Como a Bolívia acabou com o analfabetismo
Sociedade

Como a Bolívia acabou com o analfabetismo

Um milhão de bolivianos adultos aprenderam a ler e escrever nos últimos dez anos, colocando o país, segundo a Unesco, ‘livre’ do problema; programa será tema de documentário

em 03/08/2016 • 01h30
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Um grupo de 40 idosos camponeses estava pronto para nos receber para acompanhar uma aula de alfabetização, na região rural da cidade periférica de El Alto, vizinha de La Paz. Estávamos lá para produzir uma reportagem sobre o método Yo Sí Puedo, programa de alfabetização cubano aplicado na Bolívia desde 2006 e que tornou o país um território livre do analfabetismo, segundo a Unesco.

Para a Unesco, uma nação se torna livre do analfabetismo quando a taxa de não-alfabetização está abaixo de 4%. Em 2014, a Bolívia atingiu 3,8%. Hoje, o índice é ainda menor, 2,9%. Isso significa que mais de um milhão de bolivianos adultos aprenderam a ler e escrever nos últimos dez anos. Deste total, cerca de 40% são idosos acima de 60 anos e 70%, mulheres. Isto se deve, principalmente, pela falta de dinheiro das famílias que historicamente vivem em áreas rurais do país e pelo antigo sistema educacional da Bolívia, que até 1952 não era universal.

Assim que chegamos, fomos recebidos pelo líder comunitário Dom Quintin Pulma, policial aposentado. Elegante, de preto dos sapados bem lustrados até o chapéu, se apresentou e apresentou toda a comunidade. Um a um, os senhores e as senhoras se levantaram para se dar as boas-vindas. Dom Quintin, então com 83 anos, relatou:

“Ler e escrever era proibido! Eu morava no sítio em que meus pais trabalhavam e o patrão dizia que se eu fosse à escola cortaria minha língua”. Era a história de quase todos ali. A mensagem que tinham para nós, contudo, era outra: “agora lemos e escrevemos. Vão e contem para todos que somos capazes”.

Ao fim deste primeiro dia de contato com o projeto, duas senhoras levantaram a voz e gritaram. “Não se percam. Não se esqueçam de nós”, disseram. Esta foi a chave para que a reportagem se tornasse algo maior: um documentário, para que ninguém mais se esqueça dessas pessoas.

Assim nasceu o projeto Yo Sí Puedo, que acompanhou cinco grupos de alfabetização desde setembro de 2014 até fevereiro de 2016. O documentário conta de perto a história da professora Keyla Guzmán, que batalhou quatro anos para ter seu método de ensino aprovado pelo Ministério da Educação: Keyla leciona para 26 alunas e um aluno no Mercado Rodriguez, espécie de feira popular localizada no Centro de La Paz. A professora iniciou com a alfabetização e atualmente está em vias de concluir o programa Yo Sí Puedo Seguir, continuação do programa que equivale ao ciclo primário do sistema educacional boliviano – para crianças, dura seis anos; para adultos, dois.

O filme retrata também a realidade das aulas em dois grupos camponeses. Em um deles, as aulas são bilíngues, em espanhol e quéchua, em outro, há classes profissionalizantes, que mesclam a prática de artesanato e malharia com teoria. Além destes, estivemos em aulas de grupos de deficientes físicos, como Mirian, e de jovens com síndrome de Down, como Jorgito. Por fim, entramos na prisão de Miraflores para passar um dia dentro das aulas que os presidiários têm, com o objetivo de recuperar suas vidas.

Produzido de maneira completamente independente por seus autores, o Yo Sí Puedo foi planejado para ser publicado de maneira grátis e aberta na internet, em versões para português, espanhol e inglês. Para o projeto seguir adiante, está no ar uma campanha de crowdfunding, ou financiamento coletivo, com o objetivo de arrecadar a verba suficiente para concluir o documentário.

Para conhecer mais da campanha e de seus brindes e contrapartidas, veja neste link.

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LEIA A VERSÃO EM ESPANHOL DESTE ARTIGO EM PRESSENZA

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