O muro que divide a América 6
Análise

Muro de Trump cria nova crise de direitos humanos

Para cientista político mexicano Homero Galán, deportação de 8 milhões de ilegais, se concretizada, será tragédia sem precedentes; país pode buscar parcerias comerciais na América Latina caso Nafta seja rompido

em 31/01/2017 • 13h20
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Tudo indica que Donald Trump seja um homem de palavra. Prometeu, em campanha, construir um muro na fronteira com o México e na última quarta-feira assinou ordem executiva para a realização da obra, cujos recursos têm que ser liberados pelo Congresso. Também prometeu jogar um jogo duro contra imigrantes e, na última sexta, decretou o fechamento temporário das fronteiras dos Estados Unidos aos imigrantes de sete países de maioria muçulmana.

O delicado é que Trump disse, em novembro, que deportaria imigrantes ilegais, especialmente os que têm antecedentes criminais, “depois de deixar a fronteira segura”. Muitos deles seriam mexicanos – hoje existem nos EUA cerca de oito milhões de mexicanos ilegais nos EUA (do total de 25 milhões), o equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro.

Caso Trump de fato entre na caçada aos mexicanos ilegais, estaríamos diante de uma tragédia humanitária repleta de violações aos direitos humanos, na avaliação do cientista político Homero Galán, da Universidad Autónoma de la Ciudad de México.

'Estamos falando de mães que se separariam dos seus filhos (nascidos nos EUA e, portanto, com cidadania), de plantações invadidas violentamente na Califórnia com 1.500 trabalhadores, de prisões injustas e de imigrantes legais detidos. Seria uma tragédia. O México não teria condições de receber esse grande número de pessoas. Mexicanos vão para os EUA justamente porque aqui não há empregos.'

Em entrevista à Calle2, Galán analisa também a possibilidade de o novo presidente acabar com o Nafta − o que seria desastroso em um primeiro momento, mas poderia aproximar o México da América Latina e diversificar suas relações comerciais internacionais −, a atitude do presidente mexicano Peña Nieto e sua baixíssima popularidade e o possível fortalecimento do esquerdista López Obrador.

Confira abaixo os melhores momentos dessa entrevista.

CONSTRUÇÃO DO MURO

‘Não há certeza de que construirão o muro, porque é uma obra complexa, muito grande, com custos altos − entre US$ 25 bilhões e US$ 40 bilhões − e com dificuldades técnicas e geográficas. Quando o Congresso estadunidense aprovou em 2006 a construção de um muro, não o fizeram, e falaram desde então que era mais difícil do que pensavam. Mas não havia essa ênfase de agora, com Trump. [Da fronteira de 3.200 quilômetros, 900 metros são hoje controlados por muros e cercas.]’

POSSÍVEL COBRANÇA DE 20% SOBRE PRODUTOS MEXICANOS

‘A equipe de Trump anunciou isso como forma de fazer com que os mexicanos paguem pelo muro. É uma medida estúpida, porque quem pagaria por essa taxa seriam os compradores norte-americanos de produtos mexicanos.’

PROBLEMAS NA FRONTEIRA

‘O muro, caso construído, não vai impedir o cruzamento de drogas e de pessoas na fronteira, mas seria mais perigoso do que é hoje. Aumentaria o número de mortos que tentam cruzar a fronteira e também tornaria o cruzamento mais caro. Encareceria a indústria de coyotes [atravessadores de pessoas].’

DEPORTAÇÃO DE MEXICANOS ILEGAIS

‘Seriam cometidas muitas injustiças, muitos dos que têm papeis também podem ir presos. Além dos mortos na fronteira, a parte mais trágica seriam famílias separadas, mães que não tem papeis teriam que deixar seus filhos e voltar ao México. E o México não tem capacidade para receber oito milhões de deportados. Mas já há uma discussão entre autoridades dos governos dos Estados fronteiriços, que estão pedindo a criação de um fundo federal para cobrir os gastos de receber esses deportados – que seriam investidos em albergues, escolas, saúde.’

