Mesmo quando conversa sobre assuntos sérios − como política −, Gregório Duvivier arranca gargalhadas do interlocutor. Ele é engraçado mesmo quando não quer sê-lo; os trocadilhos lhe saem da boca naturalmente. Gregório não é muito de gargalhar, mas, em alguns momentos, ri de si próprio de maneira tímida.
O ator, escritor, roteirista e humorista tem se posicionado politicamente desde o acolhimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, afastada provisioriamente desde o dia 12 de maio. Concedeu entrevistas dizendo que foi um golpe, organizou uma manifestação anti-Temer em Lisboa e fez, entre várias outras coisas, um stand up hilário sobre o presidente interino (cujo vídeo circulou nas redes sociais).
Apesar de afirmar que, como Amy Winehouse, a democracia brasileira morreu jovem, aos 27 anos, ele acredita ser possível ressuscitá-la, com uma reforma política decente (por meio de assembleia constituinte) e uma reforma tributária. Sobre um possível retorno de Dilma, é realista: “Seria justo [a Dilma voltar], se pensarmos que até agora nada foi provado contra ela, mas ao mesmo tempo, na prática, ela não conseguiria governar com esse Congresso. Ela teria que voltar para propor novas eleições. Topo diretas já”, diz, destacando que não gosta da presidente eleita, apesar de defendê-la e de admirá-la por sua força e coragem. “A Dilma cresceu muito quando a gente viu a cara deste Congresso. Todo mundo falava: “olha, a Dilma é muito ruim, ela não dialoga com o Congresso”. Aí quando vemos a cara do Congresso, você entende por que ela não dialogou com esse Congresso”.
Com 30 anos, completados no dia 11 de abril, o humorista afirma que nunca teve receios de expor sua posição política: “Sempre ouvi dos meus pais “fale o que você pensa, seja o que você é”. Sempre escutei um discurso de empoderamento. E até hoje acho que o que a vida quer da gente é coragem, como dizia o Guimarães Rosa. Correr risco.” Porém, já não é chamado para fazer publicidade. “Mas, quer saber? Pago esse preço feliz… se esse for o preço da liberdade”.
Nesta entrevista, concedida em uma cantina italiana no Bixiga, em São Paulo, Gregório fala sobre a situação do Brasil (“vejo com otimismo, mas se eu fosse o Temer veria com pessimismo”), a polarização, o filme do Porta dos Fundos (Contrato Vitalício), a peça Portátil que chega ao Rio de Janeiro e a sua necessidade de correr riscos.
Você comentou que o governo Temer já começa sujo de lama, e, com as novas delações, recebemos uma nova bomba por dia. Vendo tudo isso, o que você pensa? Dá um desespero? É mais material para fazer piada? Fica desanimado? Ou vê com um certo otimismo?
Primeiramente, fora Temer. Vejo com otimismo, mas se eu fosse o Temer veria com pessimismo. Ele diz que está sofrendo abuso psicológico porque a mulher dele liga pra ele chorando, mas se ele tivesse alguma compaixão pelo sentimento das mulheres ele faria alguma coisa pelo feminismo e teria alguma ministra mulher. É fácil falar ‘minha mulher me ligou chorando’ quando você coloca na Secretaria da Mulher uma pessoa que é a favor da criminalização do aborto. Ele não tem nenhuma empatia pelo sofrimento das mulheres.
É um governo que já nasce ilegítimo e com o qual não se deve negociar. Absurdo uma parcela da classe artística ficar negociando a volta do Ministério da Cultura.
Não me interessa negociar com um governo que tem um programa totalmente neoliberal − que nunca teria o aval das urnas – e que prega a redução das conquistas sociais.
Vê algum ponto positivo nessa crise política?
Vejo o aumento da participação da juventude, com as escolas sendo ocupadas. As ocupações são cada vez maiores e mais fortes. Os governos têm cada vez menos poder. As escolas ocupadas provam que a política faz parte da vida dos estudantes e que eles continuam acreditando na luta política. Acho que um governo que não dialoga com essas pessoas está fadado a cair.
Você comentou, antes do impeachment, que achava que o Temer iria parar a Lava-Jato. Você continua achando que tem como parar a Lava-Jato?
