Um antigo e simples sobrado com algumas pichações na fachada. Uma rua tranquila no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Impossível pensar que quem vai abrir aquela porta com um sorriso espontâneo, calça jeans e chinelos é Paola Carosella, cozinheira argentina que mora em São Paulo há 14 anos e que vem conquistando o país com sua participação no MasterChef Brasil – programa de competição de cozinheiros amadores exibido pela TV.
Na tela, ela já parece acostumada com a câmera e com a forma de julgar os candidatos, mas fora dela ainda não descobriu a posição mais confortável para enfrentar o assédio avassalador do público. “Sou uma pessoa tranquila, não muito social. Não sou o tipo que está rodeada de gente o tempo inteiro, sou mais de me guardar. Não gosto do falso. Sei de algumas pessoas que ligam o ‘modo famoso’, mas eu não consigo ligar essa personagem.”
A dificuldade imposta pela superexposição na TV tem ampliado seu conflito com a fama, que, aliás, a deixa cada vez mais distante do anonimato que buscava quando se mudou para São Paulo. Apesar da mudança repentina de rotina, Paola ainda avalia sua presença no programa como positiva. No entanto, o desconforto com a fama já a fez pensar em desistir do programa. “Mas depois sempre encontro motivos pelos quais vale a pena ficar. Não é fácil fazer TV quando você não é da TV.”
Paola é daquelas que não desiste facilmente. Criada em Buenos Aires por uma família de imigrantes italianos de classe média baixa, precisou aprender a se virar desde cedo, já que a mãe, advogada, se desdobrava em dois empregos para criar a filha única, enquanto o pai, doente, pouco a visitava.
Sua fala calma, de tom baixo e que às vezes se cala em pensamento, dão um tom de acolhimento para o encontro que teve com a equipe da Calle2 no último dia 20. Paola parece não ter ansiedade, como se conhecesse o poder do tempo. Fez da espera uma necessidade, principalmente na elaboração de pratos. E aprendeu a dominar o tempo do fogo, sua especialidade. Em quase duas horas de bate-papo, Paola acomodou-se na poltrona, relaxou e refletiu sobre a vida:
Você se mudou para o Brasil em 2001, após receber um convite do Francis Mallmann para abrir um Rubaiyat em São Paulo. Você já conhecia o Brasil? Já havia imaginado morar aqui?
Nunca! Quando recebi esse convite, em 2001, eu tinha 27 anos. Só conhecia Florianópolis, para onde fui uma vez de férias, como todo argentino. No começo daquele ano, eu estava em Nova Iorque com um parceiro de vida, que morava comigo desde que minha mãe faleceu, em 1999. Ele era economista e o acompanhei quando foi fazer um mestrado lá. Já trabalhava com o Francis Mallmannn [chef argentino reconhecido mundialmente] desde 1997 e em 2001 as coisas estavam muito complicadas na Argentina. Foi o ano dos panelaços, da crise e do corralito [confisco bancário estabelecido pelo governo de Fernando de La Rúa]. Minha mãe tinha falecido e meu pai era vivo, mas eu tinha pouquíssimo contato com ele – e começava a estreitar essa relação. O Mallmann estava de visita por Nova Iorque quando recebeu uma ligação do Belarmino Fernandes Iglesias, que é o dono do Rubaiyat, perguntando se ele gostaria de abrir o restaurante no Brasil. Aí ele afastou o telefone da orelha e me falou: “Você quer ir para São Paulo?” Acho que falei “sim” na hora. Não estava me adaptando lá, sentia que estava deixando de lado uma carreira potencial por um relacionamento que era legal, mas que estava me tornando uma dona de casa. E eu não queria. Então eu disse “sim” e cheguei aqui em maio de 2001, sem fazer a mínima ideia do que era São Paulo… e ainda não sei (risos). É uma cidade de dimensões, movimentos, tribos e de coisas muito difíceis de entender.
Como foi essa chegada a São Paulo?
