Por que devemos falar da sexualidade masculina?
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Por que devemos falar da sexualidade masculina?

Escritor Edvaldo Pereira Lima e sexólogo João Borzino lançam o livro “Nem sapo muito menos príncipe” que discute a dificuldade dos homens em entender suas emoções

em 15/08/2016 • 12h30
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A junção de um escritor com um médico sexólogo. Uma longa conversa sobre a sexualidade masculina. Pitadas de bom humor e descontração para falar sobre um tema que ainda é tabu em muitas rodas de conversa. Qual o resultado de tudo isso? Um livro chamado “Nem sapo muito menos príncipe”, assinado pelo escritor e jornalista Edvaldo Pereira Lima, que realiza uma longa entrevista com sexólogo João Borzino sobre temas relacionados ao universo masculino.

“O homem olha pouco para o seu interior e normalmente não se compreende do ponto de vista das emoções, ao contrário das mulheres, que estão mais abertas e têm uma tradição de melhorar o interior e as emoções”, analisa o escritor à Calle2. Em sua avaliação, o universo masculino muitas vezes vive um conflito entre a atitude que lhe exige o mundo e o que sente internamente, resultado das demandas impostas pela sociedade – o que Edvaldo chama de “marketing coletivo” dos machos. “Há muitas fantasias culturais, certos exageros e ninguém quer dar o braço a torcer”, afirma. Dentre as “fantasias culturais”, está a ideia de que o homem deve ser forte e autoritário, sempre potente e pronto para a ação, sexualmente, em qualquer circunstância.

A sua principal motivação para enveredar por este assunto tão pouco discutido foi pessoal. “Desde menino havia uma certa inconformidade minha com relação aos padrões masculinos que eram meus modelos.” Não é à toa que Edvaldo participa do grupo Guerreiros do Coração, que propõe o autoconhecimento masculino e ajuda o homem a ter mais tranquilidade para lidar com suas questões internas de um jeito mais saudável e sábio. E o escritor dá o recado:  o livro deve também ser lido por mulheres, já que muitas vezes são elas as principais responsáveis pela criação dos filhos e têm um papel importante a cumprir na mudança de comportamento dos seus companheiros.

Como você chegou a esse tema da sexualidade masculina para publicação de um livro?

O livro está dentro de uma perspectiva mais ampla do meu trabalho que é a preferência por escrever sobre temas da condição humana. Procuro fazer com que meus livros sejam também como processos de estímulo e ampliação de consciência das pessoas em todas as áreas. O Dr. João Borzino, médico sexologista, tem uma abordagem diferenciada que dá muita atenção ao aspecto do autoconhecimento do indivíduo, e carrega uma experiência clínica de 12 anos como especialista nesse campo e constata o que vemos na sociedade brasileira.

O homem olha pouco para o seu interior e normalmente não se compreende do ponto de vista das emoções, ao contrário das mulheres, que estão mais abertas e têm uma tradição de melhorar o interior e as emoções.

O João entende que os problemas que os homens enfrentam no campo do comportamento do relacionamento heterossexual e da sexualidade têm muito a ver com a questão da falta de autoconhecimento.

Há um conflito entre a atitude do homem em relação ao mundo, atitude que muitas vezes não está compatível com o que percebe internamente, pois o papel masculino convencional está respondendo muitas vezes às demandas que a sociedade impõe. Outro aspecto que me levou a escrever o livro vem de uma questão pessoal, porque desde menino havia uma certa inconformidade minha com relação aos padrões masculinos que eram meus modelos.

Mas você já tinha essa consciência do seu desenvolvimento psíquico na época ou isso veio aflorando depois, conforme se desenvolveu como homem em uma sociedade machista?

Era muito precoce e com 13 anos eu já tinha essa consciência. Talvez não com total clareza, mas uma certa consciência muito próxima já existia. Aos poucos fui descobrindo que muitos outros homens tiveram essa mesma dificuldade, principalmente em famílias disfuncionais, com históricos ruins de relação pais-filhos.

De que forma você descobriu? Na sua observação ou nos relatos de amigos que se questionavam?