Está tão gritante que vai ser muito difícil de parar a Lava-Jato, ainda mais depois da delação do Sérgio Machado, que deixou claro que estavam tentando calar a operação. Agora vai pegar muito mal. O que tem que se fazer agora, no Brasil, tem muito a ver com o Judiciário; vivemos uma crise jurídica mesmo. Como as delações afirmam, o STF (Supremo Tribunal Federal) está comprometido, está envolvido. E é o STF que vai julgar a Dilma e que deveria estar julgando os políticos suspeitos. O tema não é o Sérgio Moro [juiz de Curitiba que comanda a Lava-Jato], o Moro faz o possível, mas tem um momento em que tudo esbarra na covardia do STF. O próprio Renan Calheiros [presidente do Senado] diz isso, que o Lewandowski [presidente do STF] ficava indo na Dilma para negociar o salário dele, e a Dilma batia a porta na cara dele. Bastou ela cair para ele conseguir o aumento de salário. A Lava-Jato encontra uma barreira que é o STF − que de supremo não tem nada, porque está abaixo de muita gente.
Tem muitos investigados com foro privilegiado, que acabam investigados pelo Supremo, e o Supremo é lento. Você acha que o STF é parcial também?
Total. É um jogo político. A filha do Fux [Luiz Fux, ministro do Supremo] virou desembargadora com trinta e poucos anos, com uma carreira medíocre e sem nenhum artigo relevante. O Judiciário no Brasil é feito de lobbies e é uma bocada que eu vou te contar: auxílio-moradia, auxílio-terno. Pelo amor de Deus! De que serve ter um salário de R$ 40 mil se você não compra nem roupa. Faz o que com esse dinheiro?
Você já disse que, como Jimi Hendrix e Amy Winehouse, a democracia brasileira morreu aos 27 anos. Acha que temos como ressuscitá-la?
Acho, mas é uma luta diária. Temos que lembrar que a democracia nunca está ganha. Não é algo que se conquista para sempre. Ela sofre revés. A democracia tem mil escalas. Mesmo antes de a Dilma cair, era democrático um país com uma mídia dominada por tão poucas famílias? A informação no Brasil é democraticamente veiculada, consumida? Quando vemos, no Congresso, a representatividade de mulheres e de negros, isso é democracia? Quando vemos o Eduardo Cunha com 250 deputados na mão dele… isso é democrático?
O rosto do Congresso é tão diferente do rosto do brasileiro, que a gente pergunta: isso é democracia? A democracia brasileira já era muito falha, e agora foi o golpe de misericórdia.




Como voltar a construir e elevar o nível dessa democracia? Reforma política? Novas eleições? Volta da Dilma?
O primeiro passo já foi dado, que é o fim do financiamento privado a campanhas políticas. Acho que já vai melhorar muito. Depois disso, uma mídia pública de qualidade, uma TV pública de qualidade. O Brasil tem uma [a TV Brasil], mas está sucateada, e o Temer está terminando de vez com ela. Uma TV pública não tem a ver com uma TV governista, as pessoas confundem o público com o governista. Olha para a BBC, para a RTP em Portugal. Quem faz as críticas mais duras aos governos são em geral as TVs públicas. O fim da isenção tributária às igrejas… porque que igrejas não pagam imposto? São empresas trilionárias. Da mesma forma, precisamos de uma urgente reforma tributária, quando se tem um país em que o salário é tão tributado, consumo muito tributado, e o lucro não é. Temos que aumentar o imposto sobre herança. Porque o Brasil é um país de rentistas, é um país hereditário desde as capitanias, tem que romper com esse ciclo. As pessoas vivem ou de aluguel, ou de um privilégio, ou porque é filha de um militar e tem uma pensão gigantesca. Tudo é renda. Acho isso muito negativo, porque renda e heranças são muito pouco tributadas. Isso também piora a qualidade da nossa democracia.
Esse cenário caótico facilita esse debate, sobre reformas estruturais? Pode acontecer de o Brasil de fato encarar uma reforma política decente?
Acho. Acho que sem uma assembleia constituinte não vai haver uma reforma política. Essa Câmara é péssima porque não houve reforma política, não faz sentido ter uma reforma política comandada por esta Câmara, já que ela é filha da nossa política jurássica. Tem que ter uma assembleia constituinte para se criar uma nova forma de se pensar a política.
A Dilma voltar seria interessante?
Seria justo, se pensarmos que até agora nada foi provado contra ela, mas ao mesmo tempo, na prática, ela não conseguiria governar com esse Congresso. Ela teria que voltar para propor novas eleições.
Você topa esta ideia?
Topo. Diretas já. Porque ela teve um desgaste muito grande, por culpa também dela, porque ela não dialogou com a sociedade civil… a Dilma já teve alta aprovação, era a chance de ela fazer as reformas, romper com o PMDB. Ela não rompeu, foi o PMDB que rompeu com o PT. Por culpa dela ela perdeu a sociedade.