Fácil não foi. Se tivesse que refazer tudo aquilo com o nível de esforço hoje, aos 43 anos, seria difícil. Mas eu tinha 27, que é a época em que você tem forças para ir e fazer as coisas. 2001 foi um ano de trabalho intenso, de muitas e muitas horas para fazer o Rubaiyat acontecer. Em dezembro, o Francis resolveu sair – o nosso contrato, de fato, era só de um ano –, e a gente voltou para a Argentina. Logo fui trabalhar em um restaurante que ele tinha no Uruguai e voltei em 2002 já com a cabeça de abrir um restaurante aqui. Eu não tinha documentos, não fazia a mínima ideia de como funcionava, não tinha amigos, não tinha nada. Fui morar em um flat na rua Pamplona, ia até o consulado argentino para saber como tirar o visto, depois andava a pé para procurar um ponto, depois tentava achar contato de contadores, caí em um monte de ciladas. Até que, um ano e meio depois, abri o Julia Cocina (sorriso largo de satisfação).
Você sempre quis ter um restaurante?
Não, eu comecei a cozinhar por cozinhar, porque era para onde a vida estava me levando. Aos 18, quando os meus colegas de escola estavam escolhendo para qual faculdade ir, eu não desejava fazer faculdade, eu queria cozinhar. Era uma coisa muito moderna nessa época, ninguém era cozinheiro. Na minha cabeça eu não pensava “um dia, vou abrir um restaurante”. Acho que fui procurando cozinhar, era divertido o que eu fazia. Depois de sete anos trabalhando com o Francis e de 11 anos de cozinha, queria abrir alguma coisa. Depois do 11 de setembro, eu fui para Londres ajudar um amigo do Francis que estava abrindo um restaurante com forno à lenha. A cidade estava reclusa, com medo, mas foi nessa viagem, no avião, que eu rabisquei o meu restaurante. Voltei para São Paulo, e quando terminou meu contrato com o Rubaiyat, veio o panelaço na Argentina… Eu não tinha mãe nem pai, meus amigos estavam indo embora, o Francis queria ir para Nova Iorque. Não dava para voltar para a Argentina. Quando o Francis foi, eu falei que iria fazer o meu restaurante e não sabia bem aonde. As possibilidades eram Buenos Aires, Miami ou São Paulo. Gostei daqui porque não conhecia ninguém, gostei de ser completamente desconhecida. Começar do zero, sem nenhum contato. Acho que o interessante era me libertar do passado. Porque, por mais que não tivesse nada de ruim nele, tinha algumas coisas pesadas. A minha mãe morreu em 1999, num acidente muito triste, afogada na piscina de casa porque estava triste. Não sei o que ela tomou, mas deve ter tomado algo e desmaiou sozinha na piscina. Eu cheguei do trabalho e a encontrei lá. Ela tinha 47 anos, eu tinha 26, 27 anos na época. Meu pai se suicidou em outubro de 2001, um ano e meio depois. De alguma forma, eu gostei da moita daqui. Eu tinha um luto muito grande para fazer e eu queria fazer esse luto tranquila. Eu me sentia livre, mesmo tendo sido extremamente difícil. Não que por causa disso eu pudesse fazer qualquer coisa. Em São Paulo eu poderia ver quem eu sou, ao invés de manter o que os outros achavam que eu era. Alguma coisa foi sedutora, do ponto de vista do “bom, vamos ver o que eu consigo fazer aqui”.
São Paulo é muito diferente de Buenos Aires?
