No maior juro do mundo, uma oportunidade
Análise

No maior juro do mundo, uma oportunidade

Colombiano lança no Brasil um cartão de crédito com juros de 145% ao ano – menos da metade do que você paga atualmente

em 04/01/2016 • 20h35
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Quando tinha 12 anos, o colombiano David Vélez, 34, fez seu primeiro negócio: com suas economias comprou uma vaca. Trabalhando com o pai, ele conseguiu mais dinheiro e comprou outros oito animais. Na revenda, ele fez o primeiro lucro da sua vida.

Esse engenheiro financeiro conta essa história para mostrar como sempre acreditou que não é legal ter chefe e que é possível ter lucro mesmo com vacas magras. Ele mora no Brasil desde 2008, onde também buscou uma oportunidade de negócio – oferecer um serviço de cartão de crédito no país campeão mundial de juros.

O que pode parecer desestimulante para um brasileiro, para Vélez foi uma chance de empreender. Enquanto bancos tradicionais brasileiros embolsam, em média, 415,32% de juros ao ano no cartão de crédito (alguns bancos chegam a 805,44%), a startup de Vélez –o Nubank—cobra menos da metade disso: cerca de 144,9% ao ano (ou 7,75% ao mês).

Se, em uma fatura de R$ 1.000, por exemplo, só é pago o mínimo de 15% permitido no crédito rotativo, o cartão do Nubank te cobrará uma dívida de R$ 1.313,24 ao todo, que pode ser paga em cerca de oito parcelas (com pagamento mínimo mensal de R$ 150). Mas, caso teu cartão de crédito seja de um banco tradicional, com juros médios de 415,32% ao ano, a dívida passa a ser de R$ 2.093,49 (que poderiam ser pagas em até 14 parcelas, com o mesmo pagamento mínimo mensal). Uma diferença de R$ 780,25.

Os bancos também cobram, além dos juros, os encargos financeiros, que incluem custos fiscais e operacionais.

“A questão dos juros altos no Brasil me deu a oportunidade de tentar resolver um problema. Isso é empreender”, afirma. Vale lembrar que a taxa média de juros cobrada no rotativo do cartão de crédito no Brasil é a mais alta na comparação com outros seis países da América Latina –Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México e Venezuela –, segundo a Proteste. Nesses países a média varia de 62% a 24% ao ano. Aliás, o Brasil tem a maior taxa básica de juros do mundo descontada a inflação (6,55% ao ano), de acordo com estudo da consultoria MoneYou. Em segundo, vem a Rússia (2,78%).

Esse dado reforça a visão de Vélez de que o Brasil e a América Latina ainda precisam melhorar muito seu ambiente de negócios, já que as dificuldades podem sim criar oportunidades, mas também levam ao fechamento de várias empresas.

Vélez nasceu em Medelín e também elogia a atual situação da Colômbia, que neste ano deve crescer 3,4%, ante retração de 3% do Brasil, segundo projeções do FMI. Mas também lembra como foi duro seu país fortalecer suas instituições, situação que ele mesmo sofreu.

Ele se mudou com os pais e duas irmãs para San José, na Costa Rica, quando tinha oito anos. Medelín e grande parte da Colômbia no final da década de 1980 sofria com os vários atentados do narcoterrorismo. Apenas o Cartel de Medelín, liderado por Pablo Escobar, matou centenas de pessoas, incluindo juízes, promotores, testemunhas, jornalistas e civis.

“Eu e minha família nos salvamos por pouco de uma bomba. Explodiu 5 minutos depois que saímos de um shopping. Foi o momento de ir embora”.

O pai de Vélez é engenheiro e, sua mãe, psicóloga. Seu pai tinha 11 irmãos, cada um com sua própria empresa. “Eu ajudava meu pai em sua fábrica de botões, no controle de qualidade. Foi com minha família que aprendi a responsabilidade de empreender, de fazer por si mesmo”.

Para ajudar nessa meta, aos 18 anos ele foi estudar na Universidade de Stanford, na Califórnia. Depois de formado, trabalhou dois anos no Morgan Stanley até ser convidado a entrar no fundo de private equity (que investe em companhias médias ou pequenas já consolidadas) General Atlantic.