Na observação. Normalmente os homens não falam muito desses assuntos de maneira sincera e franca.

Os homens se retraem, mas a gente percebe, intui e sabe que muitas das conversas que acontecem nas rodas de homem são conversas do nosso “marketing coletivo” de machos. Há muitas fantasias culturais, certos exageros e ninguém quer dar o braço a torcer.

Eu achava que tudo isso existia em paralelo, não só ligado à questão masculina, mas à vida como um todo pois sempre estive envolvido com trabalho de autocrescimento e autoconhecimento. Desde muito cedo, em paralelo a um chamado muito forte que eu sentia para a vida intelectual, também sentia um chamado para processos de autoconhecimento que não fossem os convencionais. Eu tenho um carinho muito grande pelas mulheres e sempre percebi que muitas vezes há uma certa dificuldade masculina em poder lidar com o feminino de um jeito mais saudável e pleno. A questão do sexo não é só a questão do sexo, ela está envolvida com a relação romântica e humana como um todo.

Hoje eu faço parte de um movimento chamado Guerreiros do Coração. Há mais de 20 anos o psiquiatra Mauro Pozati começou esse movimento no Sul do Brasil e agora também chegou a São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. O movimento traz uma proposta de autoconhecimento e ajuda o homem a ter mais tranquilidade para lidar com suas questões internas de um jeito mais saudável e sábio, para que possa exercer a sua hombridade plena e total no mundo. Não vemos facilmente exemplos públicos de homem com H maiúsculo porque a consciência masculina, em muitos casos, está presa à ideia de que ser homem é ser o forte e autoritário e aí você vai para o território do machismo. E não é isso.

Falamos muito sobre papel do homem e da mulher em suas essências plenas. Na sociedade de hoje existem as divisões machista e feminismo e seu empoderamento. E às vezes essas divisões ofendem as pessoas. Com que cuidado você vê isso e aborda dentro do livro?

É um assunto extremamente complexo porque há fatores psicológicos, emocionais, culturais e sociais e há muita falta de autoconhecimento do que você chama de essência, tanto masculina quanto feminina. O fato de o homem aprender a lidar de maneira suave com as emoções e ter relacionamentos mais leves não significa deixar de ter consciência de alguns aspectos que são masculinos do ponto de vista psíquico.

Um dos problemas, e isso aparece nas situações em que o João ouviu, é o seguinte: quem ensina o homem a ser homem? Geralmente é a mulher. O menino não é atendido pelo pai que sai para o mundo para arrumar dinheiro e ser o provedor. Quem acaba criando as crianças é a mãe quando na verdade o ideal é que a criação aconteça pelos dois. Mas o que vemos na maior parte das vezes é a mãe só cuidando do menino. E com quem o menino vai aprender a ser homem? Com a mãe. E a mãe vai projetar nessa criança as suas neuroses, discussões, carências, deficiências psicológicas como mulher. Então se gera um ciclo vicioso muito ruim. Tanto que o mote do movimento Guerreiro do Coração é o seguinte: homens aprendendo a ser homens, com homens. Isso nós perdemos um pouco na nossa sociedade, nos distanciamos e ficamos um pouco iludidos pela mente e pela ideologia do que é ser masculino e do que é ser feminino.

Entendo que a flexibilidade da psique humana é muito grande e hoje podemos viver modelos e graus de masculinidade e feminilidade de vários tipos, mas há algumas coisas que são essências básicas que não têm a ver com a cultura.

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Por exemplo o que?                                  

Por exemplo a questão do homem e a mulher sempre dividirem o pagamento do jantar, não por uma necessidade financeira no momento, mas por um padrão e uma postura. O João diz uma coisa no livro e eu tenho impressão que ele está certo, de que no fundo a mulher precisa que, de vez em quando, o companheiro seja aquele que a convide e cubra todas as despesas. Então você vai dizer que isso é cultural! Mas tem uma coisa mais funda que isso que é a necessidade da mulher receber um carinho como uma forma de proteção, abrigo e força maior.