Tem uma realidade parecida, mas é muito diferente. Agora, até podemos dizer que tem a ver, mas quando eu cheguei não tinha. A língua era diferente, as tribos são distintas, e o momento era diferente. Por mais que tenha havido uma hecatombe financeira em 2001 na Argentina, ela aconteceu depois de uma época de pseudo-riqueza, com o câmbio do dólar um a um. O cenário gastronômico de Buenos Aires era riquíssimo. Era uma cidade hipercosmopolita, e São Paulo não. Aqui existiam cinco restaurantes para os milionários, boteco e pizzaria para a classe média e PF para o pobre. Eu não falava português, mas não é um idioma tão difícil como o alemão, por exemplo. Aí fiquei. Abri o Julia Cocina depois de um ano e meio fazendo muita coisa, correndo atrás de contadores. Antes disso, voltei para Buenos Aires, vendi a casa da minha mãe, investi todo o meu dinheiro para pegar um visto de investidor estrangeiro. Em 2001, o Mercosul não estava tão desenvolvido como agora. Naquela época, para ter visto, ou eu casava [com um brasileiro], ou vinha estudar, ou pegava um visto de investidor. Só consegui fazer isso porque tirei o dinheiro do banco um dia antes do corralito por recomendação do meu amigo que morava em Nova Iorque.
Você já comentou, falando do Masterchef Júnior, que as crianças precisam saber lidar com as frustrações. E vemos que tua vida foi difícil, com a morte da tua mãe e do teu pai. Como você lida com as frustrações?
Não sei. Quando minha filha nasceu, reparei que sou uma mãe diferente das que vejo por aí. Obviamente amo profundamente a Francesca, mas não sou hiper-apegada – de fato, ela não está aqui agora, está na praia com uma amiga, e ela tem só quatro anos.
Comecei a ver a importância de que as crianças, desde pequenas, saibam se virar com pequenas frustrações, não necessariamente as que eu passei. Eu fui jogada de cara na lama. Tem coisas mais leves do que as minhas para você aprender a ouvir um “não”. Mas eu vejo que as minhas frustrações, de alguma forma, por mais que tenham sido duras, me fizeram um pouco mais autossuficiente.
Não sei se lutadora é a palavra. Tenho desejos e vou atrás das coisas que eu quero. Mas posso te dizer que tive sorte na vida também porque, apesar das coisas ruins que me aconteceram, existem vidas bem piores do que a minha.
Talvez uma consequência dessas frustrações tenha sido a sua independência?
Eu tive que ser independente, não teve outro jeito. Ninguém ia me resgatar de lugar algum. Uma das coisas que acontece comigo e com o meu namorado, o Jason [Lowe, fotógrafo irlandês especializado em comida], e que a gente dá risada, é que nós dois somos mega independentes. Ele também tem uma história de vida difícil, também foi jogado e também teve que se virar sozinho. Muitas vezes é difícil para a gente entender como um se acomoda no espaço do outro, porque somos muito autossuficientes. Tive relacionamentos com outras pessoas em que os via sentados no sofá e eu perguntava “quando vai acontecer o que você está esperando? Em algum momento vai ter que se mexer porque é necessário, né?”. Tem pessoas que estão mais acostumadas que as coisas desçam do céu, e outras que correm atrás. Acho que tem a ver com saber lidar com a frustração. Mas quero deixar claro que a frustração não é dor, necessariamente. A frustração pode ser: “não, agora não é hora de tomar suco de laranja”. “Mas eu quero, quero…” (imita voz de criança chorando). “Sim, mas agora não é”. Quando eu vejo algum relacionamento de filhos com as mães, em shoppings, especialmente na classe alta, vejo que são pequenos reis. Tudo para eles. Tem um “sobreoferecimento” de coisas para a criança, o tempo inteiro. Assim ela acha que merece tudo e não precisa fazer nada. Não sei se é assim em todos os lugares, mas o brasileiro é muito carinhoso, especialmente a mulher.
Uma vez, estava saindo do Parque da Água Branca com a Francesca e ela caiu quando descia a rampa correndo. Na hora, eu me assustei e ela se assustou com o meu susto, coisa que acontece fácil com crianças. Ela sentiu que tinha feito algo errado e ficou brava comigo, dando chilique. Então, eu a afastei da rampa e sentei para conversar. Só que de repente aparece um cara com um iPad, enfia a Peppa [Pig] na frente da minha filha e diz: “não seja assim com ela, ela só caiu”. Eu olhei para ele e disse: “mas eu só estou conversando com ela!”. Obviamente, ela logo se acalmou, por conta da Peppa. E eu queria assassinar o cara, mas não dava (risos). Então agradeci e pedi para que ele tirasse a Peppa.
