As guerreiras da Amazônia
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As guerreiras da Amazônia

Quando os espanhóis adentraram na selva pelos Andes, eles sabiam que encontrariam, no caminho, as Icamiabas - mulheres altas, que andavam nuas portando apenas arco e flecha

em 15/07/2016 • 15h19
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Já ouviu falar na lenda do Muiraquitã? Aquele amuleto de sapinho verde da Amazônia? Existem várias versões para esta lenda, a que melhor conheço diz assim:

Na tribo das Icamiabas, as mulheres guerreiras não tinham marido e não deixavam homens se aproximarem de suas tabas (casas). Manejavam o arco e a flecha com uma perícia extraordinária. Tinham a lua como sua protetora.

Uma vez por ano as Icamiabas recebiam, durante uma noite, os guerreiros Guacaris como se fossem seus maridos. Preparam um banquete à beira do lago e quando a lua estava a pino, dirigiam-se em procissão para o lago, levando nos ombros potes cheios de perfumes que derramavam na água para o banho purificador.

Mergulhavam no lago e traziam um barro verde, dando a ele formas variadas de animais, como sapos, peixes e tartarugas. As guerreiras ofereciam os amuletos aos guerreiros Guacaris, que os penduravam em seu pescoço para dar sorte. Depois de nove meses, nasciam as crianças, fruto de uma noite de amor à beira do lago da lua.

Se nascesse uma criança masculina era entregue aos guerreiros para criá-los, mas, se fosse uma menina, ficava com elas. Não se sabe da total veracidade da história, e também não se sabe se as Icamiabas de fato existiram ou não. Mas elas estão presentes em relatos dos colonizadores espanhóis e, até hoje, suas histórias são contadas na região. Elas existem, ainda que no imaginário coletivo.

Por sinal, a origem do nome Amazonas vem das Icamiabas.

Quando os espanhóis desceram o rio desde os Andes, em busca de ouro, já era sabido que eles poderiam encontrar no caminho as tais mulheres guerreiras. Segundo os espanhóis, elas eram mulheres altas, que andavam nuas, apenas portando arco e flecha.

Deram a elas o apelido de amazonas, nome dado pelos gregos às mulheres guerreiras. Eles batizaram nosso grande rio de Amazonas, e por consequência, o Estado e a selva.

Há dois meses estive nas aldeias Yawanawas.

Cheguei já de noite na aldeia Sete Estrelas, após navegar mais de 7 horas em uma canoa pelo rio Gregório. Dona Luiza estava nos esperando com carne de queixada assada, mandioca cozida e garapa.

Eu não a conhecia, mas quando cheguei parecia que éramos amigas de longa data. Ela nos recebeu com um abraço caloroso, um sorriso no rosto e uma noite de boas histórias.

Luiza é da etnia Kaxinawa. Ela foi levada de sua aldeia pelo seu marido quando ainda era pequena. Seu marido, Tio Luiz é um liderança na região, todos o respeitam muito, principalmente pelo seu conhecimento com as plantas medicinais.

Elas nos contou essa história de uma forma tão leve que me surpreendeu. Na hora me veio a imagem das guerreiras Icamiabas. Foi um choque de realidade. Enquanto eu achava que as índias da nossa floresta eram mulheres guerreiras, bravas e indomáveis, Dona Luiza em 5 minutos desconstruiu esta imagem que perdurava há anos em minha memória.

E ainda disse mais. D. Luiza não era a única mulher do Tio Luiz, era a primeira de mais de cinco mulheres que ele teve concomitantemente. Segundo ela, ele teve até poucas mulheres, existem líderes na região com mais de dez esposas.

Comentei com Dona Luiza que nunca imaginei que as mulheres indígenas fossem submissas. Porém, para minha segunda surpresa da noite, D. Luiza me explicou que não enxerga as mulheres como submissas, pois quem decide sobre a escolha do marido ter outras esposas ou não são as própria mulheres. São elas que preferem dividir o casamento, a rotina, as tarefas e até mesmo a companhia do marido. Luiza Kaxinawa diz que é um alívio quando vem uma nova esposa, e que muitas vezes foi ela quem escolheu quem seria a próxima esposa do seu marido. Cada uma tem sua casa com seus filhos e seu roçado.

Rapidamente as Icamiabas retomaram seu lugar intocado em meu subconsciente. Tive a certeza da influência das mulheres guerreiras quando continuei a viagem e visitei a aldeia vizinha.

A cacique é uma mulher, a pajé também é mulher, as jovens Yawanawas hoje escolhem seus maridos e elas têm um papel fundamental nos rituais com seus cantos.

Essas lendas e histórias mostram as reais referências do poder feminino na história da humanidade. Um salve para as Icamiabas, as Amazonas e as Yawanawas!

FOTOS: SÉRGIO VALE

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