Produções premiadas nos principais festivais de cinema do mundo como o de Cannes, o de Berlim e o de Veneza. Longas que buscam uma vaga na concorridíssima categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Projetos de novos cineastas que surpreendem a crítica e o público pelo experimentalismo ou por uma boa sacada no roteiro.
Opções para quem gosta da sétima arte não faltam na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que, entre os dias 18 e 31 de outubro, exibirá mais de 300 filmes na capital paulista. Para ajudá-lo a montar a sua programação, a Calle 2 selecionou doze longas produzidos na América Latina, incluindo dois brasileiros, levando em consideração o currículo dos cineastas e o histórico das produções em festivais europeus e também latino-americanos. Boa mostra!
1. “Roma”, de Alfonso Cuarón (México)
Rodado em preto e branco, o longa narra o cotidiano da empregada doméstica Cleo (papel da estreante Yalitza Aparicio) e sua patroa Sofia (Marina de Tavira), revelando as discrepâncias sociais e econômicas na Cidade do México do início dos anos 1970. Vencedor do Leão de Ouro, prêmio máximo do Festival de Veneza, “Roma” também deve figurar entre os indicados de melhor filme e melhor produção estrangeira no Oscar de 2019. Não será surpresa também encontrar o nome do mexicano Alfonso Cuarón na lista de diretores do ano da premiação de Hollywood – vale lembrar que ele foi o primeiro latino-americano a ganhar a estatueta da Academia nesta mesma categoria, em 2014, pela ficção científica “Gravidade” (2013). Considerado por críticos de publicações como “Variety” e “Hollywood Reporter” como o projeto mais pessoal e íntimo de Cuarón – a história é baseada na própria vida do cineasta, que, em sua infância, também teve uma babá como a Cleo -, “Roma” esteve envolvida em uma polêmica no início do ano: produzido pela Netflix, estava programado para participar da mostra competitiva de Cannes, mas foi retirado da programação, uma vez que o festival francês impõe que os filmes tenham exibição garantida nos cinemas. A partir do momento em que Cuarón e o serviço de streaming afirmaram que “Roma” seria exibido nas salas de cinema, o longa passou a participar de festivais.
2. “Nuestro Tiempo”, de Carlos Reygadas (México)
A relação aberta de um casal, formado por um poeta reconhecido internacionalmente, responsável pela seleção de touros para competições, e sua mulher, que assume o papel de administradora da fazenda em que vivem no interior do México, entra em crise a partir do momento em que ela se interessa por um treinador norte-americano de cavalos. Assim pode ser resumida a história deste filme assinado por Carlos Reygadas, considerado um realizador de filmes de arte, voltado principalmente para público de festivais. “Nuestro Tiempo” foi exibido em Veneza e, assim como outras produções do cineasta mexicano, dividiu opiniões. Não que isso tenha incomodado Reygadas, já acostumado com essa reação da crítica e do público. Ainda assim, seus filmes costumam sair premiados de festivais: “Japón” (2002), “Luz Silenciosa” (2007) e “Post Tenebras Lux” (2012) saíram de Cannes com troféus.
3. “Tarde para Morrer Jovem”, de Dominga Sotomayor Castillo (Chile)
O filme se passa no verão de 1990, pouco tempo depois do fim da ditatura chilena comandada por Augusto Pinochet por 17 anos, quando a adolescente Sofía (papel da estreante Demian Hernández) se muda para uma comunidade isolada do Chile, aos pés dos Andes. Por lá, diferentes famílias buscam construir novas relação sociais, agora possíveis com o fim do regime militar. Em meio a este contexto, a jovem de 16 anos, ao lado de Lucas (Antar Machado), da mesma idade, e Clara (Magdalena Tótoro), de 10 anos, precisa lidar com suas primeiras paixões e alguns temores, estes herdados do regime de exceção. Por este projeto, Dominga ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, sendo a primeira mulher vencedora nesta categoria na história do evento que completará 72 anos em 2019. O brasileiro Rodrigo Teixeira, responsável pelos elogiados “Me Chame pelo Seu Nome” (2017) e “A Bruxa” (2015), é um dos produtores de “Tarde para Morrer Jovem”.
