é Primeiro Mundo, falando na cabeça do Terceiro Mundo. Aquilo entra como faca quente na manteiga. Nós não somos como a Europa, em que o sujeito vai ao teatro, ao cinema, lê jornal, revista e livro. Aqui não, o que você fizer no jornal, você domina as classes média e alta brincando.

O senhor acha que a imprensa hoje está se portando de maneira semelhante a 1989, na época da eleição do Lula e do Collor, com edições manipuladas?

Sim, é isso. O único cara que eu vi enfrentar a imprensa de frente se chama Leonel de Moura Brizola. O que nós temos de diferente hoje, e podemos ficar felizes, é a internet.

O senhor acha que o STF, mesmo tendo sido atacado pelo Lula, conseguirá manter a sua imparcialidade?

Acho que sim.

Por que?

Porque tem muita gente no Supremo que é muito séria.

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