O sonho partido
Análise

O sonho partido

52 siglas políticas estão em processo de criação no Brasil, mas a maioria pode morrer antes mesmo de nascer por causa da cláusula de barreira, que voltou a ser debatida no Brasil

em 10/11/2016 • 09h15
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– Quantos partidos estão buscando registro no tribunal? – questiona a vice-presidente do Partido Manancial Nacional, Vilma Lúcia.

– Cinquenta e dois – responde a reportagem da Calle2.

Vilma repete o número lentamente, entonando cada pedaço de som e, após um breve silêncio, reage com um “misericórdia”. O Manancial foi um dos mais recentes a entrar na lista de partidos políticos em formação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Publicou seu estatuto em março de 2013 e, desde então, batalha para colher as 500 mil assinaturas  necessárias para completar o processo de registro e fundação.

O Senado, porém, aprovou nesta quarta-feira (9) em primeiro turno uma nova interpretação da cláusula de barreira, que exige desempenho mínimo eleitoral para que um partido tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo gratuito na televisão. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) ameaça a criação dos 52 partidos e a manutenção de algumas siglas já existentes. Se for aprovada – ainda falta uma votação em segundo turno (com apoio de três quintos dos senadores) –, estima-se que coligações pequenas tenham funcionamento limitado ou sejam extintas. Dos atuais 35 partidos existentes no Brasil, 27 possuem representantes na Câmara dos Deputados; acredita-se que restariam apenas 13 após a aprovação da cláusula de desempenho.

Entre os 52 partidos esperando por registro, há praticamente de tudo: legendas históricas brasileiras, como a UDN (União Democrática Nacional) e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), ambos do regime militar; grupos voltados para novos focos de atuação, como o PDECO (Partido dos Defensores da Ecologia) e o ANIMAIS (Partido Político Animais); legendas que pretendem representar grupos específicos da sociedade, como o PNI (Partido Nacional Indígena), o PLLE (Partido Popular da Liberdade de Expressão Afro-Brasileira) e o PAIS (Partido pela Acessibilidade e Inclusão Social); partidos temáticos, como o PNC (Partido Nacional Corinthiano), o PE (Partido do Esporte) e o PMBR (Partido Militar Brasileiro) e siglas com intenção misteriosa, como o Partido Pirata do Brasil (veja lista completa abaixo).

Entre os partidos que esperam por registro, há de tudo – desde tradicionais siglas ligadas ao regime militar às legendas que representam indígenas, afro-descendentes, militares e corinthianos

Atualmente, o Brasil possui 35 partidos políticos registrados no TSE. O último a conseguir se legalizar no jogo eleitoral foi o Partido da Mulher Brasileira, registrado em 2015 e que elegeu seus primeiros prefeitos no mês passado (dois homens e duas mulheres).

Para Glauco Peres, professor de Ciência Política da USP, a maior motivação para a criação de novos partidos é financeira. “O acesso ao Fundo Partidário, mesmo por partidos sem representação no Congresso, faz com que seja relativamente fácil uma legenda, pois não depende da existência de militância para a doação de recursos”. Com a possível limitação de acesso aos recursos do Fundo Partidário, essas coligações podem perder o estímulo principal para a batalha de colher assinaturas.

Além do perceptível crescimento de grupos localizados à direita do espectro político, duas outras tendências podem ser notadas nos aspirantes: uma tentativa de distanciamento de ideologias e um discurso voltado para novas lideranças ou para uma “nova maneira de fazer política” – retórica que colaborou na eleição do empresário João Dória (PSDB) ao cargo de prefeito de São Paulo e até na de Donald Trump, nos Estados Unidos.

Além do crescimento de grupos localizados à direita do espectro político, duas outras tendências podem ser notadas nos novos partidos: uma tentativa de distanciamento de ideologias e um discurso voltado para uma ‘nova maneira de fazer política’

“Num primeiro momento, não temos nenhuma posição. A ideologia fica em segundo plano”, revela o vice-presidente do PGT do B (Partido Geral dos Trabalhadores do Brasil), Sérgio Martins. Sua sigla procura “representar a população”, sem preocupações ideológicas que caracterizariam a velha política.

“As pessoas estão sedentas por candidatos que deem conta de conduzir o país. A eleição do prefeito de São Paulo já demonstrou a mentalidade atual das pessoas: não votarem em velhos políticos, mas nesse novo jeito de fazer política”, diz Martins.

Postura semelhante é encontrada no MB (Partido Muda Brasil). “O meu partido quer dar oportunidade para novas lideranças políticas”, diz. “Temos convicção de que a finalidade da política é o ser humano. Dar uma vida melhor, condições adequadas, dignidade, etc. Não tem porque delimitar uma ideologia sendo que o objetivo do partido é apenas melhorar a condição humana. Posso dizer que o Muda Brasil é um partido humanitário”, afirma seu fundador, José Renato da Silva.