4. “José”, de Li Cheng (Guatemala)
Primeira produção guatemalteca e da América Central a ser exibida no Festival de Veneza, o filme conta a história de José, jovem de 19 anos, que, em meio às péssimas condições de trabalho, procura sexo fácil por meio de aplicativos de celular. O problema é que a sua mãe, que o criou sem a figura paterna e sustenta a família vendendo sanduíche em pontos de ônibus, é bastante religiosa e dificilmente aceitaria a homossexualidade do filho. Eleito o melhor longa de temática LGBTQ+ no evento italiano, o diretor Li Cheng chegou a visitar 12 países da América Latina, incluindo o Brasil, antes de decidir filmar na Guatemala, onde morou por dois anos. Segundo o cineasta, chamaram a sua atenção no país da América Central a extrema religiosidade da população, o fato de 67% das mães serem solteiras e a existência de muitos ataques homofóbicos.
5. “La muerte del Maestro”, de José María Avilés (Equador)
Tendo como pano de fundo o terremoto de magnitude 7,8 na escala Richter que atingiu o noroeste do Equador em 2016, o longa acompanha a trajetória de Marcos Andraga, o “maestro” do título, que indiferente às consequências naturais provocadas pelo sismo procura manter o seu cotidiano em uma fazenda localizada próxima aos Andes. “La Muerte del Maestro” é o primeiro filme dirigido por José María Avilés e foi exibido no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz e no Festival de Roterdã.
6. “Tragam a Maconha”, de Denny Brechner, Alfonso Guerrero e Marcos Hecht (Uruguai)
Em dezembro de 2013, o Parlamento uruguaio aprovou o projeto de lei que permitia que uruguaios e estrangeiros residentes no país com mais de 18 anos e registrados junto ao governo pudessem comprar e produzir maconha, tornando o Uruguai a primeira nação do mundo a legalizar a venda e o consumo da erva. Tendo este contexto como pano de fundo, os cineastas Denny Brechner, Alfonso Guerrero e Marcos Hecht criam um falso documentário, no qual uma comitiva representando uma suposta Câmara Uruguaia de Maconha Legalizada viaja até os Estados Unidos para obter 50 toneladas de cannabis a fim de abastecer os consumidores da nação sul-americana. Detalhe: o ex-presidente do Uruguai Jose Pepe Mujica participa do filme de humor ácido como líder desta inusitada missão.
7. “O Anjo”, de Luis Ortega (Argentina)
Sucesso do cinema argentino em 2018, com mais de 1,3 milhão de espectadores, o filme é baseado na história de Carlos Robledo Puch (interpretado pelo novato Lorenzo Ferro), que, nos anos 1970, quando tinha 17 anos, passou a cometer uma série de assaltos e assassinatos. Na ficção, ele conta com a colaboração do amigo do colégio Ramón (papel de Chino Darín, filho de Ricardo Darín). Investigações indicam que 40 roubos e 11 homicídios teriam sido cometidos por Carlitos ou “O Anjo da Morte”, como passou a ser conhecido, preso há 46 anos. O espanhol Pedro Almodóvar é um dos produtores de “O Anjo”, o representante argentino na briga por uma das vagas no Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 2015, Luis Ortega assinou a direção da série “História de um Clan”, sobre a família Puccio, que nos anos 1980 assustou a sociedade de Buenos Aires ao cometer uma série de sequestros e mortes.
8. “Viaje a los Pueblos Fumigados”, de Fernando Solanas (Argentina)
Neste documentário, o cineasta investiga as consequências sociais e ambientais em sete províncias argentinas da agricultura baseada no uso de produtos tóxicos para aumentar a produção e a exportação de grãos e carnes. Outro destaque que estará na Mostra de Fernando Solanas, um dos diretores mais premiados da cinematografia argentina, com troféus obtidos no Festival de Berlim (Urso de Ouro Honorário, em 2004), no Festival de Cannes com “A Viagem” (1992) e “Sur” (1988), e no Festival de Veneza com “La Dignidad de los Nadies” (2005), “La Nube” (1998) e “Tangos – O Exílio de Gardel” (1985), é o clássico “La Hora de los Hornos” (1968), documentário filmado clandestinamente que analisa, em mais de quatro horas de duração, a violência social e política na América Latina e também revoltas ocorridas nos Estados Unidos no leste europeu nas décadas de 1960 e 1970.
