‘O que nos ameaça é um grave retrocesso neoliberal’
Análise

‘O que nos ameaça é um grave retrocesso neoliberal’

Para ex-ministro Bresser-Pereira, padrão moral da política e cenário econômico vão piorar com impeachment; guinada neoliberal pode condenar o Brasil a uma ‘estagnação de longo prazo’  

em 06/04/2016 • 01h00
compartilhe:  

Nas últimas semanas, o economista e cientista político Luiz Carlos Bresser-Pereira, 81 anos, tem participado de eventos e concedido entrevistas: ele faz questão defender publicamente que a presidente Dilma Rousseff termine o seu mandato. “É equivocada a tese de que, com o impeachment, os empresários restabelecem sua confiança e o Brasil volta ao paraíso”.

Bresser-Pereira, que foi um dos fundadores do PSDB (mas se desligou do partido em 2011), acredita que um possível governo peemedebista faria um ajuste fiscal mais agressivo do que o atual e valorizaria o real, na tentativa de segurar a inflação. “Sou absolutamente contra, porque isso é condenar o Brasil a uma estagnação a longo prazo e talvez eternamente.”

Bresser-Pereira defende que o governo mantenha o ajuste fiscal e invista em infraestrutura. “Mais ou menos o que está fazendo o Joaquim Barbosa [ministro da Fazenda]”.

Porém, ele não está muito otimista com a economia. “Nossas elites não têm um diagnóstico sério do Brasil e não têm, então, formas de garantir que o Brasil volte a crescer a taxas razoáveis. Não vejo isso nem na direita nem na esquerda. A gente continua acreditando que o Brasil é um foguete que está subindo. É uma autoilusão”, afirma, destacando que estamos em uma semiestagnação há 30 anos.

Na entrevista abaixo, o intelectual, que foi ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, analisa a atual polarização do país e detalha o que poderia ser uma possível saída para a crise: política cambial responsável (com a taxa de câmbio em R$ 3,80), juros baixos, superávit em conta-corrente, corte de gastos, investimento do governo em infraestrutura, reforma política e reforma tributária.

 

O senhor tem defendido que a presidente Dilma termine o seu mandato. Por que o senhor é contrário ao impeachment?

Entendo essencialmente que o impeachment contra a Dilma constitui um golpe de Estado e portanto é um atentado contra a Constituição brasileira, o que, a meu ver, é muito grave. Essa é a razão fundamental. Mas há uma segunda razão: estamos em um quadro de uma crise de um período, que começa em 1980, com as Diretas Já − o que eu chamo no meu livro “A Constituição Política do Brasil” de o ciclo de democracia e justiça social. Esse ciclo começou nos anos 80 e entrou em crise agora, durante o governo Dilma.

O que nos ameaça no lugar disso é um retrocesso neoliberal muito grave. O neoliberalismo - que estava limitado durante o governo Lula e o começo do governo Dilma, em que o PT parecia bem sucedido - renasceu com uma força terrível atualmente e quer voltar a reduzir o Brasil a uma condição de colônia dos grandes países, onde o fundamental é a associação entre as elites locais e as elites internacionais, enquanto o povo fica absolutamente abandonado.

 ‎

 

Qual seria, na sua avaliação, uma saída razoável?

A melhor saída, que ainda acho que é a mais provável, é a rejeição do impeachment, com Dilma seguindo seu governo. Ela é a presidente eleita, foi eleita regularmente, não há razão para o impeachment. Então vamos tratar de viver com ela. O grande problema é que as classes dirigentes brasileiras estão dando um sinal muito claro de que não querem ser governadas pelo PT, não querem ser governadas por um partido que, apesar de todas as concessões que fez e que tinha que fazer para com as elites e com o capitalismo para governar o Brasil, continuou essencialmente fiel às ideias de esquerda, com uma preferência pelos pobres e pelos trabalhadores. E a direita brasileira, desde 2013, claramente não está disposta a aceitar isso.

O senhor já comentou que o gasto social brasileiro, que era de 11% do Orçamento em 1985, hoje é de 22%. E que esses investimento não beneficiam a classe média, mas os pobres. A classe média está brava? Esse ódio que vemos contra o PT e o ex-presidente Lula vem daí?