PGT do B: ‘A ideologia fica em segundo plano’; Partido Corinthiano: ‘Não seguimos ‘ismos’’

O Partido Nacional Corinthiano é outro que tem o mesmo comportamento. “Não seguimos os rótulos de ‘ismos’ provenientes de ideologias que não deram certo ao longo da nossa República, como o socialismo, o neoliberalismo, o comunismo, o evangelismo, etc. A política é algo que não pode ser colocado em prática por meio de conceitos teóricos”, diz um trecho do manifesto assinado pelo presidente da legenda, Juan Grangeiro.

“O afastamento do espectro ideológico é um fenômeno que ocorre após a queda do muro de Berlim. Apesar da dificuldade de definição clara do que eles significam, os conceitos de direita e esquerda ainda servem para dividir os atores políticos em torno de diversas questões e não podem ser tomados como ultrapassados, mesmo que signifiquem coisas diferentes em contextos diferentes”, sugere Peres.

O impeachment de Dilma Rousseff (PT), as acusações judiciais contra o ex-presidente Lula e a prisão de diversos membros do Partido dos Trabalhadores também parece ter colaborado para fundamentar as percepções das novas agremiações políticas. Ao menos 13 partidos dos que estão tentando ser criados possuem orientação ideológica à direita. Outros, ainda que localizados ao centro, também procuram se afastar do petismo.

“Pode-se entender como uma resposta à gestão petista e a forma como ela terminou. As denúncias de corrupção e os sucessivos escândalos enfraqueceram a esquerda e criam espaço para o crescimento da direita”, analisa Peres, da USP.

Ao menos 13 partidos dos que estão tentando ser criados possuem orientação ideológica à direita. Outros, ainda que localizados ao centro, também procuram se afastar do petismo

“Quando começou tínhamos pessoas mais radicais, outras mais moderadas, algumas até com pensamentos antidemocráticos, mas sempre houve uma direção à direita pautada também em criticar os governos do PT”, explica Cibele Baginski, cujo nome aparece no TSE como presidente da ARENA, mas que se diz fora do projeto. “É uma burocracia infernal. Desisti”, conta.

Segundo ela, a ARENA começou em 2012 por meio de um grupo de discussão sobre política na internet, sob um único denominador comum: a oposição ferrenha à Dilma Rousseff.

Desse espaço virtual sairiam alguns grupos que ajudariam a derrubar a petista, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e os Revoltados Online, famosa página anti-PT do Facebook. “Tinha até uma ala formada por militares saudosistas de 1964. Uns eram legais, mas eu via outros duvidosos ali”, revela Cibele.

A posição ideológica, porém, é a mesma legenda que serviu como base parlamentar para os últimos anos da ditadura: um desenvolvimentismo à direita. “Me parece que as pessoas ficaram melindradas com a situação do governo e foram procurar justamente o outro lado. É o que acontece quando há uma frustração. É natural que seja assim”, explica.

Para Sérgio Martins, vice-presidente do PGT do B, o problema do PT foi a escolha do partido por representar apenas uma parcela da classe trabalhista, esquecendo-se de uma imensa massa de indivíduos que, da mesma forma, podem ser considerados “trabalhadores”. “Trabalhador é todo aquele que tem uma causa. Essa é visão de trabalhador que temos e que queremos defender: desde o pastor até o advogado, desde o gari até o microempresário. Todo mundo trabalha, pô!”.

O PGT do B tem apenas 21 seguidores em sua página no Facebook, mas garante já ter conseguido 300 mil assinaturas para a sua criação

No Facebook, existem exatos 21 seguidores da página da legenda, mas Martins jura que já foram colhidas 300 mil assinaturas entre as 495 mil necessárias para conseguir o registro. “Em 2018 teremos candidato próprio à presidência”, aposta, ignorando a tramitação da cláusula de barreira.

Se aprovada, a PEC obrigaria todos os partidos políticos a conseguirem pelo menos 2% dos votos válidos para deputado federal espalhados em ao menos 14 estados do país. Caso contrário, eles não teriam direitos às cadeiras disponíveis no Congresso e aos benefícios adjacentes, como tempo de televisão e acesso aos recursos do Fundo Partidário.

Uma cláusula de barreira parecida entraria em funcionamento no Brasil em 2006, quase 11 anos depois de ser aprovada na Lei dos Partidos Políticos, de 1995. Naquele ano, os partidos que não conseguissem 5% dos votos nacionais para deputado federal ficariam fora do parlamento. Porém, um mês antes das eleições, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou que a medida era inconstitucional, pois, segundo a interpretação dos ministros, feria a liberdade de expressão de minorias.