Muitos dizem que isso é uma opinião machista…

Muitos dizem isso. Mas a experiência do João na qual estou me apoiando é que a maioria das mulheres pode pensar isso por um condicionamento social e cultural do momento, mas quando o homem faz questão de pagar às vezes, no fundo ela acaba gostando um pouco.

E ele traz essa fala no livro e diz que já sabe que vai ser chamado de machista…

Tem outra coisa. A passividade e a ação. O homem é um ser humano masculino com a propensão energética de ser mais proativo, mais da ação, enquanto a mulher tende a ser mais receptiva. A gente vê relacionamentos em que a passividade do homem é exagerada. Do ponto de vista psicológico profundo, se isso acontece momentaneamente por uma circunstância de vida entre o casal tá tudo bem, mas se aquilo perdura durante muito tempo parece gerar lá dentro no inconsciente (tanto do homem quanto da mulher) uma situação muito séria e muito grave.

O homem tem de ser aquele que toma as iniciativas, na maioria das vezes, não deixar as decisões que têm a ver com o casal só por conta da mulher.  O homem tem de ser mesmo mais proativo, e não totalmente passivo, submisso e reativo às iniciativas da mulher, em todas as esferas da vida. Jung dizia que temos, homens e mulheres, energias psíquicas masculina e feminina em nosso interior, o que ele chamou de animus – a energia masculina na mulher – e anima – a energia feminina no homem. Se o animus da mulher é muito preponderante, na relação de casal, e o homem se retrai muito para dentro da sua anima, em comportamento constantemente passivo, com o tempo vai haver uma insatisfação (inconsciente, na maioria das vezes) profunda em ambos, podendo minar a relação. O homem precisa ser mais ativo e a mulher mais receptiva. Encontrar o equilíbrio dinâmico disso e o diálogo coconstrutivo é o grande desafio para os casais se darem bem.

O Dr. João traz casos clínicos reais e você é um narrador, que fala de forma ampla através de uma visão mais afetiva das situações. Como pensou esse formato de livro onde há o encontro do escritor e do especialista?

Primeiramente eu me coloquei na posição do leitor e dessa pessoa que imagino que vai ter interesse em ler o livro, me coloquei também na pele do homem que tem a visão de que algo não está muito certo nos modelos masculinos coletivos que imperam na sociedade e daqueles que estão procurando uma forma de conviverem com sua masculinidade e se relacionarem com mulheres de um modo mais pleno. Enquanto o João traz a experiência dele técnica e científica, eu me coloco numa posição comum de alguém com curiosidade, querendo saber e desenvolver compaixão por si mesmo e pelos outros homens que sofrem calados com medo do julgamento social.

A tática narrativa escolhida foi a de uma conversa. As questões do livro são delicadas, alguns casos são colocados conforme a ética médica e por isso não são identificados os participantes, mas ilustram situações que ocorrem em grande quantidade e que aparecem no consultório do João todos os dias.

Você traz um tema delicado no livro por conta dos tabus e questões culturais que ainda existem na sociedade, além da discussão do pensamento sobre a definição dos papéis masculino e feminino. O fato de ter pensando o livro em forma de diálogo, apoiando-se em dados e casos verídicos e científicos, foi uma preocupação existente?

Sim. Em nenhum momento o objetivo do livro é ofender nem gerar mais preconceito sobre esse assunto e sim ser educativo.

A ideia era tratar do tema com delicadeza, de forma educativa, sabendo que poderia gerar polêmica. O propósito maior é a figura humana, além de tentar trazer aos homens e mulheres um estímulo para terem coragem de abrir um véu das incertezas e inseguranças para se defrontarem de maneira clara com esse assunto.

O propósito por trás do João como médico, é curar. E o meu propósito como escritor da vida real é sempre produzir obras que tenham potencial de esclarecimento e abertura de consciência. Isso exige que a gente abra o portal para nossos porões escondidos no inconsciente e as questões que estão por detrás da nossa máscara social. O livro é direcionado essencialmente para pessoas que têm uma orientação de sexualidade heterossexual. Não existe preconceito nem qualquer tipo de reserva com relação às pessoas com outras orientações sexuais, mas do ponto de vista de estratégica de definição do livro tivemos que direcionar para algum ponto.