Pelo que está previsto na Constituição, ou Dilma e Temer renunciam ou a chapa é cassada. Como executar essas novas eleições sem que seja uma manobra golpista?
Acho que quando é a presidente que volta e resolve propor novas eleições, abrimos uma brecha sim. Deveria ser possível a qualquer momento um presidente convocar novas eleições. Outra coisa que acho absurdo é um governo interino fazer todas as mudanças que está fazendo. É um governo interino! Como é que o sujeito pode dar uma guinada para outra direção? Sem o aval das urnas, você pode trocar totalmente o projeto de governo? Eu nem sabia que isso era possível, mas pelo jeito é, porque ele está fazendo. Mesmo que não fosse golpe, se a Dilma tivesse renunciado, por exemplo, você não pode pegar a virar o governo para outra direção. Não foi neste projeto que a população votou. Esse projeto tinha um candidato, que era o Aécio, que perdeu nas urnas e que perderia novamente. A Dilma cresceu muito quando a gente viu a cara deste Congresso.
Todo mundo falava: “olha, a Dilma é muito ruim, ela não dialoga com o Congresso”. Aí quando vemos a cara do Congresso, você entende por que ela não dialogou com esse Congresso.
Imagine que o nível é tão ruim que Tia Eron ficou famosa…
Ela votou contra o uso de nome social para travestis, mas o nome dela na Câmara é Tia Eron, que obviamente não é o nome dela. Ou seja, você só pode usar nome social se for trans [risos].
Você já comentou que o Brasil precisa se unir. Você acha que o Brasil está se unindo… contra o governo Temer?
Isso aí foi bom, vi gente unida que não costuma estar, como as esquerdas. As feministas. Acho lindo ver essas pessoas juntas, porque é estranha essa briga de minorias, né? Tipo a feminista negra dizendo que a feminista branca a oprime. Gente, vamos focar, que o aborto é proibido no Brasil?! Vamos unir as minorias, vamos ter direitos fundamentais, depois a gente discute. As minorias estão morrendo assassinadas. Falta uma união dos oprimidos. A esquerda, por ter, na minha opinião, mais camadas, permite o dissenso, cada um aponta para um lado; a direita em geral é monolítica. A esquerda é plural, por definição, isso faz com que seja mais difícil andar, porque cada um está olhando para um lado, mas esse é o momento. Que o golpe sirva para gerar uma união dos oprimidos.
No caso de novas eleições, você votaria no PT?
Depende do quadro. No primeiro turno dificilmente. As duas coisas são burras, para mim: o antilulismo é uma imbecilidade, porque essa demonização do Lula mistura falta de informação com preconceito. Em compensação, o messianismo lulista, que acha que ele vai voltar para reunir o país, também é problemático, porque o Lula é um sujeito problemático, que une gente com quem eu não quero estar no palanque. O Lula é um cara que de repente resolveria a Lava-Jato, ligando para uma ou duas pessoas, costurando acordo, e a Dilma cai justamente por não fazer esses acordos. Esse lulismo cego também não abraço não.
Você gosta da Dilma?
Não, não gosto nada, isso é o mais engraçado, defendo com unhas e dentes, mas não gosto nada. O que me irrita é que as pessoas não gostam dela por outras razões. Não gostam porque… acham que ela é corrupta. O problema da Dilma é outro. O problema dela é que ela faz uma política antiga, na política ambiental, por exemplo, ela é jurássica, paleolítica. Agora ela está abraçando o feminismo, mas quando estava no governo ela nunca falou disso. Ela não defendeu o aborto… Ela não brigou pelas causas civis. Isso sem falar na causa indígena. Ela acredita em hidrelétrica… ela fez Belo Monte, como é que vou gostar dela? Agora, ainda assim, ela tem algumas virtudes que a gente não pode esquecer. Ela é uma mulher dura, forte, que peita essa corja política, e é por isso que ela cai, não é pela causa ambiental nem indígena. Respeito ela pela força e coragem, mas discordo dela frontalmente. E ela tem um problema seríssimo que é que ela não dialoga com a sociedade civil, ela não ouve o clamor das ruas. Quando foi que a Dilma ouviu, sentou, debateu com lideranças da rua, movimentos sociais? Para mim, em 2013, foi o momento de virada dela, ela poderia ter virado uma heroína nacional, ou ter caído, que foi o que aconteceu. Ela não soube converter as ruas para ela. Não estou dizendo que é fácil, porque tinha todo o Congresso, ela tentou propor algumas medidas políticas que foram barradas. Ela tentou, mas não conseguiu.
Você já foi vítima de muitos ataques na internet, já comentou numa entrevista que acha a agressividade dos ‘coxinhas’ mais intensa do que a da esquerda. Por que isso? A extrema direita é tradicionalmente mais violenta que a extrema esquerda?
