Brasil é o único país da América Latina sem ministras
Análise

Brasil é o único país da América Latina sem ministras

Levantamento feito pela Calle2 mostra que, entre os 20 países da região, só o Executivo brasileiro não tem mulheres; na Nicarágua, melhor colocada no ranking, 45% dos ministérios são femininos  

em 18/05/2016 • 01h45
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A ex-primeira-dama da Guatemala, Sandra Torres, segurava uma revista e mostrava ao público uma entrevista em que o humorista Jimmy Morales supostamente admitia que, caso vencesse as eleições presidenciais, cortaria os programas sociais do governo. Era o último debate entre os candidatos à presidência da Guatemala, no Canal 3, de maior audiência no país. Ela sequer terminara de falar quando, num movimento despercebido pelas câmeras da TV, Jimmy tomou a revista de suas mãos, tirando um estranho sorriso do seu rosto e aplausos envergonhados da plateia.

— Isso é uma falta de respeito, não é? Eu acho que foi uma falta de respeito do senhor Morales! – disse Sandra, olhando para o apresentador.

O debate continuou, mas o público não perdoou: Jimmy foi chamado de machista nas redes sociais. Mesmo sob acusações de misógino, Jimmy Morales ganhou o segundo turno da eleição presidencial guatemalteca com 67,43% dos votos, em outubro do ano passado.

Em dezembro, quando tomou posse, anunciou seu ministeriado com duas mulheres no meio de 12 homens. Em janeiro, uma delas, Sherry Ordoñez (Comunicações), pediu renúncia. Hoje, a Guatemala tem apenas uma ministra entre 13 servidores do gabinete: Aurora Teleguario, da pasta do Trabalho. O país da América Central tem 7,5 milhões de mulheres. Os gritos de machista voltaram a ecoar sobre Jimmy, desta vez pela falta de representatividade feminina em seu gabinete.

Pior que o quadro da Guatemala, neste momento da América Latina, apenas o do Brasil. Desde a posse do presidente interino Michel Temer (PMDB), na última quinta (12), dos 20 ministérios do país, mais uma secretaria (de Governo) e dois órgãos  com status ministeriais (Casa Civil e Segurança Institucional), não há nenhuma mulher. É a única nação latino-americana que não tem, hoje, nenhuma ministra.

Antes do impeachment, a presidente Dilma Rousseff trabalhava com seis mulheres na Esplanada dos Ministérios. Na história, o Brasil só ficou sem mulheres no gabinete do Poder Executivo durante a gestão militar do General Ernesto Geisel, em 1974.

Na terça-feira (17), o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, justificou a ausência feminina no governo dizendo que “não foi possível” nomear mulheres, mas não explicou os motivos. Segundo ele, serão nomeadas secretárias em outros postos do Executivo nos próximos dias.

Segundo levantamento da reportagem de Calle2 - considerando os 20 países da América Latina* -, dos 365 ministérios de todos os governos da região, 84 estão ocupados por mulheres. Isso significa, portanto, que 23% das pastas governamentais latino-americanas são comandadas por ministras.

A Nicarágua é o país latino-americano com a distribuição mais igualitária de mulheres pelo número de ministérios: dos 11 gabinetes do presidente Daniel Ortega, cinco têm mulheres, ou 45%.

Em seguida estão Uruguai (38%), Colômbia (37%), Chile (34%), Peru (33%) e, enfim, Cuba, com sete mulheres nos 22 ministérios (31%). Todos eles têm representação feminina ministerial acima da proporção de 30% do total de pastas governamentais.

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Os outros 14 países têm pouca representação feminina em proporção às pastas. Além da Guatemala, Honduras (uma ministra de 12 ministérios), Panamá (duas de 14), Argentina (três de 20) e México (três de 18) também convivem com críticas desse tipo.

Das 84 ministras latinas, 10 delas ocupam as pastas de Saúde de seus respectivos países. É o ministério “mais feminino” atualmente na América Latina. Oito países têm ministras da Educação e sete têm mulheres na pasta da Justiça (veja mais no quadro abaixo).

“Para entender porque as mulheres, nos espaços institucionalizados da política na América Latina, estão em desvantagem, é necessário compreender primeiro porque elas, de forma geral, mesmos após três ondas de conquistas femininas, ainda se encontram sistematicamente em desvantagem social, política, simbólica e econômica em relação aos homens”, diz Marlise Matos, professora de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

“É um caminho difícil a trilhar, mas a sub-representação não deixa de ser um entrave à democracia”, completa a cientista política.

Os dados ainda mostram que, dos 20 países da América Latina, apenas seis possuem ministérios voltados especificamente para mulheres: Chile, Peru, Venezuela, Paraguai, Haiti e República Dominicana. O Brasil era o sétimo até o dia 12 de maio deste ano, quando o presidente Michel Temer enxugou seu ministeriado levando, na enxurrada, a pasta de representação feminina.

Vale lembrar que, neste momento, a região tem uma única mulher presidente: Michelle Bachelet, no Chile. Em 2011, quando Dilma Rousseff se tornou a primeira chefe de Estado feminina do Brasil, formavam um trio: ela, Cristina Kirchner, na Argentina, e Laura Chinchilla, na Costa Rica. Em 2014, Bachelet se somou às presidentas latino-americanas. No final deste mês, a peruana Keiko Fujimori pode ser eleita presidenta do seu país também de forma inédita.

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*Países de idiomas derivados do latim (português, espanhol e francês) da região e que possuem governos independentes (retirando, por exemplo, Guiana Francesa e Porto Rico)

** O levantamento não levou em conta o número de mulheres representadas em outras esferas de poder, como parlamentos e judiciários, e nem cargos de segundo escalão

COLABOROU NIVALDO SOUZA

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