Portais da transparência avançam, mas com falhas na AL
Análise

Transparência avança, mas com falhas na AL

Organizações de livre expressão dizem que países latinos dificultam cidadãos a controlarem seus governos por meio de leis de acesso à informação; existem 83 portais na região

em 13/10/2016 • 10h58
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Existe um país onde os cidadãos podem acompanhar pela internet os lobbys feitos sobre parlamentares. Outro onde é possível ver os gastos dos servidores federais. Mais um onde as pessoas podem solicitar informações sobre os salários de juízes e parlamentares. E estão todos na América Latina – iniciativas viáveis graças a políticas de dados abertos e acesso à informação. O problema é que esses benefícios ainda chegam a poucas pessoas, frente os 569 milhões de habitantes da região.

É o que diz o chileno Moisés Sánchez, secretário-executivo da Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, coalizão de 23 organizações e de 19 países da América Latina. Ao considerar todos os países da região ele cobra melhorias. “Ainda vemos que poucos países têm portais de dados abertos adequados. Mesmo nos mais populosos há dificuldades de implementação e cumprimento das leis de acesso à informação”, comenta.

A Alianza Regional, que fica sediada em Montevidéu, é sustentada por instituições como a Open Society Foundations e participou dos processos de criação de leis de acesso à informação em sete países da região.

As instituições ouvidas pela Calle2 relataram a existência de apenas 83 portais de dados abertos com representatividade na América Latina. E, segundo Sánchez, a maioria dos países da região têm leis ou regras sobre o acesso à informação, com exceção da Venezuela, Argentina e Bolívia.

Sobre os portais de dados abertos, ele critica sua quantidade pequena e afirma que na maioria dos casos são só de governos centrais. Ainda há muito para fazer avançar na transparência dos outros poderes, como o Legislativo, e especialmente o poder Judiciário.

“Outra falha é que a maioria requer conhecimentos especializados para navegar, e especialmente a informação contida nem sempre é compreensível pelo cidadão comum”, completa.

Sobre as leis de acesso à informação, Sánchez comenta que sem dúvida são um grande avanço para os países, mas ainda têm mecanismos frágeis. Ele aponta que há governos que ainda não interiorizaram que se trata de uma lei, que mostram níveis baixos de respostas ou simplesmente negam informações sensíveis, mesmo quando são do interesse público.

“Além disso, ainda existem desafios na difusão e consciência das próprias pessoas, o que leva essas leis a serem utilizadas por um número pequeno da população”, opina.

Para ele, o direito de acesso à informação abrange todas as informações que estão nas mãos do Estado ou que são gerados com fundos públicos, como as atividades desenvolvidas pelo setor privado para fins públicos.

“Este é o caso de empresas que prestam serviços públicos que operam sob concessão. No entanto, hoje também está a se considerar a necessidade das empresas envolvidas em alto interesse público também estarem sujeitas a estas obrigações. Esta é uma agenda que está em movimento, e, certamente, representam um dos grandes desafios do acesso à informação para os anos seguintes”, completa.

Avanço recente

Segundo a Open Knowledge International, dados abertos são definidos por um conjunto de princípios estabelecidos num encontro realizado nos dias 7 e 8 de dezembro de 2007 em Sebastopol, na Califórnia, que reuniu pesquisadores, representantes de organizações da sociedade civil e ativistas norte-americanos.

A ideia básica desenvolvida foi que os dados governamentais são propriedades comuns, da mesma forma que as ideias científicas. A filosofia por trás do conceito de dados governamentais abertos é inspirada no conceito de código aberto (do Inglês open source), fundamentada por três pilares conceituais: abertura, participação e colaboração.

Mas o grande marco político recente no mundo, que impulsionou outros países, ocorreu em 2008, após um memorando do Presidente Barack Obama sobre Transparência e Dados Governamentais e pela criação do Data.gov, com o objetivo de disponibilizar um portal de dados abertos no qual os dados do governo norte-americano poderiam ser acessados na internet por qualquer cidadão.

Brasil

O governo brasileiro depois seguiu essa tendência e foi um dos fundadores da Open Government Partnership, criada em 2011 e que conta atualmente com a participação de 65 países. O Brasil criou também o dados.gov.br, portal que disponibiliza dados governamentais seguindo os princípios dos dados abertos.

Antes disso, a lei complementar 131/2009 determinou a transparência da gestão fiscal. Ficou estabelecido que, em tempo real, devem ser divulgadas informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Mas para a coordenadora de pesquisa do Transparência Brasil, Juliana Sakai, essa transparência da gestão fiscal ainda está restrita aos governos federal e estaduais e algumas cidades maiores do país.

'Falta fiscalização e punição a quem não obedece a lei. E também, temos que reconhecer, que muitas prefeituras ainda não têm recursos para isso, preparo técnico para divulgar seus dados ou a cultura da transparência', comenta.

Sobre os portais de dados abertos, que são uma evolução por terem a proposta de divulgarem tudo o que é de interesse público, Sakai considera que os melhores são os do governo federal, por terem informações atualizadas, estruturadas e com metadados (informações auxiliares que explicam os dados e de seus autores).

“Não existe no país uma política unificada sobre a forma de abrir os dados, cada um abre de um jeito e não os atualiza com frequência”, critica.