Eu também vejo isso [superproteção] nos comentários das redes sociais: “ai, como você consegue ver essas crianças se frustrando!!!”. Meu, se frustrando com o quê? Me fala. É aí que eu vejo o grau de sensibilidade e a falta de conexão global das pessoas que assistem TV – com todo respeito à TV, que é meu trabalho atualmente. Nos primeiros capítulos, eu chorava muito quando eles iam embora, mas porque eu não sabia o que estava fazendo ali, qual era o meu papel. Trabalhar com crianças na TV é muito difícil, tem que ser tudo muito politicamente correto. Tinha medo de falar alguma coisa errada. Estava nervosa, e pensava “coitados…” quando os via saindo. Mas depois, peraí, está tudo bem, não foi nada. E que corajosos, né? Eles dão a cara ao tapa mesmo correndo o risco de ouvir depois, na escola: “você perdeu, você perdeu”. Fora que todo mundo sabe como são as regras. Criança que topou entrar no Masterchef é igual a adulto. Ninguém foi e te pegou em casa, te obrigou…
Quais os pontos positivos e negativos do Masterchef?
Tem muitos pontos positivos.
O Masterchef abriu portas para pessoas – como vocês – que querem saber o que eu tenho para contar e isso é sempre interessante. É uma enorme responsabilidade porque, quando alguém quer saber o que você tem para falar, você tem que tomar cuidado com o que diz. Neste momento, estou tentando entender o que as pessoas esperam de mim. Não para fazer o que elas esperam, mas para entender quem eu sou.
Até dois anos atrás, eu era a Paola, cozinheira do Arturito. Agora sou muito mais do que isso e eu não sei muito bem para onde levar. Outro dia recebi um e-mail dizendo que fui escolhida por uma revista dos Estados Unidos como uma das mulheres mais influentes do mundo. Então, opa, não vou abrir mais a boca. Se eu falo “estou a fim de dar aulas” é possível que alguém me convide a dar aulas, e isso é muito legal. Enfim, o programa abre portas, e depois você escolhe em quais quer entrar. Os pontos negativos são a falta daquela moita que gostei quando cheguei em São Paulo, do anonimato. Acho que me acostumei, mas o problema não é se acostumar, o problema é que eu sou uma pessoa tranquila, não muito social. Não sou o tipo de pessoa que está rodeada de gente o tempo inteiro, sou mais de me guardar. Não gosto do falso. Sei de algumas pessoas que ligam o ‘modo famoso’, mas eu não consigo ligar essa personagem. Acontecem coisas chatas como quando, outro dia, eu estava chorando no aeroporto de Buenos Aires por conta de um problema que eu não conseguia resolver, e as pessoas vinham querer tirar fotos comigo. E tiravam! E aí eu fico numa saia muito justa: se você fala “não”, você é mala; se você fala “sim”, sai com careta na foto. É muito difícil. Ainda não consigo acreditar que eu seja famosa… É que você, de alguma forma – e eu não faço isso – , precisa ser o que as pessoas mais ou menos esperam que você seja. Tento ter coerência.
O saldo ainda é positivo?
Sim.
Acha que vai se cansar em algum momento?
Provavelmente. Tenho contrato para fazer até a terceira temporada, que acredito que será gravada depois do Carnaval, e depois não tenho nenhuma outra oferta ainda.
Já pensou em sair do Masterchef?
Todos os dias (risos). Mas depois, todos os dias, eu encontro motivos pelos quais vale a pena ficar. Não é fácil fazer TV quando você não é da TV.
Como são as relações no Masterchef com os participantes?
