O dilema cubano de Trump: fazer dinheiro ou política? 1
Análise

O dilema cubano de Trump: fazer dinheiro ou política?

Presidente eleito dos EUA manteve discurso ambíguo sobre Cuba durante campanha, mas denúncias de violação ao embargo dão pistas de seus interesses na ilha

em 21/11/2016 • 10h14
compartilhe:  

No mesmo dia em que a imprensa mundial se debruçou sobre a movimentação de eleitores pelas cidades dos Estados Unidos e, em seguida, esperou ansiosamente pelos primeiros resultados das apurações dos votos ao cargo de presidente do país, o jornal cubano Granma, principal órgão de comunicação do Partido Comunista local, publicou um extenso e sugestivo artigo. Intitulado ‘Esos otros Estados Unidos que debemos conocer’, o texto sugeria que os EUA têm uma “irrefreável vocação imperialista” e encerrava com um trecho escrito pelo herói nacional cubano, José Martí, que percorreu algumas cidades estadunidenses anos antes da luta pela independência da ilha, em que dizia que, nos Estados Unidos, “ao invés de se resolverem os problemas da humanidade, eles se reproduzem”.

Nas primeiras horas do dia seguinte, o New York Times publicava que o bilionário empresário Donald J. Trump havia sido escolhido presidente. Sua eleição levantou vários questionamentos no mundo todo, entre eles os rumos da aproximação diplomática do governo dos EUA com Cuba, uma das iniciativas mais aplaudidas pelo mundo no período Obama.

Ao menos nos discursos durante a campanha eleitoral, Trump assumiu uma postura ambígua sobre Cuba. Em março, durante o debate entre os candidatos republicanos à Casa Branca, o agora presidente eleito não deixou de criticar o regime, mas também não rejeitou totalmente a iniciativa de Obama. “Eu concordo que cinquenta anos é tempo suficiente e que algo deveria ser feito, mas não concordo com o presidente. Nós temos que fazer um bom acordo [com Cuba]”, disse. “Vou fazer algo, mas algo que seja inteligente”.

Questionado sobre o que achava da aproximação diplomática, Trump repetiu o que seria o seu mantra sobre Cuba durante a campanha, sem esconder também sua discordância com a forma como o diálogo foi reaberto. 'Eu quero fazer apenas um bom, forte e sólido acordo, porque agora tudo está a favor de Cuba. Cada aspecto dessa aproximação é igual ao acordo feito com os iranianos. Nós nunca progredimos, só damos, só damos...'.

No final de outubro, porém, em entrevista à rede CBS em Miami, reduto cubano nos Estados Unidos, Trump resolveu engrossar ainda mais o discurso. Disse que as ordens executivas deixadas como herança por Barack Obama ao seu sucessor com relação a Cuba poderiam ser facilmente revertidas e que, se fosse eleito, iria fazer o governo cubano “conhecer” as demandas estadunidenses.

Enfim, admitiu que, uma vez presidente, não iria nomear embaixador em Cuba até que o “acordo” fosse finalizado. “O povo de Cuba esperou muito tempo, assim como nós. Podemos esperar um pouco mais e fazer o acordo que queremos”, disse.  As embaixadas voltaram a funcionar nos dois países entre julho e agosto do ano passado, em eventos cujas imagens rodaram o mundo e foram aclamados pela mídia internacional e pelos governos mundiais.

“Não é mais tão popular se opor às relações com Cuba para conseguir êxito eleitoral. Existe uma evidente divisão de opiniões entre os cubanos residentes nos EUA sobre as políticas para a ilha, mas também já se pode perceber a participação eleitoral das novas gerações de cubanos nascidos nos Estados Unidos, que não tem como tema principal de suas vidas as relações com Cuba”, observa o analista político cubano Victor Martínez, da Universidad de La Habana. “Está crescendo o número de cubanos que apoia uma relação de comunicação com Cuba”, completa.

Para o premiado jornalista e escritor estadunidense Jon Lee Anderson, da revista The New Yorker, Trump entrou, na verdade, em uma saia justa: se por um lado precisará “presentear” seus eleitores na Flórida, Estado onde venceu Hillary com uma diferença pequena (49,1% contra 47,8%) radicalizando a postura dos EUA diante dos cubanos novamente, por outro precisa impedir que a ilha se torne outra vez uma área de influência russa.

“Se Donald Trump começar uma política de inimizade, Cuba pode acabar indo procurar outro amigo, que pode ser a Rússia. Os cubanos estão passando por uma crise econômica, precisam sobreviver, e Vladimir Putin está buscando aumentar suas áreas de influência ao redor do mundo. Um recrudescimento agora geraria apenas uma tensão semelhante àquela vista na Guerra Fria”, analisa ele.