A respeito da lei de acesso à informação (12.527/2011), ela elogia sua existência, porque antes o cidadão contava apenas com a boa vontade do órgão público para ter alguma resposta. Pela lei, todo o órgão público tem 20 dias para responder e se depois a pessoa achar que faltou algo pode recorrer, tudo feito on-line.

Porém os problemas são os mesmos dos portais de dados: órgãos menores têm dificuldade em responder ou às vezes instituições em geral usam de artifícios para procrastinarem o envio das informações.

“A lei tem poucas exceções de sigilo, como casos de intimidade ou de segurança nacional, mas são vagas e abrem a porta para abusos. Como a justificativa de trabalho adicional em excesso para determinado órgão público obter a informação pedida. Isso é muito relativo, tanto porque divulgar uma informação de interesse público deveria um dos deveres de qualquer servidor como também porque qualquer repartição pública deveria ser organizada o suficiente para ter informações administrativas disponíveis. Essa situação costuma ser pior nos poderes Legislativo e Judiciário”, analisa.

Ela conta que a Transparência Brasil e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) estão desenvolvendo um portal para divulgar várias informações que já foram reveladas com o auxílio da lei de acesso à informação. “Será um repositório para as pessoas consultarem informações reveladas e também para termos uma noção dos órgãos que mais divulgam suas informações”, destaca.

A respeito da recente criação do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle em substituição a CGU (Controladoria-Geral da União), Sakai afirma que é muito difícil avaliar o que isso deve significar e que acompanha com “temor” a mudança.

“Não houve transparência nessa mudança, sobre os motivos e quais são os benefícios ela trará. A CGU tinha a qualidade de não ser um ministério e por isso tinha condição de avaliar a conduta de outros ministérios. Se isso mudar é um problema”, comenta.

A mudança foi autorizada numa Medida Provisória editada pelo presidente Michel Temer. Antes a CGU tinha vínculo com a Presidência. Em nota o Ministério da Transparência afirma que o órgão segue como órgão central do Sistema de Controle Interno e do Sistema de Correição, ambos do Poder Executivo Federal e mantém todas as atividades relativas à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção, e ouvidoria.

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A TRANSPARÊNCIA DE DADOS EM ALGUNS PAÍSES:

Chile

Portais de dados abertos que permitem o controle social de certas instituições ou autoridades, como o Congresso, ou o sistema de contratos públicos, informações sobre o direito de lobby, declarações de interesses e bens, são algumas das qualidades do acesso à informação no Chile.

María Jaraquemada é diretora do Espacio Público, um centro de estudos independente que estuda este e outros temas no país. Para ela falta uma maior iniciativa de municípios (apenas alguns têm tais portais) e do setor privado para participarem desse processo.

“E também os portais não conversam uns com os outros e os dados nem sempre são estruturados de forma correta ou completa. Eles são mais destinados a um público técnico, eles não são sempre atualizados e são muito pouco conhecidos”, critica.

Sobre a lei de acesso à informação chilena, Jaraquemada considera que ela precisa ser mais bem conhecida no país, mas elogia o fato dela ser bem avaliada de acordo com as normas internacionais, além de ter uma agência reguladora autônoma. “Mas o problema é que essa fiscalização autônoma ainda não cobre os poderes Legislativo e Judiciário”, diz.

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Costa Rica

A organização civil Abriendo Datos Costa Rica considera que o acesso à informação no país ainda é muito recente e pequeno. Segundo seu diretor Ignacio Alfaro Marín, por exemplo, os dados da Secretaría Técnica de Gobierno Digital e da Casa Presidencial ainda são reduzidos e desatualizados, como informações de licitações ainda de 2014.

A respeito da lei de acesso à informação para Marín ainda há necessidade de aperfeiçoamentos. “Não existe uma regra que estabelece claramente a publicação proativa de informação pública e a lei de regulação de petições de informações impõe barreiras como a exigência de que os pedidos sejam escritos e assinados, limita o acesso por via eletrônica e impede o direito de inquéritos anônimos”, comenta.

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Uruguai

Para os uruguaios a situação de acesso à informação também precisa melhorar. Daniel Carranza, co-fundador do DATA Uruguay, instituição que defende os dados abertos e a tecnologia cívica, reclama da pouca quantidade de dados. No país existe o catalogodatos.gub.uy, que é um catálogo nacional e centraliza dados de órgãos públicos e dos governos locais.

“O Uruguai tem um único governo central e é dividido em departamentos, não Estados. Não faltam portais de dados, mas sim a participação de outros poderes, Legislativo e Judiciário. As empresas privadas também não participam ativamente no ecossistema de dados aberto”, comenta.

Ele acredita que um terço dos pedidos feitos na lei de acesso à informação tem êxito. “Falta mais conhecimento sobre a lei e mais funcionários para sancionar o seu incumprimento”, afirma.

Colômbia

A principal queixa feita por Alexander Plata Pineda, diretor da Fundación Gobierno Abierto Colombia, é que nos portais de dados abertos a informação pública de algumas entidades não é atualizada como deveria ser.

Sobre a lei de acesso à informação sua opinião é que muitas entidades ainda estão se estruturando melhor para atende-la e ainda realizam o inventário de suas informações.

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