As três primeiras semanas são muito difíceis, porque são todos desconhecidos. Começo a me sentir confortável quando ficam 14 pessoas, que é quando já consigo lembrar o nome – não sou boa com nomes – e quando sei quem é quem. Eu preciso me relacionar com as pessoas, por isso falei que não tenho uma personagem. Na segunda temporada, começamos com 75 pessoas, que ficaram sendo avaliadas dentro de um galpão. Eu estava tão cansada, tão mal-humorada por estar cansada, que foi esse famoso “a Paola roubou o programa” – eu estava cínica, irônica, estava no extremo, não aguentava mais. Estávamos gravando num subsolo, o ventilador não funcionava, eram seis dias com a mesma roupa. Era tão intenso que a gente começava a brigar. Passa a primeira semana e a gente se acalma. Não sei se eu sei lidar com pessoas. Acho que sei lidar com pessoas na cozinha. A gente é verdadeiro lá, não tem truque. Seguimos as regras, que são muito claras: julgamos o prato, não a pessoa, não a trajetória e não o potencial.
A dureza dos jurados é uma política editorial do programa?
Acho que o Masterchef universal era assim no começo, o que fez com que pedissem isso para a gente no começo. Me senti desconfortável, porque eu não sou assim na vida real. Quer dizer, posso ser irônica, posso te dizer “meu, você está vindo no Masterchef cozinhar de minissaia e salto?”. Posso falar isso porque é o que eu acredito. Mas forçar a ser malvada…
Você se apega muito aos candidatos?
É muito difícil eu ter pena das pessoas. Quer dizer, eu posso ter se elas estiverem em uma situação difícil, mas até agora nenhum participante do Masterchef estava em uma situação para que eu tivesse pena. A maioria delas sai, e quando sai, sai muito melhor preparado do que entrou. E não temos muito apego porque o tempo que passamos juntos é pequeno.
E aquele dia do Lucas (participante do MasterChef2)? Quando ele foi eliminado, você chorou e o convidou para te procurar para um estágio…
Tem muita tensão quando você grava um programa. Primeiro, a gente não conhece os participantes. A única coisa que eu vi é que ele estava ali querendo cozinhar bem. E o Lucas tinha boas ideias. Ele poderia ter um potencial incrível, mas uma coisa é você fazer uma sopa de cogumelo legal fritando a raiz do alho poró, a outra é segurar a onda 25 anos na cozinha para chegar a algum lugar. Tanto é que ele deveria estar fazendo estágio comigo e nunca apareceu.
Ele nunca te procurou?
Não, ele me procurou um mês depois do fim do programa e passou pelo departamento de RH dos meus restaurantes. Não quis sentar com ele, ele fez o que todos fazem normalmente nos meus restaurantes, que é passar primeiro pelo RH. Ele disse: “tenho vários eventos”. E eu disse: “ok, faz os teus eventos e quando terminar, volta”. E ele: “Tudo bem, em outubro eu te procuro”. E outubro passou. E ele não veio…
Mas ele pode vir ainda…
Ah, já era… A Elisa [Fernandes, vencedora da primeira temporada] fez a mesma coisa. Ela quis fazer um estágio comigo, eu aceitei e falei para ela vir apenas às sextas-feiras, porque ela estava enrolada com outras coisas. Ela tinha que chegar às 8h. E, na segunda sexta-feira, chegou às 9h45. “Desculpe, perdi a hora” (silêncio). Eu só pedi para ela ser pontual um dia por semana. Eu não tenho dó das pessoas. Deveria ter dó dos meus funcionários, que moram na puta que o pariu e tomam 14 ônibus para chegar às 7h da manhã. E chegam todo santo dia no horário.
Como você lida com os funcionários?
Com carinho, respeito e disciplina. Aliás, respeito, disciplina e carinho. Porque quando eu comecei lidando com muito carinho, não me dei muito bem. As pessoas precisam de disciplina. É aí onde entra o meu sócio, o Benny Goldenberg [restauranteur, dono do Mangiare e sócio de Paola no Arturito e no La Guapa], que é jovem e muito disciplinado.
Sou muito coração. Se um funcionário vem e fala “eu gostaria que você me mandasse embora porque preciso do seguro-desemprego porque minha mãe está doente”, eu choro e aceito. Precisei me afastar um pouco e as coisas começaram a funcionar muito melhor.