PRESIDENTE PEÑA NIETO

‘Peña Nieto reagiu tarde [ele cancelou apenas na sexta o encontro com Trump, que estava agendado para hoje]. Ele tem apenas 12% de popularidade, é o índice mais baixo da história do México. Ele não tem o respeito de ninguém, inclusive das elites mexicanas. Além de ser visto como incompetente, houve um grande escândalo imobiliário envolvendo a primeira-dama há dois anos, denunciado pela jornalista Carmen Aristegui. No final das contas, não aconteceu nada, a não ser o fato de a jornalista ter sido demitida. A parte positiva disso é que o país se sente ofendido, e, como consequência, está unido. Queremos um presidente que não se deixe humilhar tanto.’

REAÇÃO DA ESQUERDA

‘Essa crise pode sim fortalecer a esquerda mexicana, mas também depende muito de como atuará López Obrador [líder da esquerda, que disputou as últimas eleições com Nieto e perdeu por pequena margem]. Não havíamos tido uma crise com os EUA deste tamanho desde a década de 20. Há um chamado para se construa uma unidade nacional, inclusive apoiado por grupos oligárquicos e pela imprensa. López Obrador, líder das pesquisas, convocou uma frente nacional. Há manifestações pedindo a renúncia de Peña Nieto, mas nem todos querem isso, muitos querem um presidente que se comporte à altura da gravidade da situação, que tenha a dignidade que todo o país quer.’

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NAFTA

‘Nem os governos nem as universidades e os centros de estudos têm uma avaliação completa, precisa e objetiva do impacto do Nafta [acordo de livre-comércio entre México, EUA e Canadá assinado em 1994] na economia mexicana. Está claro que o acordo aumentou o comércio – em 1993 o México exportava US$ 40 bilhões aos EUA e agora exportamos US$ 300 bilhões. No entanto, o crescimento médio da economia mexicana nesses 23 anos de Nafta é de 1,3% ao ano, o que não é muito. No modelo desenvolvimentista de intervenção estatal e de substituição de importações, que vigorou nas décadas de 1950 a 1980, o México cresceu a uma taxa média de 6,9% anuais.’

POSSÍVEL ROMPIMENTO DO NAFTA

‘Seria duro e complicado em um primeiro momento, mas poderia significar o início da independência comercial mexicana. O México é o único país que tem um acordo de livre comércio com União Europeia (desde 1998). Temos um intercâmbio importante (de US$ 25 bilhões ao ano com a UE), mas comparado aos EUA, é muito pequeno. Temos também um acordo com o Japão. E naturalmente o futuro pode ser olhar para a América Latina, mas temos que ser realistas, nunca vão comprar tanto como compram os Estados Unidos. Temos boa relação com Peru, Colômbia e Chile. Mas precisaríamos melhorar as relações com o Brasil e, neste aspecto, o Brasil precisa ceder. Pode ser que num futuro a gente agradeça aos Estados Unidos no caso de rompimento dos acordos de livre-comércio.’

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RELAÇÕES MÉXICO E BRASIL

‘A parte mais sensível que nos separa é a indústria automobilística. Em 2003 os dois países começaram a se entender e fizeram um acordo para a venda de automóveis. Nos três primeiros anos de acordo, o Brasil teve superávit, mas depois que o México passou a ter superávit, o governo Lula rompeu o acordo. Em matéria econômica, essa atitude foi considerada bastante agressiva.’

SENTIMENTO ANTIAMERICANO

‘Se está construindo um sentimento muito antiamericano no México, que na verdade está na raiz do país, porque perdemos a metade do nosso território para os EUA. Somos o país que mais foi invadido pelos Estados Unidos no mundo. Nos últimos anos esse sentimento foi apaziguado pelo intercâmbio cultural, econômico e pela imigração, mas agora estamos voltando ao sentimento antiamericano.’

FOTO: CERCA NA PRAIA DE TIJUANA, NA DIVISA COM SAN DIEGO (EUA)

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