Cidade do México: a metrópole com o dobre de trânsito de São Paulo
Sociedade

Cidade do México: o dobro de trânsito de São Paulo

Moradores da capital mexicana perdem nove dias por ano parados nos congestionamentos, fazendo deles parte do cotidiano

em 31/07/2018 • 20h01
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Cinco milhões e meio de automóveis circulando todos os dias em um terreno de pouco mais de 740 mil hectares e que abriga cerca de 20 milhões de pessoas. Nove dias inteiros por ano – ou 59 minutos por dia – parados no trânsito. 66% mais tempo em média para chegar a um destino de carro no horário de pico em comparação com o tempo que seria utilizado para fazer o mesmo trajeto em condições ideais. Esses são alguns dos indicadores que colocam a Cidade do México como a capital mais congestionada do mundo, segundo a empresa de monitoramentos via GPS estadunidense Tom Tom.

Os dados são atualizados em tempo real por meio de um sistema de medição online que monitora os períodos utilizados pelos motoristas de 390 cidades em 48 países em seus deslocamentos cotidianos. O posto é ocupado pela metrópole mexicana desde 2016. Depois da cidade do México, a mais congestionada da lista no continente latino é o Rio de Janeiro, na oitava posição, com uma adição média de 47% de tempo em deslocamentos feitos nos piores horários quando comparados com as condições ideais.

Buenos Aires, na Argentina (19ª colocação), Salvador, na Bahia (28ª), Recife, em Pernambuco (43ª), e Fortaleza, no Ceará (47ª), são as outras cidades da região nas 50 primeiras posições do ranking – que é dominado pela China e pelos Estados Unidos. Segundo os índices da Tom Tom, o momento do dia mais difícil para os motoristas da Cidade do México é no fim da tarde, quando as ruas e avenidas da metrópole ficam tão entupidas de veículos que o tempo de um deslocamento comum aumenta 101%. Durante as manhãs, uma viagem que levaria 20 minutos entre um bairro e outro aos finais de semana demora 39,2 minutos para ser completada – um aumento de 96% de tempo.

“No verão, é o mais próximo que chegamos do inferno”, sentencia a advogada brasileira Rafaela Purani, que passou seis meses estudando na Universidad Autónoma Nacional (UNAM).

São Paulo, na 71ª colocação do sistema de medição da Tom Tom, tem um acréscimo médio de 30% de tempo das viagens nos piores horários de trânsito. Assim como a Cidade do México, o período mais congestionado é o fim da tarde, quando os motoristas perdem 53% mais tempo dentro do automóvel do que desperdiçariam em outro horário. O licenciamento de veículos deste ano deve registrar a marca de quase 9 milhões de carros só em São Paulo, segundo o Detran. No estado, eram 29,4 milhões de automóveis em abril deste ano.

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Para efeito de comparação, se um paulistano e um mexiqueño tivessem que percorrer uma distância que normalmente leva meia hora em seus respectivos horários de rush, o primeiro a encerraria em 46 minutos, enquanto o segundo chegaria ao destino em uma 1 hora e três minutos.

O cotidiano da cidade é tão acostumado com o trânsito que ele se tornou parte da sua experiência urbana, presente desde relatos de viagens em fóruns na Internet até obras literárias ambientadas na metrópole. É normal que as empresas do país mudem as jornadas dos seus trabalhadores para adequá-los aos melhores horários para trafegar, que a maior parte das avenidas sirva para a venda de toda sorte de quinquilharias e que, dentro dos veículos, os moradores façam de tudo: checar as mensagens no celular, se maquiar, trocar de roupa, iniciar reuniões remotas, ler ou comer.

O trânsito caótico também permite o surgimento de figuras urbanas desconhecidas em outras metrópoles mundiais, como os homens que organizam os carros nas ruas em troca de gorjetas – uma espécie de “flanelinha” do movimento. É o caso de Jorge Sorcia Pérez, de 38 anos: ele nunca trabalhou oficialmente como agente de tráfego, mas desde os 12 ajuda motoristas enquanto pede moedas em uma placa pendurada ao pescoço. “Em um dia bom ganho até 400 pesos (R$ 80)”, contou ao jornal espanhol El País.