O Benny estabelece meta e damos bônus por meta cumprida. Temos uma quantidade de funcionários que dá para saber o nome e os problemas de cada um, dá para sentar e conversar. Temos bons líderes. O meu chef de cozinha entrou no Arturito no dia da abertura. Ele começou lavando louça e hoje é meu braço direito.
Como foi o convite para o Masterchef?
Não sei como fui convidada. As pessoas sempre me perguntam isso, mas acho que a produtora fez casting com todos os chefs do Brasil, exceto Alex Atala, Helena Rizzo e Roberta Sudbrack que não queriam e não foram. Um ano após uma série de testes, me ligaram falando que finalmente iam fazer o programa e que eu era a primeira opção de mulher. Perguntei quem eram os outros dois, me falaram que era o [Eric] Jacquin e o [Henrique] Fogaça. Eu sabia que o Jacquin era um chef conhecidíssimo, bem polêmico. Mas eu entendo o por quê disso, é necessário entender de onde ele saiu. Ele foi criado na França da rigidez das cozinhas e tenta aplicar isso no Brasil, mas não funciona. Mas é uma boa pessoa.
Já os conhecia?
Sim. O Fogaça trabalhou comigo no Julia Cocina. Jacquin eu conhecia de vista, não éramos amigos. Rolou uma empatia.
Você demorou a aceitar o convite?
Sim, eu tinha muita vergonha de fazer TV e tinha vergonha por ser um programa chamado Masterchef, quando fiz questão, por tantos anos, de ser chamada de cozinheira. TV aberta, patrocinadores de marcas que eu não acredito, sempre difícil…
Com relação à publicidade, você tem escolha?
Sim, tenho no meu contrato uma cláusula que diz que eu tenho que fazer publicidade na medida em que não afete os meus princípios. Mas algumas marcas já não me chamam porque sabem que ninguém acreditaria.
Você já foi muito desrespeitada na cozinha? Há muito assédio moral?
As cozinhas mudaram muito. Eu não posso te falar o que acontece se você faz um estágio na França hoje. Trabalhei em cozinhas com muito assédio e com muita falta de respeito, mas também em cozinhas com muito carinho, com muito cuidado. Nas minhas cozinhas, pode ser que tenha gritaria quando eu não estou, não sei o que acontece. Mas quando estou, não voa uma mosca, todos se tratam bem.
Paola, qual a sua filosofia de vida?
É difícil responder porque é difícil ter tão claro as coisas que me guiam. (Silêncio). Tem que ser justo. Não pode ser muito mais para mim do que para os outros. Eu não posso me beneficiar desproporcionalmente das pessoas que estão me ajudando a crescer. Tem que estar dentro da lei – e quem sabe até sair um pouco da lei, porque a lei também pode ser ruim.
Quando você fechou o Julia Cocina, ficou uma temporada viajando pela América Latina. Você curte?
Curto. Queria ter mais tempo para curtir mais. Um dos meus projetos é fazer um programa que mostrasse os ingredientes da América Latina. O que vocês estão fazendo com a Calle2, mas do ponto de vista dos ingredientes. O que nasce aqui, porque nasce aqui, como se faz de um jeito sustentável, porque é barato, porque é caro.
Tem algo específico que você goste da cozinha brasileira?
Tudo. Adoro jiló, maxixe, coentro, farofas, farinhas, todos os feijões. Gosto de tudo. Algumas coisas são muito pesadas. Cozinha mineira só posso de tempo em tempo. Meu corpo não aguenta tanta gordura. Mas eu gosto dos ingredientes.
Você acha que a cozinha brasileira é mais variada que a argentina?
Sim, muito. O Brasil tem mais regiões, tem mais ingredientes e tem mais locais com cozinha tradicional. Tem a mineira, a do sertão, a baiana, a amazônica, a central, todas muito fortes. Eu vejo a Argentina muito mais como São Paulo, que tem uma cozinha mais de imigrantes: árabes, italianos, espanhóis.