Trump, porém, conviveu durante a campanha com outro tipo de dilema sobre Cuba: os seus interesses financeiros. Em julho, a rede de notícias estadunidense Bloomberg publicou uma extensa reportagem afirmando que a Trump Organization, seu grupo empresarial, enviou emissários em condição de anonimato a Havana entre os anos de 2012 e 2013 para prospectar negócios envolvendo campos de golfe na ilha.

Pela lei do embargo estabelecida pelos Estados Unidos em 1962, três anos após o triunfo da Revolução Cubana, cidadãos comuns do país são proibidos de viajar e realizar trocas comerciais com pessoas e instituições do país caribenho. As únicas exceções são para intercâmbios de suprimentos e remédios, que jamais foram cortados. Trump teria, desta forma, cometido um crime perante a lei do seu país.

No final de setembro, a revista Newsweek publicou outra reportagem mostrando que o grupo do empresário gastou cerca de US$ 68 mil em investimentos realizados em Cuba por empresas indiretamente ligadas à Trump Organization durante o ano de 1998. Segundo a matéria, ele estava interessado em construir um empreendimento em Havana que já teria, inclusive, nome: “Trump Hotels & Casino”.

Desde a chegada de Raúl Castro ao poder, em 2006, Cuba tem passado por mudanças constantes nas suas antes rigorosas leis de trocas comerciais. O país já permite a abertura de pequenos restaurantes com capital privado nas principais cidades e, como parte do acordo com os Estados Unidos, liberou o uso de internet livre a partir de 2015. Mais do que isso, disponibiliza desde a metade do ano passado espaços de conexão via sinal wi-fi em lugares públicos, como a Calle2 mostrou recentemente.

À CBS, em outubro, Trump fugiu das acusações. Por três vezes, o jornalista Jim DeFede perguntou ao presidenciável sobre as viagens e as prospecções comerciais dos seus emissários, mas ouviu em todas a mesma resposta dúbia do agora presidente: “Eu posso dizer que Cuba quer muito nos ver lá. Cuba quer negociar conosco”.

“Ele faz o tipo misterioso. Deixará todo mundo ansioso sobre as medidas que irá adotar, mas é um comportamento que lhe apetece. Durante a campanha foi assim: sempre procurando aumentar as expectativas das pessoas sobre o que ele ia fazer, o que ia falar”, observa Jon Lee Anderson.

'Se eu pudesse arriscar, diria que ele deve desacelerar a aproximação iniciada com Obama e esperar para ver o que acontece', complementa.

O teólogo brasileiro Frei Betto, amigo de Fidel Castro e colaborador do governo cubano para assuntos religiosos, concorda com Anderson. Para ele, Trump é imprevisível. “Não sei se é o lado fascista ou o lado financeiro dele que vai prevalecer. Se for o segundo, ele vai querer negociar com Cuba”, analisa.

Cuba, por sua vez, se mantém em silêncio. Dias após a eleição, o presidente Raúl Castro enviou uma mensagem simples parabenizando-o pela vitória. A imprensa internacional chegou a se alarmar com um exercício militar convocado para essa semana no interior da ilha, mas o próprio governo cubano tratou de esclarecer a confusão dizendo que a movimentação já estava prevista desde abril.

O Granma, porém, parece exibir algumas pistas sobre a maneira como Cuba reagiu à escolha de Trump para a Casa Branca. No dia 9, quando o mundo inteiro já sabia o resultado das eleições nos Estados Unidos, o jornal publicou um artigo criticando duramente o controle da prisão de Guantánamo pelo governo estadunidense. No dia 10, em uma reportagem mais direta, o periódico chamou o empresário de “desconhecido da política” e “magnata da ‘telerrealidade’”, uma figura que “só poderia existir na sociedade norte-americana”. No dia seguinte, outro texto sobre Trump, dessa vez debruçando-se sobre os números das eleições e concluindo que, com um país dividido, ele terá dificuldades para governar.

“Cuba tem a mesma impressão sobre a imprevisibilidade de Trump e, por isso, resolveu esperar. Não diria que se trata de uma tensão, mas ninguém sabe como o cara vai agir quando chegar à presidência. Me parece que a Hillary era mais previsível. Se ela ganhasse, os rumos estariam mais delimitados”, analisa Frei Betto.

“Cuba não vai dizer nada agora porque é conveniente também. Vai esperar e ver o que acontece depois da posse”, finaliza Jon Lee Anderson.

IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Comentários

Comentário