“É um grande apoio para minhas economias e quase todos os motoristas me agradecem, porque eu os ajudo a chegar mais rápido aos seus trabalhos, escolas, compromissos. Porém, como as pessoas geralmente estão muito estressadas pelas manhãs, há quem jogue o carro em cima de mim”, completou.

No ano passado, a empresa mexicana de monitoramento do trânsito Sin Tráfico publicou um estudo afirmando que a capital do país é onde o período de meia hora no trânsito é menos valioso: um mexiqueño consegue, nesse período, percorrer apenas 16,7 quilômetros. No estado de Querétaro, a 7,4 mil km de distância dali, uma pessoa supera 27 quilômetros com os mesmos 30 minutos. A empresa ainda acredita que, por ano, 350 milhões de pesos (R$ 70 milhões) são desperdiçados porque, como estão parados nos engarrafamentos, os trabalhadores não estão produzindo nas fábricas ou escritórios.

O trânsito da metrópole mexicana, porém, rende lucros para outras empresas: em 2016, a estadunidense Uber anunciou que foi na Cidade do México onde seus motoristas completaram mais viagens: 3,7 milhões de pessoas usavam o aplicativo naquele ano só na capital. A administração municipal gostou da novidade: “Temos 15 anos de atraso em investimentos em transporte público. A tecnologia dessas plataformas resolve algumas dessas deficiências”, afirmou a subsecretária de Planejamento da Secretaria de Mobilidade (Semovi) da Cidade do México, Laura Ballesteros, em entrevista à revista Verne.

Em 2015, numa das primeiras movimentações das autoridades, o prefeito Miguel Ángel Mancera modificou as regras de trânsito para a cidade: deu preferências para pedestres e ciclistas, obrigou a instalação de barras protetoras nos capôs de caminhões – para evitar mortes em atropelamentos – e baixou o limite de velocidade em vias primárias para 50 km/h, assim como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, havia feito.

Para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o problema do trânsito nas grandes cidades latino-americanas têm causas distintas: o primeiro é o grande volume de automóveis que rodam todos os dias pelas vias urbanas. Apesar de menores, diz o relatório La congestión del tránsito urbano: causas y consecuencias económicas y sociales, eles geralmente movimentam poucas pessoas, ao contrário do transporte público.

“Se um ônibus leva 50 passageiros e um carro, em média, 1,5 pessoa, então cada ocupante de um automóvel produz 11 vezes o congestionamento atribuído a cada passageiro de ônibus”, diz um trecho do documento.

Em segundo lugar, a entidade afirma que os projetos urbanos das metrópoles da região foram mal executados e, para piorar, as ruas e avenidas que existem convivem com péssimos estados de conservação. Tudo isso aliado a constantes mudanças de fluxos, paradas de ônibus, mãos para carros e faixas pintadas no asfalto.

A CEPAL ainda acredita que a má educação dos motoristas latino-americanos, a falta de informação sobre as condições do trânsito cotidiano e a ausência de investimentos em transporte público são outros fatores que colaboram para os caóticos congestionamentos nas cidades da região.

Na Cidade do México, quando a questão se agravou, várias medidas passaram a ser propostas: o governo já propôs aumentar os 226 quilômetros de linhas de metrô, cobrar pedágio em horários específicos para entrar no perímetro urbano, construir linhas de trens urbanos ligando a capital à região metropolitana e estipular regras mais flexíveis de trabalho, como o incentivo ao home-office.

Algumas entidades também apresentaram soluções possíveis, como dar prioridade para carros com mais de um passageiro, construir teleféricos aos moldes dos que funcionam em La Paz, na Bolívia, e Medellín, na Colômbia, ampliar a oferta de bicicletas públicas disponíveis e montar parquímetros em ruas geralmente mais entupidas. “As políticas de trânsito estão sendo discutidas com fervor, o que já é um avanço. Acredito que, apesar da demora, algo acontecerá no futuro – e para melhor”, finaliza o professor e cientista político Homero Galán, da UNAM.

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