O que você acha da onda de restaurantes latinos em São Paulo?
Tenho uma casa de empanadas, produzimos 3 mil empanadas por dia… (risos) Às vezes eu chego, “bom, vou fazer um controle de qualidade”, e como oito! E penso: “meu, não pode ser tão boa!” (risos). Sobre os restaurantes latinos de São Paulo, tenho que dizer que não fui a nenhum. Eu não saio. Gosto de comer a comida que faço. São muitos anos de restaurante, cansei de restaurante. Eu gosto de comer em casa, faço minha quinoa, minha abóbora, as minhas sementes torradas… Sou muito natureba quando como em casa.
E o que a Francesca gosta de comer?
Tudo! Ela não é vegetariana, nem eu, mas comemos pouca carne. Como muitas verduras, legumes, além de feijão, quinoa, amaranto. Faço uns bowls com isso. Como pouco arroz integral, mas muito ovo. Adoro frango orgânico, e a Fran também.
Ela te acompanha na cozinha?
Faz tempo que eu não cozinho. Porque, com a TV, minha vida mudou. Ou estou gravando, ou dando entrevistas, ou fazendo um evento. Não sei quando vou voltar a cozinhar. Sei que um dos projetos que eu quero tocar e acho que no ano que vem vou correr atrás é abrir um espaço, uma horta urbana onde eu possa dar aulas. Isso é o que eu quero fazer: trazer pessoas para aprender coisas.
E quais os planos para o ano que vem? Você está produzindo um livro?
Sim. Que difícil é escrever! É um monstro que está me esperando. (risos) Eu não consigo nem sentar na cadeira. É um livro de cozinha, com biografia. Primeiro conto a minha história, depois tem algumas receitas. São 100 receitas, fotos do Jason, meu namorado, que são lindíssimas. O livro vai ser feito em parceria com a editora Melhoramentos, que foi generosa comigo, deixaram fazer o livro do jeito que eu quisesse. Me deram uma verba de produção, que ninguém costuma dar. Tenho as fotos e dois capítulos escritos, e mais nada! (risos) Tentei ghost writer, mas não deu muito certo. Quando eu sento para escrever, a coisa sai, mas o problema é sentar. Tenho 63 receitas testadas e escritas. Elas são escritas como uma história, não apenas como uma receita.
É um assunto delicado, mas acho que precisa ser abordado, principalmente depois dessa escalada de machismo, do seu relato corajoso sobre o #primeiroassedio e da situação terrível que aconteceu com a Valentina no Masterchef… Você acha a América Latina muito machista? E o Brasil também?
Sim, a América Latina e o Brasil são machistas. Mas, antes, é necessário colocar as coisas nas suas devidas casinhas. Sobre o assédio que eu comentei que aconteceu comigo, é muito provável que essa pessoa seja doente. Um cara que sai pelado, com um sobretudo e sobe em um ônibus para se masturbar na frente de uma menina, está doente e precisa de assistência médica. Já um cara, que por trás de um perfil falso, defende a pedofilia porque a Valentina é bonita, é um estúpido. E merece estar na cadeia por dois motivos: por estupidez e por fazer apologia ao abuso de menores, à pedofilia. O Brasil é machista? Sim, por muitos motivos. Acho que a brasileira é machista também. E tem esse culto ao corpo, a obsessão em não envelhecer. Nisso copiamos os Estados Unidos. Se você vai para a Europa, a mulher de 45, 50, 60 anos é lindíssima. Aqui é uma velha.
Sofreu preconceitos por ser mulher e latina?
Opa! Eles faziam piada tonta. Teve uma mulher no prédio onde eu morava em Paris que, na lavanderia, falava: “como argentina? você é tão branquinha? como assim? não são todos negros lá?”. Eles não fazem a menor ideia, acham que a capital da Argentina é o Rio, acham que Maradona é brasileiro. Para eles, somos todos macacos. Todos.