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Sociedade

PCC cria Narcosul para dominar tráfico sul-americano

Falta de integração e de intercâmbio de informações entre países latinos facilita expansão de facções brasileiras no controle das rotas do tráfico na Amazônia, Paraguai, Colômbia e Peru

em 17/01/2017 • 14h40
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Além de refletirem as precárias condições das cadeias brasileiras, os massacres nos presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, que deixaram pelo menos 134 mortos nas últimas duas semanas, têm uma origem alarmante: o crime organizado na América Latina já se tornou transnacional e grandes organizações criminosas lutam pelo controle das rotas de tráfico de drogas no Brasil e em países vizinhos.

As mortes envolveram integrantes das facções PCC (Primeiro Comando da Capital), FDN (Família do Norte) e Sindicato do Crime. O procurador de Justiça em São Paulo Márcio Sérgio Christino afirma que esses massacres são mais um sinal de que o primeiro cartel de drogas brasileiro, o Narcosul, já tem atuação concreta no país e no continente.

Apesar de o termo ainda não estar no estatuto da facção, Narcosul é o nome dado pelos criminosos ao “novo PCC”, consolidado após o controle da fronteira com o Paraguai, a partir de junho do ano passado, e que agora tem atuação internacional. Governos e fontes oficiais evitam essa expressão por receio de admitirem a internacionalização da facção, mas o Ministério Público já começou a usá-la para se referir ao crime transnacional da facção.

“O Narcosul, que é como os criminosos o chamam, é a rede criminosa que o PCC criou no Brasil e países vizinhos. O PCC primeiro controlou o tráfico no Sudeste e Sul do país, depois foi para a tríplice fronteira do Paraguai, Argentina e Brasil em conexão com a Bolívia e agora quer o Norte do país e a rota do Peru e da Colômbia, onde a Família do Norte ainda domina. O objetivo é tomar o país todo e boa parte do Cone Sul”, declara Christino.

Um dos marcos da internacionalização da facção é recente. O traficante Jorge Rafaat Toumani, 56, chamado de Rei da Fronteira, foi morto pelo PCC em junho de 2016 na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, fronteira com o Mato Grosso do Sul. Ele era considerado um dos barões do tráfico internacional de drogas e armas na fronteira.

“Com isso o PCC passou a ter controle de rotas de países produtores de maconha, cocaína e pasta-base e que comercializam armas, como a Bolívia e o Paraguai. Isso enfureceu outra forte facção brasileira, o Comando Vermelho”, afirma Christino.

A falta de integração entre países

Especialistas e estudiosos apontam que a ausência de implementações práticas de integração e intercâmbio de informações alimentam a internacionalização das facções brasileiras.

O Instituto Igarapé, que estuda a política sobre drogas nacional e global, critica a baixa adesão e participação dos países em acordos multilaterais contra o crime na América Latina. O Esquema Hemisférico contra a Criminalidade Organizada Transnacional, acordado na VI Cúpula de Chefes de Estado e de Governo das Américas, realizada em Cartagena (Colômbia) em 2012, precisa de implementação política na OEA (Organização dos Estados Americanos) e de maior cooperação de inteligência, policial e acesso à justiça pelos países.

A Ameripol (Comunidade de Polícias da América) não obteve recursos e competências necessárias para se desenvolver e a Refco (Rede de Promotores contra o Crime Organizado),  que atua principalmente na América Central, faz poucas investigações transnacionais que estabelecem linhas de ação conjunta.

O procurador Márcio Christino confirma que há baixa integração entre instituições que combatem o crime. “Muitos aspectos dos acordos multilaterais precisam melhorar, já que não temos reuniões ou trocas periódicas de informações. Precisamos avançar inclusive porque esses acordos não foram projetados para esse atual estágio do crime transnacional”, comenta.

Ligação com as Farc

Uma das acusações do relatório da Polícia Federal do Amazonas feito na Operação La Muralla, que a Calle2 teve acesso, é que a FDN tem conexões com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

O peruano Nelson Flores Collantes, chamado de Acuario, seria um dos elos da FDN com as Farc para comercializar drogas e comprar armamento pesado, conforme mostra uma conversa interceptada pela Polícia Federal entre os traficantes Geomison Arante, conhecido como Cantor, e Alan Castimário, conhecido como Holandês, em que um deles fala claramente precisar “pedir apoio dos colombianos”

As Farc emitiram nota negando as acusações da Polícia Federal.

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Tudo interligado

Esses são alguns fatores justificam a tese de que o crime organizado já é transnacional na América Latina. O colombiano Juan Garzon, consultor regional sênior do Instituto Igarapé, avalia que essa atuação internacional é antiga, mas só agora chamou a atenção com os massacres nos presídios.