Acho que tem violência dos dois lados. Não canso de apanhar, por exemplo, quando defendi o Freixo [Marcelo Freixo, do PSOL] para a candidatura no Rio. Tem gente do PT me xingando… Eu não acho que sou petista, mas eles acham. Agora eu apanho dos dois lados. Mas é um bom lugar para se estar, quando a direita acha que você é esquerda e a esquerda acha que você é direita. Quando se agrada todos, é um péssimo sinal. Agora, existe uma coisa no Brasil que é uma moda do fascismo, as pessoas reproduzem coisas sem nem saber porquê. Você vê adolescentes falando ‘Bolsomito’ [uma referência à Jair Bolsonaro, deputado federal da extrema direita] – o que me dá asco. É uma brincadeira para eles, mas eles nem sabem direito do que se trata, não sabem quem foi Brilhante Ustra [torturador da época da ditadura], não sabem o que foi a ditadura. Acho perigoso, porque reproduz na brincadeira uma coisa que é seríssima. O fascismo pode até ter graça em um país onde não morra tanta gente por causa dele…
Em um país que acontece um feminicídio das mulheres, um genocídio da população negra, em que a homofobia mata tanta gente, a transfobia mata tanta gente, não tem graça nenhuma esse tipo de “humor”. Com ataques verbais, não tenho problema, agora, o que me incomoda do lado de lá, é que sustenta uma política de morte, de genocídio. Não existe genocídio que não seja ideologicamente embasado, sempre por trás tem ideologia e às vezes tem “humor” também. No caso do antissemitismo, tinha uma literatura vastíssima de humor, representavam os deuses como porcos… não é que não tinha graça nenhuma, para eles era hilário. Quando me preocupo com a questão do Bolsonaro não é porque isso é vazio, é porque isso embasa sim o que acontece hoje no Brasil, que é o genocídio.
Você se expõe politicamente, escreve, fala, lidera movimento anti-Temer em Lisboa. Em algum momento do passado você já teve medo de se expor, de bancar essas tuas posições?
Eu sempre ouvi dos meus pais “fale o que você pensa, seja o que você é”. Sempre escutei um discurso de empoderamento. E até hoje acho que o que a vida quer da gente é coragem, como dizia o Guimarães Rosa. Correr risco. Ainda mais trabalhando com humor.
Não existe humor sem risco. Humor sem risco não é humor. É propaganda. O humor tem que ser arriscado. Acho que a arte também, a qualidade artística é proporcional ao risco que o artista está correndo.
O primeiro disco da minha mãe [Olivia Byington, cantora e violonista], quando ela tinha 17 anos, se chama “Corra o Risco”. Um disco lindo. E acho que é uma coisa que aprendi com ela. Correr riscos, nada presta sem risco.
Esse risco tem a ver com a necessidade de o artista ser transparente?
Acho que a transparência é perigosa, mas isso é muito bom. Eu, por exemplo, não faço mais publicidade, mas não é porque eu não quero, é porque não me chamam. Há uns dois ou três anos eu fazia dez, doze comerciais por ano. Já não faço mais. O que acho ótimo, primeiro porque fazer publicidade é muito chato. A gravação é chata, você não se identifica com o texto, é difícil ser um texto realmente engraçado. E acho que me prenderia. O lado chato é não ganhar tanto dinheiro. Mas, quer saber? Adoro aquela entrevista com o Ricardo Darín, [ator argentino] em que o entrevistado pergunta para ele porque ele não vai para Hollywood. Ele fala “eu tenho água quente em casa, tenho meu cachorro, tenho meus amigos, tenho dinheiro para pegar um taxi eventualmente”. Ando muito atrasado, então pegar um taxi é legal, uma ponte aérea mais cara, consigo me dar esse luxo. Poxa, então eu sou rico. Pra que quero mais que isso?
E não te chamam por causa do teu posicionamento político?
Não tenho dúvidas. Pago esse preço feliz… se esse for o preço da liberdade.
O risco que você fala é esse?
O risco é esse, uma marca não quer se vincular a mim porque sabe que tem um índice de rejeição. Muita gente vai me xingar… O que irrita nas discussões hoje no Brasil é que elas não são ideológicas, elas são pessoais, giram em torno de caráter. Os argumentos dizem respeito à vida do interlocutor, não dizem respeito às suas ideias. E o pior: dizem respeito a ilusões sobre a vida do interlocutor. Tem gente achando que Cuba está financiando o Chico Buarque. Cuba não tem dinheiro nem para financiar a si mesma, quanto mais pagar o Chico. Se existisse essa rede bolivariana tão forte não teria havido um golpe no Brasil.
