Você conhece a vereadora feminista de São Paulo?   
Pessoas,Sociedade

Você conhece a vereadora feminista de São Paulo?  

Saiba quem é Sâmia Bomfim, do PSOL, a mulher mais jovem eleita para uma das 55 cadeiras da Câmara Municipal da maior cidade brasileira

em 15/03/2017 • 01h00
compartilhe:  

Décimo andar do imponente prédio da Câmara dos Vereadores de São Paulo, tarde quente de janeiro. No gabinete 1006, quase esquecido no fim do corredor, um garçom interrompe a conversa com duas batidas na porta. Logo que põe a cara para dentro, é recebido por um “oi, tudo bom?” sorridente de Sâmia Bomfim, uma jovem de 27 anos formada em Letras na USP, onde também é servidora.

“Tudo bom, vereadora?”, pergunta o rapaz, um pouco desconfortável dentro da clássica roupa de pinguim. “Você é a vereadora mesmo?”, diz, confuso por ter se deparado com uma jovem garota de vestido onde sempre estão sentados senhores engravatados.

Sâmia ri alto e responde: “Sou! Não parece, né?”. O repórter, que apenas observava a cena, se intromete e lembra que é três anos mais velho do que ela. Feito o serviço, ele sai e volta à copa. Certamente contará aos colegas sobre seu primeiro encontro com a nova vereadora do PSOL, a mulher mais jovem já eleita para o cargo.

Na política, apenas por ser mulher, Sâmia é minoria: é uma das 11 vereadoras eleitas em São Paulo – um quinto do total de cadeiras da Casa. Essa proporção piora em nível nacional: na Câmara dos Deputados apenas 9,9% das eleitas são mulheres e, no Senado, 13,6%.

Dentro ou fora do gabinete, Sâmia é sempre assim: simples e sem cerimônia. Cumprimenta a todos, conversa, sorri. Não parece muito interessada em criar uma persona política, como muitos de seus colegas, ainda que saiba que os próximos quatro anos irão transformá-la profundamente. “Acho que vou ter que desenvolver uma camada no estômago”, brinca, ao ser questionada sobre trabalhar ao lado de políticos, alguns com mais tempo na função do que sua própria idade, caso de Arselino Tatto, vereador desde 1988, quando ela sequer tinha nascido.

Sâmia nunca havia disputado uma eleição até ser eleita por 12.464 pessoas para assumir uma das 55 cadeiras da casa. Especialmente porque, em junho do ano passado, ela foi expulsa dali por protestar contra uma homenagem a dois dos responsáveis pela exclusão da palavra “gênero” do Plano Municipal de Educação. Quatro meses depois, voltou legitimada, pela porta da frente.

“Fui uma das poucas que conseguiu entrar no Plenário. Quando eu e outra militante do PSOL começamos a pedir direito de fala, o Ricardo Nunes (vereador do PMDB, que presidia a sessão no dia) não deixou e solicitou que a guarda retirasse a gente. O padre homenageado (José Eduardo de Oliveira e Silva) ficou meio constrangidão, imóvel, e algumas pessoas começaram a rezar. Aí fomos colocadas para fora. Mas foi bem divertido”, relembra.

Ativista desde 2009, dois anos depois de deixar Presidente Prudente (a 560 km da capital paulista) para estudar Letras, Sâmia já esteve na linha de frente de diversas manifestações, mas nunca foi presa. No entanto, já perdeu a conta de quantas vezes sofreu com gás de pimenta, cassetetes e outras práticas de repressão policial. Sâmia diz ter o sangue quente, mas garante que sabe se controlar.

'Fico revoltada com coisas muito injustas ou absurdas. Mas se é algo contornável, eu sei respirar fundo e conversar. Diria que sou 'estourada' com temas ligados ao machismo. E sei que vai ter isso aqui na Câmara', prevê. 'Hoje mesmo me chamaram de 'princesinha'. Foi um vereador, não lembro o nome do 'sem-vergonha'. 'Princesinha' é foda, né?', indigna-se.

O engenheiro Henrique Maciel, seu amigo há mais de 15 anos, confirma a personalidade forte, mas acredita que isso não a impedirá de fazer um bom papel na Câmara. “Ela é uma mulher de opiniões fortes e sabe o que quer. As dificuldades de lidar com pessoas com as quais ela agora é obrigada vão servir de aprendizado. Ela vai ter batalhas bem duras pela frente, mas vai aprender a transpor cada um dos obstáculos”, analisa o jovem, que conviveu e frequentou com Sâmia os mesmos espaços de punk rock e hardcore de Prudente na adolescência.

Apesar de ambos discutirem temas político-sociais, Henrique diz que nunca pensou ver Sâmia na vida pública. “Nunca foi uma pretensão minha ser parlamentar. Sempre fui muito militante de base para ser candidata ou porta-voz de um projeto”, revela ela.