Houve uma guinada para a direita de uma parte importante da classe média, e ela então passou a ter um sentimento de ódio. Isso é fascismo, isso é profundamente antidemocrático. Quando entra o ódio na política, desaparece a razão, desaparece a política. Esse é um problema muito claro, mas a isso se soma uma atitude das elites econômicas brasileiras, que eram profundamente contra o PT até 2002, aceitaram o partido durante dez anos, mas que nos últimos dois anos reagiram. Como esse PT não tinha tido sucesso do ponto de vista econômico, eles abandonaram o barco, aproveitando esse ódio que veio da classe média e que não era dos empresários.

Apesar de ser contra o impeachment, o senhor já criticou o governo Dilma e o PT. Gostaria que o senhor comentasse um pouco sobre como vê esses escândalos de corrupção ligados ao partido.

Sempre houve corrupção no Brasil, mas a corrupção tem suas regras e sua dinâmica e, nessa dinâmica, a ideia de você financiar um partido político diretamente com corrupção não estava na regra do jogo. Nas relações entre as empresas e a política, existem três fenômenos: a corrupção propriamente dita, que é a propina em troca de obter certas vantagens; tem as contribuições para campanhas políticas, que aí não é troca, é relações públicas; e, por fim, existem os presentes, e isso não é relações públicas, são favores, que esperam algo em troca, mas esperam algo indefinido e indeterminado, portanto não é uma corrupção propriamente dita. Todos os políticos brasileiros praticam as duas últimas modalidades. Isso faz parte da regra do jogo da política brasileira. A primeira modalidade – a propina em troca de vantagens – costuma ser praticada para financiar um único político ou um grupo de funcionários que querem enriquecer.

O que o PT fez foi financiar o partido com propina, e isso é inaceitável, é um fenômeno novo e que desmoralizou profundamente a legenda. Uma pena, porque considero o PT um partido importante para o Brasil: é um partido de esquerda, social-democrata e com toda uma história.

A minha interpretação mais geral é que isso decorreu de alguns líderes, que prefiro não nomear, que adotaram o que eu chamo de um marxismo infantil. O pensamento é o seguinte: o capitalismo é corrupto por natureza, isso é essencialmente verdade. Mas, a partir desse diagnóstico, eles concluíram que poderiam financiar o partido com corrupção, o que é uma loucura completa. Há uma corrupção, mas há regras do jogo.

Por conta dessa atitude do PT “fora da regra do jogo” é que ele está sofrendo esse impeachment?

Sem dúvida. O partido ficou muito enfraquecido com isso, e a presidente Dilma, que eu acredito que não esteve em nenhum momento envolvida nessa forma de financiamento do partido, está sofrendo por causa disso.

O senhor considera que foi um erro Dilma tentar nomear Lula ministro?

Acho que não. É difícil saber, mas fato concreto é que ela sempre esteve identificada com o Lula e vice-versa, os dois trabalharam juntos. E, neste momento em que a luta política contra ela é desenvolvida por políticos extremamente oportunistas, que a meu ver são em média substancialmente mais desonestos do que os líderes do PT que estão no governo, considero natural que ela tenha buscado a ajuda do Lula.  Quando você vê a fotografia das pessoas que estavam na reunião do PMDB e compara o padrão moral daquelas pessoas com o padrão moral de quem está hoje no Planalto… com o impeachment, esse padrão moral vai piorar muito.

 ‎

Quais os efeitos de um impeachment para a economia?

A tese dos impichadores é que, com o impeachment, os empresários restabelecem sua confiança e o Brasil volta para o paraíso. Acho isso profundamente equivocado. Nós estamos numa recessão muito grave, que teve como causa principal a violenta queda do preço das commodities que aconteceu em 2014 e a fragilidade da economia brasileira que vem desde 1990. Essa é a fragilidade de um crescimento muito baixo, de 1% per capita ao ano, enquanto crescia 4% entre 1930 e 1980. Desde 90, estamos numa quase estagnação. E, para enfrentar esse problema, os economistas neoliberais ortodoxos não têm nenhuma proposta. Depois da transição democrática e depois do governo Sarney, tivemos 12 anos de governos neoliberais e, depois, 12 anos de governos desenvolvimentistas. O que aconteceu nos dois? Fracassaram no plano econômico. Não conseguiram sair dessa semiestagnação. Qual foi a diferença? No período do PT, houve pelo menos uma forte distribuição de renda. No período anterior, houve estabilização dos preços, é verdade, mas a estabilização não foi alcançada graças a uma política ortodoxa, e sim graças à aplicação das ideias da teoria da inflação inercial, que eram ideias absolutamente heterodoxas naquela ocasião.

