Há uma crise de representatividade da grande imprensa?
Análise

Há uma crise de representatividade da imprensa?

Grupos de direita passam a criticar grandes veículos, enquanto sites alternativos já respondem por 50% de compartilhamentos e likes no Facebook  

em 08/02/2017 • 14h30
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Assim como boa parte da esquerda, a direita já não gosta tanto dos grandes veículos de comunicação. Em janeiro, quando Folha e UOL foram hackeados para divulgar sites pornográficos, o MBL (Movimento Brasil Livre) compartilhou um texto no Facebook afirmando que os leitores desses veículos estavam recebendo um conteúdo “mais honesto e proveitoso”.

A onda da opinião que vale mais do que fatos, conhecida como pós-verdade, veio acompanhada, no Brasil, da expressão “isso a mídia não mostra”, que passou a ser ecoada por novos atores políticos – inclusive por grupos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff.

Nos movimentos sociais de esquerda, a crítica aos grandes veículos de comunicação não é novidade – o termo PIG (Partido da Imprensa Golpista) já é utilizado pelo menos desde 2009. A novidade é que os ataques à grande imprensa vêm ganhando espaço em grupos de direita, mesmo que eles compartilhem, no Facebook, matérias dos grandes veículos para defender suas pautas.

O G1 e a GloboNews, por exemplo, foram duramente criticados pelo MBL quando deram voz a manifestantes durante os protestos contra a PEC 55 (a que estabelece um teto de gastos para o governo federal) em Brasília, no final de 2016. O mesmo ocorreu com a Folha e com o G1 na cobertura da crise nos presídios, que recebeu desaprovação do grupo por “dar atenção a bandido”.

Para Pablo Ortellado, coordenador do projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP (Universidade de São Paulo), as crescentes críticas aos grandes veículos não significam necessariamente uma crise de representatividade da imprensa – mas o fenômeno precisa ser analisado juntamente com a polarização política brasileira e com a proliferação de sites independentes, que já respondem por quase 50% da audiência de notícias sobre política no Facebook.

'A gente pensava que os meios de comunicação estavam colapsando com o sistema político, com essa crise de representatividade, e isso faria as pessoas irem para a imprensa alternativa. Agora eu acho que é o contrário, as pessoas estão indo para a imprensa alternativa porque ela diz o que elas querem escutar', afirma Ortellado.

Sua equipe monitora cerca de oitenta meios de comunicação que cobrem política, englobando uma produção média de 3.500 notícias por dia. São analisados o número de matérias, compartilhamentos e comentários dos leitores. Seu estudo mostra ainda que sites de esquerda têm cerca de 25% da audiência, enquanto os de direita ficam com 23%.

Segundo o levantamento de Ortellado, no dia em que Eduardo Cunha foi preso, a matéria mais compartilhada sobre o assunto no Facebook foi do site Diário do Brasil, com mais de 181 mil leitores. Já na ocasião em que Dilma Rousseff sofreu o impeachment no Senado, o blog Socialista Morena é que recebeu mais atenção, com quase 648 mil compartilhamentos.

Para o pesquisador, no universo dos sites alternativos há quem tente fazer jornalismo sério, mas uma boa parte só alimenta expectativas de uma base social polarizada. “É assim que eles crescem, criando urgências, fatos fantásticos, indignantes, chocantes”. Para ele, “a polarização política está alimentando a imprensa alternativa e está forçando a grande imprensa a jogar esse jogo”.

 

Apesar de tudo, o jornalismo melhorou

Para a pesquisadora Juliana Sayuri, doutora em história pela USP e autora do livro Diplô: Paris – Porto Alegre, um leitor de direita, antes acostumado a ver refletida suas opiniões nas principais páginas dos veículos agora precisa conviver com um colunista do MTST no maior jornal do país.

Segundo Sayuri, as visões antigas continuam presentes, mas aumentou a atenção às minorias. “Imagine que você é um homem, heterossexual, branco, instruído e relativamente rico. Você vê todo dia seu reflexo nas revistas, nos jornais, na internet. De repente, seu reflexo brilhante divide espaço com um estudante negro, uma mulher gorda, um senhor semi-analfabeto que conquistou posições de destaque. Este homem não compreende que está dividindo espaço, mas disputando-o.

Para ela este processo está relacionado com a transformação do principal ator na produção de notícias: o jornalista. “Nós fazemos parte de uma geração de jovens jornalistas mais sensíveis e mais informados sobre direitos humanos”, afirma.

Sayuri reconhece que a imprensa nacional melhorou, ainda que esteja “a léguas do ideal”. Não seria o caso de dizer que há uma guinada à esquerda da grande mídia, até porque é inegável a influência dos proprietários das casas editoriais. Ela afirma que o jornalismo independente é um modelo promissor, mas resta saber se conseguirá superar desafios de sustentabilidade financeira, de modo a garantir investimento para reportagens.

Segundo Ortellado, das 3.500 matérias produzidas por dia, apenas 200 realmente são lidas e ganham repercussão. “Está todo mundo dando cotovelada uns nos outros, uns tentando com jornalismo sério e outros explorando isso com a polarização política”.

Sayuri avalia que no Brasil sobra ódio destilado, à direita e à esquerda, de muitos que nem sequer abrem os links para ler reportagens. “Falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto”, conclui, citando uma frase que circula na internet.

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