Nos últimos quinze anos, os cartéis colombianos sofreram abalos por causa de políticas estatais e disputas entre traficantes, mas esse vácuo foi rapidamente preenchido. Isso permitiu que as facções mexicanas aumentassem seu poder para negociar condições mais favoráveis junto aos produtores colombianos, além de tê-las ajudado a ganhar força como distribuidoras nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, os países da América Central aumentaram o percentual das suas comissões pelo serviço de transporte e armazenamento.

Devido a estas circunstâncias, as organizações criminosas que operam na Colômbia começaram a orientar a sua expansão para os mercados europeus (passando pelo Brasil), ao mesmo tempo em que apostaram no crescimento do consumo de drogas nos países da América do Sul, com taxas de lucro semelhantes aos dos países.

Segundo Garzon, facções criminosas no Brasil têm um papel importante na ligação entre áreas de produção na América Latina e consumidores europeus por meio da África.

Populações ribeirinhas e indígenas são cooptadas para o crime

No Norte do país já existe cooptação para o crime entre as populações ribeirinhas e indígenas para transportar a droga. Um dos estudiosos do tema é o professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, Luiz Fábio Paiva. Ele relata que existem 213.281,229 km² de fronteira aberta entre Brasil, Peru e Colômbia, com rios e matas, o que torna o controle social muito difícil.

'São 242.875 pessoas que vivem nos municípios do Alto Solimões. As populações ribeirinhas e indígenas experimentam as diversas consequências do tráfico de drogas. É possível observar que, como acontece nas periferias de grandes centros urbanos, as organizações que dominam o narcotráfico criam diversos problemas para as populações mais pobres, sobretudo, em razão da violência que imprimem em sua gestão do mundo do crime', comenta.

Já foram encontradas drogas dentro de peixes, artesanatos ou na estrutura dos barcos. Apenas o rio Solimões tem 1.700 km de extensão, até chegar em Manaus, onde, ao encontrar o rio Negro, recebe o nome de rio Amazonas. O rio também tem diversos afluentes, que ligam também ao Peru, Colômbia e Equador. Por essas razões Paiva considera que a realidade da floresta possibilita inúmeras rotas que se abrem, se fecham e se multiplicam.

O Ministério da Justiça no Brasil foi procurado para dar entrevistas, mas não se retornou os contatos. Com as mortes em massa nos presídios brasileiros o governo federal lançou no dia 5 o Plano Nacional de Segurança Pública, que ainda deverá passar por alterações. Sobre o combate integrado à criminalidade está prevista a implantação e interligação de sistema de videomonitoramento nos Estados e municípios e a implantação da rádio comunicação digital em todo o País. Também foi prometido mais intercâmbio de policiais e uso compartilhado de informações e equipamentos de inteligência entre os países vizinhos. A promessa é operacionalizar o Plano a partir de fevereiro, mas não foram divulgados detalhes.

CONHEÇA AS PRINCIPAIS FACÇÕES BRASILEIRAS

 

 

 

 PCC

O Ministério Público avalia que o PCC tem cerca de 20 mil batizados (integrantes ativos da facção), sendo 13 mil deles fora do Estado de São Paulo. A facção surgiu em 1993 no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (130 km de São Paulo), criada por oito presos, entre eles Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, que hoje está preso no presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau (SP).

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COMANDO VERMELHO

A Polícia Civil do Rio de Janeiro estima que o CV tenha cerca de 13 mil integrantes. Foi criado em 1979 na prisão Cândido Mendes, na Ilha Grande, Angra dos Reis, como um conjunto de presos comuns e presos políticos. Um dos mais importantes líderes hoje é Fernandinho Beira-Mar, que cumpre pena na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia.

FDN

A FDN é a terceira maior facção do país, segundo a Polícia Federal – tem um número muito maior de integrantes, cerca de 200 mil, porém nem todos ativos e o montante de dinheiro circulado ainda é menor. Foi criada em Manaus por dois traficantes, Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, e José Roberto Fernandes Barbosa, o Pertuba (o primeiro está na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR) e o segundo no Presídio Federal de Segurança Máxima de Campo Grande). A facção usa a rota do rio Solimões, na Amazônia, para escoar a cocaína produzida na Colômbia e Peru.

A DISPUTA PCC x CV

A rivalidade entre PCC e CV piorou em dezembro, quando a facção paulista tomou a comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro. O PCC teve o apoio da ADA (Amigo dos Amigos), facção fluminense menor.

“O CV, vendo que estava ameaçado no Sul e no Sudeste, se aliou com a Família do Norte, que hoje controla uma verdadeira mina de ouro no Norte-Nordeste, a rota do tráfico na fronteira Peru-Colômbia-Brasil”, explica Christino.

FOTO (MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL): Cemitério Parque Tarumã, onde estão enterrados os detentos mortos na rebelião do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus

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