Então em 2008 ele se mudou para o Brasil (que já conhecia em viagens turísticas) para ajudar na abertura do escritório da General Atlantic aqui. Depois, fez um MBA em Stanford justamente com o objetivo de “arriscar tudo em um negócio”. E seu desejo foi justamente apostar na oportunidade gerada pelos altos juros brasileiros.

“Quando me mudei para cá, tive muita dificuldade para abrir uma conta em banco, e inclusive de conseguir uma linha telefônica. É uma burocracia impensável nos EUA e até em outros países da América Latina. Mas disso veio minha ideia central para criar o Nubank”, diz.

O Nubank é uma startup (empresa inicial de base tecnológica) que não possui agências físicas–tudo é realizado por meio da internet. Por conta disso, seus custos são menores. Os cartões da Nubank, com a bandeira Mastercard Internacional, têm juros baratos –mas não é só. Não há anuidade e tarifas.

A empresa de Veléz formalmente não é uma instituição bancária, é uma empresa de pagamentos. Ela faz uma parceria com dois bancos médios brasileiros para oferecer o crédito, que tem limites entre R$ 500 e R$ 20 mil. O colombiano não revela o nome dos bancos.

Apesar de Vélez não revelar se a empresa já atingiu o ponto de equilíbrio –quando receitas e despesas se equilibram e a companhia fica próxima do lucro –o Nubank recebeu aportes de investidores, como da Sequoia Capital, da Kaszek Ventures e do bilionário empreendedor Nicolas Berggruen, de US$ 14,3 milhões. Sinal de que o business é promissor, mesmo com tarifa zero e juros muito menores que demais bancos. Vélez não revela quantos clientes já possui, mas afirma ter uma lista de espera de 700 mil pessoas que solicitaram o cartão e aguardam análise de crédito.

Sua maior crítica ao sistema financeiro nacional é a falta de competição e a concentração bancária no Brasil. “O Brasil tem quatro, cinco bancos que concentram a maioria dos correntistas. No resto da América Latina há uma competição maior até porque os bancos estrangeiros atuam com mais facilidade nesses países”, afirma.

Para o professor Antonio Corrêa de Lacerda, do programa de estudos pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, o Brasil tem anomalias, como a taxa básica de juros (Selic) muito alta, que pressiona empresas e consumidores. Mas, mesmo assim, os bancos têm lucros exagerados.

“Os juros ao crédito são muito altos no Brasil, primeiro porque o juro básico Selic é, em termos reais, o maior do mundo. Segundo, os spreads bancários também são muito elevados. Ambos proporcionam grandes lucros aos bancos”, diz.

O spread bancário é a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador e o quanto esse banco cobra para emprestar o mesmo dinheiro.

Considerando o lucro líquido dos quatro maiores bancos de capital aberto (Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander), o ganho no terceiro trimestre foi de cerca de R$ 14,5 bilhões, aproximadamente 5,4% maior do que em igual período do ano passado.

O ex-secretário de Finanças de São Paulo Amir Khair explica que os bancos, além de ganharem dinheiro com o spread, também têm ganhos com a compra e venda de títulos do governo federal. Para ele, isso só vai mudar com um grande debate público que permita mudanças na legislação e nas políticas econômicas.

A Abecs (associação das empresas de cartões de crédito) justifica os altos spreads com um conjunto de fatores que prejudicariam as instituições financeiras no Brasil:  inadimplência, impostos diretos, margem bruta, depósitos compulsórios (obrigação de os bancos depositarem parte dos recursos captados dos clientes numa conta do Banco Central), margem líquida e custos com subsídios, encargos fiscais e o FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Há uma queixa das instituições financeiras de que esses itens são muito elevados no Brasil em comparação com outros países.

Quando questionado sobre os motivos de os bancos brasileiros manterem spreads altos mesmo com lucros elevados, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) não quis comentar. O Banco Central também não respondeu sobre a queixa das instituições financeiras e sobre a Selic.

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