O senhor acha que, no caso do impeachment, o governo do PMDB seria absolutamente neoliberal?

Não. Absolutamente não serão porque, para você ser absolutamente neoliberal, é preciso tomar decisões no plano legislativo muito violentas contra os trabalhadores e pobres, e eles não têm coragem para isso. Eles não vão fazer, porque vão ficar com medo de perder votos. Num possível governo do PMDB, não tenho dúvidas de que eles seriam populistas no plano cambial. A primeira coisa que eles vão fazer é segurar a inflação com câmbio apreciado [valorização da moeda nacional]. Sou absolutamente contra, porque isso é condenar o Brasil a uma estagnação a longo prazo e talvez eternamente. Mas os ortodoxos são populistas cambiais. E eles vão fazer um ajuste fiscal mais forte do que o governo está fazendo.

Agora, um ajuste fiscal, o mais forte possível, foi tentado pelo Levy [Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda, substituído por Nelson Barbosa], que é um economista absolutamente ortodoxo também. Eu apoiei esse ajuste. Apoiei porque o país estava sem espaço fiscal, a Dilma tinha cometido um enorme erro em 2013, que foi fazer as desonerações fiscais, tirou os impostos das empresas industriais, o que causou uma queda enorme de arrecadação e fez o país entrar em déficit primário. Ela estava sem nenhum espaço fiscal para fazer uma política expansionista e precisava dramaticamente recuperar a confiança dos empresários. Então ela adotou a política de ajuste fiscal do Levy. Só que se previa que a economia cresceria 0,5% em 2015 – previsão da Focus de janeiro de 2015 –, e o Levy previa que, com isso, conseguiria um superávit primário de 1% do PIB. Ao final de 12 meses, o superávit primário foi negativo em 2%, e o PIB, que ia crescer 0,5%, caiu 3,8%. Então a política de ajuste fiscal fracassou.

A solução agora, para sair da crise, não é mais ajuste fiscal, evidentemente. Eu propus então - e é mais ou menos o que está fazendo o Nelson Barbosa - continuar cortando a despesa corrente do governo e estimular a despesa de investimento do Estado, tanto a nível federal quando a nível dos Estados.

O senhor critica o baixo crescimento brasileiro nos últimos 30 anos e o ‘populismo cambial’ do Lula de manter o dólar muito tempo a R$ 2, o que teria levado o Brasil a uma desindustrialização. O senhor considera que o câmbio atual está em patamares razoáveis?

O dólar a R$ 3,60 é pouco. Defendo um câmbio entre R$ 3,80 e R$ 3,90. Com esse nível, as exportações brasileiras de manufaturados já estão crescendo substancialmente. Os últimos dados mostram isso claramente. A indústria brasileira foi destruída nesses últimos 30 anos de fracasso, primeiro o ortodoxo liberal e depois o fracasso desenvolvimentista. Não há nada mais importante na política econômica brasileira do que manter a taxa de câmbio em R$ 3,80.

 ‎

Como reduzir a taxa Selic em prazo razoável sem afetar a inflação? Ou não é hora de mexer na taxa Selic?

Eu acho que está na hora de mexer na Selic sim, mas temos que esperar o resultado do impeachment, tudo indica que em menos de um mês teremos o resultado da votação na Câmara. O Nelson Barbosa está fazendo a política dele. Quando ele saiu do governo, em 2012, veio para a Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, e lá ele fez um paper dizendo como reestabelecer o equilíbrio fiscal. E ele está tentando fazer isso, é um economista muito competente. Agora, se ele terá tempo e apoio político suficiente vai depender muito da votação do impeachment.

Na sua avaliação, quais foram os principais erros da presidente Dilma?