Como foi o bastidor dessa longa entrevista?

Foram vários encontros. Eu disse qual era a ideia e como poderia funcionar. Dei a ele algumas informações para entender que seria melhor trazermos elementos do Jornalismo Literário. Entendida a proposta básica, achei que o melhor caminho seria construir o livro em forma de conversa inclusive porque a linguagem do João é envolvente, embora tenha sustentação científica por trás de tudo.

E até passou por preconceito dentro da própria classe médica…

Exatamente. A sexologia hoje é uma especialidade médica, mas há poucos profissionais especializados no campo e a tendência da maioria é ter uma visão diferente da que o João tem, que é muito comportamental e ligada ao processo do autoconhecimento profundo. É muito desse abrir a máscara e a pessoa se defrontar com seus demônios internos e suas ilusões. Ele aceitou e entendeu que teve esse toque humano já que o objetivo era chegar ao público geral e não chegar a seus companheiros de medicina, nem receber validação e apoio da classe médica, e sim chegar até as pessoas que ele atende.

A Calle2 é uma revista que fala sobre a América Latina. Como um escritor da vida real que vê o ser humano de forma ampla, poderia fazer uma análise em relação ao homem latino?

Vou dar uma impressão como escritor. Tenho a impressão que na maioria dos países vizinhos ao Brasil, mesmo na América Central e do Norte, os problemas que o homem brasileiro enfrenta são parecidos. Há uma presença muito forte do machismo nesses países, assim como há uma quantidade significativa de homens que procuram desenvolver sua masculinidade dentro de uma perspectiva mais holística, saudável e integral e assim como há muita insatisfação também da mulher com relação ao homem em muitos casos.

Escrevi um livro reportagem sobre a Colômbia chamado “Colômbia – Espelho América 26” onde retratei um pouco da mulher colombiana da época [anos 80] e descobri que na região do Caribe colombiano elas procuravam se destacar na sociedade de maneira proativa, encontrando espaço no mercado de trabalho, administrando coisas diferentes e assumindo papéis que só o homem tinha passado. Parte dos homens combatiam de maneira agressiva por causa do machismo e outros aceitavam só que não sabiam como reagir de maneira equilibrada e saudável. Então o que acontecia? Eles também não se olhavam para dentro, não encaravam a emoção e caíam numa passividade em relação à mulher. Anulavam seu poder masculino e muitos deles caíam no problema do alcoolismo, algo muito comum nas diversas classes sociais. Quando as questões emocionais aparecem, o homem sente dificuldade de lidar com isso e reage agressivamente; tenta impor de maneira arbitrária a sua autoridade na bebida exatamente por dificuldade e incapacidade de se observar e lidar com a emoção de maneira tranquila. Esses problemas me apontaram que as questões masculinas são quase as mesmas no Brasil. Mas tanto lá como aqui existe o movimento dos homens que estão lidando com as emoções de maneira mais tranquila, vivendo a sexualidade de forma mais plena e compreendendo que a sexualidade está casada com o afeto.

SERVIÇO

“Nem sapo nem príncipe – Sexualidade Masculina – Diálogo Para Homens e Para Mulheres”

O livro está publicado no sistema editorial Clube de Autores. A compra da versão impressa é feita direta e exclusivamente no site do Clube, sob encomenda. A versão impressa tem 98 páginas e pode ser comprada no neste link.

A versão e-book pode ser comprada no Clube de Autores e nas livrarias virtuais Amazon, Cultura, Wook, Kobo, Google Play e Apple.

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“Por trás do tapete mágico – histórias da aviação”

O escritor está lançando também o livro “Por trás do tapete mágico”, que conta histórias das pessoas e dos bastidores da aviação entre os anos 1980 e 2000. Entre elas, a da primeira mulher a pilotar jato de passageiro no Brasil.

Tanto a versão impressa quanto e-book estão à venda pelo Clube de Autores.

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Outros livros de Edvaldo Pereira Lima podem ser encontrados no site do escritor.

‎FOTO: SAM LUDD

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