VEJA A LISTA DOS PARTIDOS EM PROCESSO DE REGISTRO NO TSE

PDC – PARTIDO DEMOCRATA CRISTAO

IDE – IGUALDADE

PRC – PARTIDO REPUBLICANO CRISTÃO

PCS – PARTIDO CARISMÁTICO SOCIAL

UDC DO B – UNIÃO DA DEMOCRACIA CRISTÃ DO BRASIL

PB – PARTIDO BRASILEIRO

MANANCIAL – PARTIDO MANANCIAL NACIONAL

PHN – PARTIDO HUMANITÁRIO NACIONAL

PSPC – PARTIDO DA SEGURANÇA PÚBLICA E CIDADANIA

MB – PARTIDO MUDA BRASIL

PISC – PARTIDO DA INTEGRAÇÃO SOCIAL E CIDADANIA

PMP – PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO POPULAR

PSN – PARTIDO DA SOLIDARIEDADE NACIONAL

PATRI – PATRIOTAS

RNV – RENOVAR

PCD – PARTIDO CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA

PE – PARTIDO DO ESPORTE

FB – FORÇA BRASIL

PRUAB – PARTIDO DA REFORMA URBANA E AGRÁRIA DO BRASIL

NOS – NOVA ORDEM SOCIAL

PNS – PARTIDO NACIONAL DA SAÚDE

PPLE – PARTIDO POPULAR DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO AFRO-BRASILEIRA

RDP – REAL DEMOCRACIA PARLAMENTAR

PSPB – PARTIDO DOS SERVIDORES PÚBLICOS E DOS TRABALHADORES DA INICIATIVA PRIVADA DO BRASIL

PLC – PARTIDO LIBERAL CRISTÃO

PAT – PARTIDO ALTERNATIVO DO TRABALHADOR

PAIS – PARTIDO PELA ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO SOCIAL

INOVABRASIL – PARTIDO DO PEQUENO E MICRO EMPRESÁRIO BRASILEIRO

PNC – PARTIDO NACIONAL CORINTHIANO

PMBR – PARTIDO MILITAR BRASILEIRO

PSPP – PARTIDO DO SERVIDOR PÚBLICO E PRIVADO

UDN – UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL

ARENA – ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL

UDN – UNIÃO PARA A DEFESA NACIONAL

PCI – PARTIDO DA CIDADANIA

PDECO – PARTIDO DOS DEFENSORES DA ECOLOGIA

PRD – PARTIDO REFORMISTA DEMOCRÁTICO

PED – PARTIDO DA EVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA

PRONA – PARTIDO DA REEDIFICAÇÃO DA ORDEM NACIONAL

PACO – PARTIDO CONSERVADOR

PHD – PARTIDO HUMANISTA DEMOCRÁTICO

PGT DO B – PARTIDO GERAL DOS TRABALHADORES DO BRASIL

MCC – MOVIMENTO CIDADÃO COMUM

PIRATAS – PARTIDO PIRATA DO BRASIL

ANIMAIS – PARTIDO POLÍTICO ANIMAIS

UP – UNIDADE POPULAR

PPC – PARTIDO PROGRESSISTA CRISTÃO

PEC – PARTIDO ECOLÓGICO CRISTÃO

PST – PARTIDO SOCIAL TRABALHISTA

PRCB – PARTIDO REPUBLICANO CRISTÃO BRASILEIRO

RAIZ – RAIZ – MOVIMENTO CIDADANISTA

PNI – PARTIDO NACIONAL INDÍGENA

PASSOS PARA A CRIAÇÃO DE UM PARTIDO NO BRASIL

Desde 1995, para formar um partido político no Brasil são necessários quatro processos:

  1. 101 eleitores (espalhados por um terço dos Estados brasileiros) deve publicar um estatuto no Diário Oficial da União, atestando que uma agremiação com interesses partidários está em movimentação.
  1. O partido precisa ser registrado em cartório pelos mesmos 101 eleitores e adquirir um número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
  1. São necessárias assinaturas de eleitores não-filiados a outras agremiações políticas que somem 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Esse número fica, geralmente, em cerca de 500 mil nomes (as firmas precisam estar distribuídas em um terço dos estados brasileiros).
  1. Os partidos se registram em todas as instâncias governamentais existentes: as municipais (os tribunais eleitorais das cidades), as estaduais (tribunais eleitorais dos estados) e a federal (o Tribunal Superior Eleitoral), apresentando apoiadores e documentações necessárias.‎

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