A reação dos pais, por outro lado, a surpreendeu. “Minha família gostou! Eles sempre tiveram um pouco de conflito com o fato de eu ser militante, porque pode ser perigoso. Eles estão longe, né? Só veem as notícias pela TV e acabam achando que toda manifestação é violenta, explica Sâmia, a mais nova entre três irmãos.

A eleição de João Doria Jr. (PSDB) no primeiro turno como prefeito de São Paulo a deixou desesperada. “É o que há de pior na política, no reacionarismo, na elite. A burguesia paulistana acabou ganhando as eleições, mas eu tenho certeza que, com a força da juventude e dos trabalhadores, a gente vai fazer um contraponto que ele nunca imaginou”, declarou, emocionada, em seu primeiro discurso.

foto por: Caio Palazzo/Ponte Jornalismo
voce-conhece-a-vereadora-feminista-de-sao-paulo-3
Ativista desde 2009, Sâmia já esteve na linha de frente de diversas manifestações

Sâmia crê que pode ser uma representante dos movimentos sociais na Câmara, propondo mudanças nas leis ou lutando contra os abusos do programa SP Cidade Linda, que declarou guerra aos pichadores e cobriu de cinza dezenas de grafites na avenida 23 de Maio, destruindo o maior mural de arte ao ar livre da América Latina. Na primeira grande batalha, porém, acabou derrotada: 49 dos 51 vereadores presentes à sessão votaram a favor do projeto de lei que definiu multa de R$ 5 mil a R$ 10 mil para pichadores ˗ só Sâmia e Toninho Vespoli, também do PSOL, foram contra.

Para o companheiro de partido, Sâmia agrega duas características interessantes ao quadro da Câmara dos Vereadores − a defesa do feminismo classista e a juventude − e deve superar com facilidade a inexperiência em cargos públicos. “Às vezes, a falta de experiência até ajuda”, diz Vespoli.


Dentro da Câmara, Sâmia já vem mostrando a que veio. No dia em que foi diplomada vereadora, atraiu os holofotes ao vestir uma camiseta lilás (cor da luta pelas mulheres) com a inscrição “Fora, Temer”. No mesmo dia, votou contra o aumento do salário dos vereadores de R$ 15.031,76 para R$ 18.991,68 (26% a mais). A medida foi aprovada por 30 votos a 11, mas uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) emitida em janeiro barrou o reajuste. Além do próprio salário, cada vereador tem verba de R$ 143.563,67 por mês para pagamento de 17 assistentes parlamentares e aproximadamente R$ 22 mil mensais para outras despesas.

Nos primeiros dias de trabalho, enquanto se reunia com assessores para definir os primeiros projetos a serem propostos, Sâmia protocolou um pedido ao presidente da Câmara para que fossem instalados fraldários nos banheiros do prédio - e foi atendida. Também apresentou um requerimento para retirar de pauta o projeto do Disque-Pichação, número de telefone que permite denunciar a atuação de pichadores pela cidade - este, em vão.

Em março, mês das mulheres, Sâmia protocolou sete projetos de lei (PLs) que pedem instalação de placas informativas sobre o disque-violência (180) em estabelecimentos; inclusão do mês de luta internacional das mulheres no calendário oficial da cidade; obrigatoriedade do ensino de noções básicas sobre a Lei Maria da Penha na rede municipal; ampliação da licença-paternidade para servidores municipais (de 6 para 20 dias); instituição de cota de 20% da verba de publicidade do município a campanhas de combate ao machismo; oferta de passe-livre temporário no transporte municipal para mulheres vítimas de violência e instituição do modelo humanizado de atenção às mulheres no aborto legal.

Além disso, apresentou projeto de resolução para a criação da CPI da Violência Contra a Mulher, a fim de averiguar os casos de violência na cidade e a situação de atendimento e suporte às vítimas. Fora estas iniciativas já propostas, Sâmia também estuda a possibilidade de propor alguma medida que ajude a melhorar a formação dos servidores com relação ao debate de gênero. “Quem sabe uma melhor preparação dos guardas municipais, especialmente as femininas, para que elas possam atender mulheres em situação de vulnerabilidade.”

Nas redes sociais, todos os passos e projetos de Sâmia são fartamente documentados. Em seu perfil no Facebook, ela costuma compartilhar detalhes sobre os bastidores da Câmara, como quando revelou que os vereadores tinham 12 dias de recesso por conta do Carnaval  e ainda recebiam convites para camarote no Sambódromo.

“Espero que daqui a quatro anos um caso como o meu, de mulher jovem e feminista eleita, não seja mais novidade”, afirma Sâmia, que aposta em alguém com perfil parecido com o de Adriana Vasconcellos, sua colega de PSOL: negra, pobre e da periferia. “Ela foi muito bem nessa última eleição. Teve cerca de 5 mil votos com investimento muito baixo. Apostaria nela”, diz Sâmia, que sabe a dimensão das decisões tomadas na Câmara e de seu papel como vereadora para lutar contra as injustiças sociais, abuso do poder econômico e machismo.

Comentários

Comentário