9. “La Quietud”, de Pablo Trapero (Argentina)
Segredos da ditadura militar argentina voltam a assombrar uma família de classe média alta neste filme que mostra o reencontro de Eugenia (Bérénice Bejo), que retorna à fazenda, onde moram sua irmã caçula Mia (Martina Gusman) e sua mãe, Esmeralda (Graciela Borges), depois de alguns anos longe e de o pai sofrer um derrame. “La Quietud” é o décimo longa dirigido por Pablo Trapero, que rodou “O Clã“, um dos maiores sucessos de bilheteria na Argentina e é figura carimbada da Mostra de Cinema de São Paulo. Por outro lado, trata-se da primeira produção de Bérénice Bejo na Argentina, seu país natal – ela se tornou conhecida no mundo todo ao protagonizar o filme francês “O Artista” (2011), pelo qual concorreu ao Oscar de atriz coadjuvante. Durante o Festival de Veneza, onde “La Quietud” foi exibido, ela comentou que foi bem complicado participar deste projeto, uma vez que o tema da ditatura afeta diretamente a sua mãe, que perdeu muitos amigos durante o regime militar. Em tempo: a artista se mudou para a França aos três anos de idade devido justamente à ditadura na Argentina.
10. “Vermelho Sol”, de Benjamín Naishtat (Argentina)
O cinema argentino não se cansa de narrar histórias que aconteceram durante a ditadura militar, que durou de 1966 a 1973. O cineasta Benjamín Naishtat, por outro lado, ambienta seu terceiro longa-metragem no início dos anos 1970, antes do golpe, salientando a corrupção e complacência da classe média que preferia não enxergar a crise política pela qual a Argentina se encontrava. No filme, um renomado advogado é surpreendido por um estranho que, em um restaurante, escancara vários de seus segredos. “Vermelho Sol” levou para casa três prêmios no Festival de San Sebastian, incluindo os de melhor diretor, ator para Darío Grandinetti e fotografia para Pedro Sotero, que atuou na mesma função nas premiadas produções brasileiras “O Som ao Redor” (2012) e “Aquarius” (2016), assinadas por Kleber Mendonça Filho.
11. “Sequestro Relâmpago”, de Tata Amaral (Brasil)
A global Marina Ruy Barbosa é Isabel, a protagonista deste filme que mostra o sequestro de uma jovem carioca que trabalha em São Paulo por Matheus (Sidney Santiago Kuanza) e Japonês (Daniel Rocha). O crime acontece à noite, quando ela está saindo de um bar. Até pela manhã, com o carro da moça, os três vão perambular por vários bairros da capital paulista. Dirigido por Tata Amaral, que assina as produções “Um Céu de Estrelas” (1996) e “Antônia” (2006), entre outros, “Sequestro Relâmpago” pode ser considerado o primeiro trabalho de peso no cinema da atriz Marina Ruy Barbosa, que fez uma participação no infantojuvenil “Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida” (2004). Em entrevista ao jornal “OGlobo”, uma das estrelas das telenovelas da Globo contou ter topado participar deste projeto para “sair da zona de conforto”. Fátima Toledo, que preparou os atores de “Cidade de Deus” (2002) e “Tropa de Elite” (2007), trabalhou com o elenco do longa.
12. “Domingo”, de Fellipe Barbosa e Clara Linhart (Brasil)
No dia da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2003, uma família do interior gaúcho, liderada pela matriarca Laura (Ítala Nandi), reúne-se para um típico almoço dominical. Diante de uma nova realidade política no Brasil, três gerações entram em conflito e não veem com bons olhos a possibilidade de perder seus privilégios com o fato de um homem oriundo da classe trabalhadora assumir o principal cargo político do país. A direção de “Domingo”, que foi exibido no Festival de Veneza, é de Clara Linhart e Fellipe Barbosa – este também assina os premiados “Gabriel e a Montanha” (2017) e “Casa Grande” (2014). Em tempo: o roteiro de “Domingo” foi escrito por volta do ano de 2005, quando Barbosa e Linhart, de acordo com entrevista publicada na revista “Variety”, “não imaginavam as mudanças sociopolíticas que aconteceriam no Brasil e nem mesmo a prisão de Lula”.
Serviço:
42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
De 18 a 31 de outubro