Parece que a maioria dos integrantes do Porta dos Fundos não é de esquerda. Como vocês lidam com essas diferenças? Rindo? Brincando?
O Porta dos Fundos é um grupo muito discordante, cada um acha uma coisa completamente oposta do Brasil. Cada um vota em uma pessoa.
E o Porta estar dando certo é a prova de que o Brasil pode dar certo também, que dá para unir o Brasil, porque é difícil discordar mais do que a gente.
O que acontece, que é o que eu queria que acontecesse no Brasil, é que as pessoas parassem de discordar do ser humano, parassem de discordar do caráter do outro. Seria legal se as pessoas dessem o braço a torcer.
Por exemplo: eu estava super defendendo a Dilma, dizendo que ela não podia cair de jeito nenhum, e que ela era a única pessoa que não ia barrar a Lava-Jato, até que ela nomeia o Lula para ser ministro. Eu fui contra na hora. Aquilo ali foi sim uma tentativa de golpe, e temos que saber falar mal disso quando acontece. Sinto falta que a direita faça a mesma coisa e diga “olha, vocês têm razão, isso foi feio, isso foi golpe”. Não acho que o Brasil tem milhões de golpistas, acho que tem milhões de pessoas desinformadas.
O filme ‘Contrato Vitalício’ do Porta dos Fundos estreia em breve, dia 30 de junho. Conta um pouco como foi fazer o filme…
Foi uma epopeia gravar o filme, porque foi um mês de filmagem, no auge do verão carioca, eu com cabelo grande, barba grande, óculos fundo de garrafa, que eu mesmo escolhi por estupidez minha, porque achei que seria legal eu ficar com os olhos meio deformados, mas eu não enxergava nada o filme inteiro. Foi uma super produção, um estúdio gigante alugado, coisa que a gente nunca fez. Foi um passo gigante para a gente. Foi o primeiro filme do Porta.
E a peça de improviso ‘Portátil’?
É uma peça do Porta. Sempre foi uma vontade especial nossa de ir para o palco porque a gente nasceu no palco, o Porta não como grupo, mas eu conheci o Fábio [Porchat] no palco. De modo geral, o Porta é um fenômeno que deve muito ao teatro, a gente sempre quis voltar para o palco com uma peça, e voltar agora é uma coisa que a gente tem vontade de fazer porque acho que é o melhor lugar para se ter ideias novas, para se reciclar, às vezes a gente fica se repetindo muito. E o teatro obriga a ter frescor por causa do público, que é muito exigente. Voltar ao teatro é sempre um desafio, sobretudo no improviso, onde a gente se aventurou. O teatro é o lugar do risco, a improvisação é o lugar do risco.
O que significa exatamente correr riscos?
Acho que correr risco é não fazer o que esperam que você faça. Não repetir. Às vezes nos tornamos máquinas de reprodução. Temos que lembrar sempre, como diria o Brecht [Bertolt Brecht, dramaturgo alemão], que nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. Nada. A gente sempre ouve desde pequeno as coisas que são naturais: “ser heterossexual é normal, ou o Brasil é assim, não tem jeito, o Brasil está fadado ao subdesenvolvimento”. Como diria Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento é uma obra de séculos, foi planejado, convém a muita gente, a miséria dá lucro. Quando você vê que tudo isso é uma construção, e nada é natural, acho que dá força para pensar “então vamos criar novos naturais”.
Vamos romper com o estabelecido, com o status quo, com tudo aquilo que foi colocado como verdade absoluta. Acho que é essa a função do humor e também a função da poesia.
Você tem três livros de poesia, aliás elogiados por Millôr Fernandes e Ferreira Goulart. Você é múltiplo, faz teatro, roteiro, vídeo, cinema, escreve e ilustra. Alguma dessas atividades artística te preenche mais?
O que mais me dá gana é o teatro, por causa do risco. O teatro não tem perdão, você não pode adiar. Escrever para mim é duro porque não tenho muita autodisciplina, então fico o tempo todo me adiando e mando na última hora. O teatro eu acho uma delícia, tem hora, você não vai atrasar. Você tem que estar lá, isso torna tudo muito mais intenso. É no teatro onde eu me sinto mais presente, especialmente neste mundo em que estamos saindo do presente, escapando, no celular, ouvindo rádio, vendo TV, às vezes com três telas ao mesmo tempo. O teatro te obriga a estar presente, é a arte do presente. A arte de presentificar, acho que é onde eu tenho mais prazer.
FOTO: SAM LUDD