Fala-se muito que o grande erro da presidente foi um erro da matriz macroeconômica. O que a direita quer dizer com isso é que ela tentou que o Brasil saísse da armadilha macroeconômica em que está desde 1990. Que armadilha é essa? Tenho um livro sobre isso, chamado “Macro-economia da Estagnação”, de 2007. Nesse livro, a tese geral é que o Brasil está na armadilha de uma alta taxa de juros e uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Esse tipo de armadilha torna absolutamente inviável o desenvolvimento econômico. Se você cresce 1%, isso não é desenvolvimento econômico. O que a Dilma precisava fazer? Baixar os juros e colocar o câmbio no lugar certo. Foi isso que ela tentou fazer, só que ela tinha recebido do Lula uma missão impossível. Para colocar o câmbio no lugar certo, ela precisava sair dos R$ 2,20 (que foi o que ela recebeu do Lula) e levar o dólar para R$ 3,80. Impossível. Ela não tinha poder para depreciar em 50% a moeda nacional. Então o que ela fez? Ela reduziu a taxa de juros fortemente, e o câmbio depreciou 20% em termos reais [descontada a inflação]. Isso não foi suficiente para fazer os empresários voltarem a investir, mas foi suficiente para que houvesse inflação.

Quando chegamos no final de 2012, temos a inflação começando a subir e um crescimento muito ruim do PIB – o famoso ‘pibinho’ de 1%. Foi aí que a ortodoxia liberal acordou – porque durante o governo Lula eles ficaram parados, sem muito argumento. E começou a crítica do pibinho, a crítica da política macroeconômica etc. Resultado: a Dilma foi obrigada a recuar, e ela recuou. E o Banco Central voltou a aumentar os juros. Foi uma tentativa corajosa, mas ela não tinha informação suficiente. Mas o erro maior dela não foi esse, a meu ver. Ela estava certa na orientação, o que faltou foi poder para ela fazer o que precisava fazer. O grande erro da Dilma aconteceu no final de 2013, quando ela decidiu fazer as grandes desonerações fiscais. Aí o superávit primário, que era, em 2013, de 1,7% do PIB, em 2014 passou a ser negativo, em 0,6%. Isso foi o desastre fiscal. Isso a enfraqueceu muito e enfraqueceu o país.

O senhor acha que tem saída para a crise econômica?

Não estou muito otimista com relação ao Brasil. Politicamente acho que temos uma democracia forte e vamos continuar com nossa democracia. Por isso que eu ainda acho que não vai haver esse impeachment. Agora, do ponto de vista econômico, enquanto nós não percebermos que temos que ser responsáveis, não só em termos fiscais, mas em termos cambiais –enquanto não percebermos que temos que ter uma taxa de câmbio competitiva, que temos que garantir uma taxa de lucro satisfatória para as empresas, que os salários devem aumentar, mas não mais que a produtividade, e que temos que crescer com a nossa poupança, e não com empréstimos estrangeiros, acho difícil. E hoje as elites brasileiras, tanto da esquerda quando da direita, estão profundamente alienadas.

O senhor defende a desvinculação da economia brasileira dos investimentos estrangeiros…

A desvinculação que quero não é mandar embora as empresas multinacionais, o que eu quero é que o Brasil tenha um superávit em conta-corrente. Podemos aceitar investimentos diretos, mas não pode ser para financiar o déficit. Déficit em conta-corrente significa que há uma taxa de câmbio apreciada e, no longo prazo, significa que tem uma desvantagem competitiva enorme, porque as boas empresas não têm condições de investir. Defendo responsabilidade cambial e superávit em conta-corrente – e não poupança externa, porque isso é déficit em conta-corrente.

Os momentos de crise podem ter um único ponto positivo, que é a avaliação do que está errado e a busca por reformas e por mudança. Que reformas o senhor considera fundamentais para o Brasil?

No plano político, a principal reforma é a de que não haja financiamento de campanhas por empresas.

O Supremo já vetou isso…

Sim, mas os deputados estão infernizados, preparando emendas constitucionais para conseguir restabelecer isso.

Quando se diz que o capitalismo é corrupto, é verdade, e, no caso de financiamento de campanhas por empresas, é a corrupção na sua forma mais perfeita e clara.

São as empresas que resolvem comprar os deputados, e são os políticos que querem se vender às empresas. Isso é algo absolutamente antidemocrático e corrupto. É o que acontece nos Estados Unidos, o que é uma vergonha, por isso a democracia deles é tão ruim. E é o que não acontece na Europa, onde os países costumam ter financiamento público de campanha. As empresas não podem fazer contribuições e daí cria-se uma estrutura moralmente muito mais séria.

Outra coisa importante é ter o sistema proporcional misto nas eleições, onde metade dos deputados devem ser eleitos por lista, proporcional ao número de votos, e metade devem ser eleitos pela maioria do distrito. É o sistema alemão, funciona muito bem há 64 anos. E vale também ter uma regra de corte para acabar com os pequenos partidos. O sistema eleitoral misto já ajuda na redução no número de partidos.

E que reformas importantes na economia?

Na parte econômica, o fundamental é que coloquemos no Brasil uma política cambial, para manter a taxa de câmbio competitiva, que eu chamo de equilíbrio industrial. Para fazer isso, deveríamos ter um Conselho Cambial Nacional, muito semelhante ao Conselho Monetário Nacional, e o Banco Central deve ser um mero instrumento desse conselho. É esse conselho que toma as decisões fundamentais relativas ao câmbio. Nessa política cambial, também deve haver um mecanismo, uma retenção cambial, que neutralize a doença holandesa [sobreapreciação permanente da taxa de câmbio de um país resultante da existência de recursos naturais abundantes e baratos]. E deve ter a rejeição de três políticas que habitualmente os países em desenvolvimento adotam: a política de crescimento com poupança externa, que eu já critiquei; a política de âncora cambial para combater a inflação, que eu também já critiquei; e a política de altas taxas de juros em torno da qual se realiza a política monetária, que eu também já critiquei.  Se você recusa essas três e neutraliza a doença holandesa, você manterá a sua taxa de câmbio competitiva, permitindo então que os empresários brasileiros e futuros, e todos os jovens, possam trabalhar e prosperar. E o Brasil com eles, porque, se os empresários não prosperam e você vive num país capitalista, você está perdido.

O senhor defende uma reforma tributária?

A reforma tributária é muito importante, mas infelizmente está fora da agenda. Temos que acabar a reforma tributária do ICMS [um dos pontos da reforma é a redução das alíquotas interestaduais, com o fortalecimento da tributação no destino das mercadorias], que é uma novela sem fim, e temos que fazer uma reforma tributária que torne os impostos brasileiros mais progressivos, porque o nosso sistema é profundamente regressivo [os pobres pagam mais impostos que os ricos]. O que eu digo para os meus amigos de esquerda é o seguinte: olha, vocês estão errados quando querem distribuição de renda através de câmbio apreciado, isso é loucura. Como é que distribui renda? É fundamentalmente através de um sistema de impostos progressivos, como têm os países europeus.

Por que o senhor não está tão otimista economicamente com o Brasil?

Porque nossas elites econômicas, políticas e intelectuais não têm um diagnóstico sério do Brasil e não têm, então, formas de garantir que o Brasil volte a crescer a taxas razoáveis, de 2%, 3% per capita ao ano. Não vejo isso nem na direita nem na esquerda. Não vejo isso nos empresários industriais, não vejo isso no sistema financeiro, não vejo isso nos economistas e nos intelectuais. Há uma alienação muito grande das elites, elas não perceberam onde estamos. Essa situação em que o Brasil está precisa de uma nova teoria. É a mesma coisa que acontecia nos anos 80, quando surgiu a alta inflação; para controlá-la era preciso desenvolver uma teoria. Essa teoria chamou teoria da inflação inercial. Agora, para enfrentar essa semiestagnação que estamos vivendo há 30 anos, precisamos também de uma teoria, que ao meu ver é o novo desenvolvimentismo, que tem uma macroeconomia bastante desenvolvida. Quando é que os economistas brasileiros vão se dar conta disso? Demora um pouco.

No caso da semiestagnação, não há sequer ideia de que estejamos estagnados. A gente continua acreditando que o Brasil é um foguete que está subindo. É uma autoilusão.

A quem interessa o desenvolvimento do Brasil? Interessa às elites estrangeiras? Absolutamente não. Interessa às nossas elites? Se elas não estão minimamente associadas com o seu povo, também a elas não interessa. Essa é a tragédia. Para que as elites estejam interessadas no desenvolvimento, elas precisam estar razoavelmente associadas com o seu povo. A lógica fundamental da sociedade capitalista é que há duas ideologias: uma é a liberal dentro da sociedade civil, aí você tem a luta de classes. Mas essa mesma sociedade também está organizada como nação. E como nação, há a ideia da solidariedade entre as elites e o povo, quando se trata de competir externamente. Essa dialética é fundamental e está desaparecendo no Brasil, se é que já não desapareceu. Ficou só a luta de classes e o liberalismo. A ideia da nação, do desenvolvimento e do desenvolvimentismo é o nacionalismo econômico. Esse está muito enfraquecido.

Comentários

Comentário