Facebook: entre as fotos de família e o ringue virtual
Sociedade

Facebook: energia gracinha ou ringue virtual?

Por que a rede social de Mark Zuckerberg deixou de ser um lugar de reencontros e fotos de família e virou um campo de batalhas e xingamentos? Algum dia ela perderá sua hegemonia para a concorrência?

em 06/07/2016 • 01h30
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Levante a mão o usuário que nunca pensou em abandonar o Facebook por conta das disputas ideológicas que invadiram a rede nos últimos anos. Se no início ele era espaço de encontros, agora pode ser motivo para o fim de amizades e ‘suicídios’ virtuais. Mas será que as brigas, ofensas e manifestações de ódio são exclusividade dessa rede social?

Para Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em ciência política, que acaba de lançar o livro “O que aprendi sendo xingado na internet” (Editora Leya, 160 p.), a resposta é não.

“A internet não é responsável pela violência, as pessoas são violentas. A internet é a reconstrução da realidade e o que acontece é que ela aproxima as pessoas e tem o poder de catalisar os debates”, diz.

Esse poder catalisador do Facebook é resultado, entre outros fatores, pelo algoritmo usado pela rede, que faz com que os usuários vejam mais opiniões e assuntos que têm afinidade, criando assim uma bolha ideológica e tornando mais difícil a convivência com o que está fora dela.

“O algoritmo do Facebook constrói um ambiente que você concorde, que confie. O motivo é comercial. Você também precisa do algoritmo porque não dá para mostrar tudo o tempo inteiro, então ele acaba criando um mundo a sua volta que se resume aos seus amigos, mas a gente precisa do convívio com o diferente para crescer”, diz Sakamoto.

O professor Fabio Malini, um dos coordenadores do Labic (Laboratório de estudos sobre Internet e Cibercultura) da Universidade Federal do Espírito Santo, acredita que o Facebook dá visibilidade a problemas que a sociedade brasileira fingia que não existiam, como o racismo e o machismo. “Esse tipo de comportamento era feito na rua e muitas vezes quem denunciava não tinha a crença daqueles que ouviam a denúncia. Agora não, como você fica registrado no Facebook, como as pessoas denunciam e espalham determinados posicionamentos que violam os direitos das minorias, isso acaba ficando mais popular, mais viralizado”, diz.

Malini afirma que a polarização entre os brasileiros no Facebook, que tem 102 milhões de usuários no país segundo balanço divulgado pela empresa em abril deste ano, é parecida à que ocorre em outras partes do mundo, onde ela também é pautada por debates políticos. Por aqui, essas disputas se acirraram durante as manifestações de 2013, o período de eleições presidenciais em 2014 e o recente processo que culminou no afastamento da presidente Dilma Rousseff.

A nossa principal diferença em relação aos vizinhos latino-americanos, diz o professor, é o nosso gosto pelo “textão”. “Acho curioso como no Brasil nós gostamos muito do textão no Facebook, que são os textos longos, que muitas vezes têm objetivo descrever uma crônica do cotidiano ou mesmo opinar duramente sobre um acontecimento, um fato ou uma situação vivida”.

A partir desses longos textos opinativos e de páginas de imprensa, o espaço dos comentários e a possibilidade de propagar a ideia por meio dos compartilhamentos viram um convite à discussão. São nesses ambientes que grupos heterogêneos se encontram e são estimulados a desenvolver argumentos, nem sempre de qualidade, sobre o assunto em questão.

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Proteção e anonimato

Nessa realidade virtual, o aparente anonimato também contribui para a disseminação do ódio e da agressividade nas redes. Foi o que aconteceu com a jornalista Nana Queiroz, diretora-executiva da Revista AzMina, que virou alvo de manifestações violentas logo que lançou a campanha “Eu não mereço ser estuprada”, em 2014.

“Eu recebi cerca de 500 ofensas e ameaças, imprimi as 50 mais graves, fui à delegacia da mulher e sei que três deles foram pegos, mas não presos, porque isso não dá cadeia, nem me deram indenização”, diz a jornalista. “A cada dia tento aprender como me proteger. Por enquanto, tenho sofrido muito com ataques e ameaças. Fico deprimida, choro, fico com medo”, conta.

Em julho deste ano, Queiroz teve o seu perfil suspenso depois de publicar uma foto de mulheres durante um ato feminista, o que a fez divulgar uma carta à direção do Facebook questionando a política da empresa.

“Acho que o Facebook deveria ter uma política mais rígida de abertura de conta, porque os perfis falsos facilitam muito os crimes de ódio e a impunidade. Além disso, o Facebook deveria ter um contato direto com a polícia brasileira para encaminhar esse tipo de denúncia”, diz Nana Queiroz.

Sakamoto também viu o debate virar ameaças e até campanhas virtuais de difamação, mas diz que tenta fazer com que isso não afete a sua rotina. “Eu não sou paranoico, tento ser um cara atento.  Levo os xingamentos com bom humor, acho que faz parte do debate público”, afirma. As ameaças contra o jornalista são investigadas pela polícia e acompanhadas pelas Nações Unidas, já que ele é um dos conselheiros desta organização para Formas Contemporâneas de Escravidão.

O jornalista tem críticas ao modelo de privacidade adotado pelo Facebook, mas diz que é difícil para uma empresa global adotar políticas de certo e errado, sendo que esses conceitos variam de uma cultura para outra. “Como lidar com ferramentas globais em um mundo multicultural, de forma que elas não sejam impositivas? Não é fácil, e eu sou contra qualquer tipo de censura”, afirma.

A reportagem da Calle2 entrou em contato com o Facebook, que não quis comentar a sua política em relação a ameaças e violações na rede. Também não informou o número de páginas retiradas do ar e perfis suspensos após denúncias de usuários.

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Que futuro nos espera?

Para o professor Malini (UFES), os debates no Facebook têm um caráter pedagógico e, aos poucos, seus usuários vão aprender a não se envolver diretamente e a não entrar na primeira discussão que aparece na sua linha do tempo.

Otimista também é a visão de Sakamoto, que acredita que os usuários vão perceber que o mundo virtual também tem limites. “Eu falo que estamos na adolescência da internet, utilizando as redes sem muita preocupação, mas acredito que a gente vai chegar na maturidade, adotar uma postura mais ética, analisar as consequências”, diz Sakamoto.

Para ele, o segredo de um ambiente virtual que respeite a diferença está na educação e na punição à posteriori de quem usa o Facebook como forma de suplantar os direitos de outro grupo. “Faz parte do jogo democrático saber conviver, ter responsabilidade pelos seus atos. E quando eu falo de educação, não é só escola, é educação para a empatia, para a mídia, para o debate público, saber seus próprios limites, separando o lixo do que tem qualidade, isso é fundamental”, afirma.

Em um artigo publicado recentemente, Flavia Gamonar, professora e especialista em marketing de conteúdo, cita estudos que analisam tendências futuras de comportamento no mundo virtual, especialmente dos millennials (jovens nascidos entre 1980 e 2000, também conhecidos como geração Y). E, assim como o Orkut morreu, a rede social de Mark Zuckerberg também pode perecer.

“Um estudo do  Departamento de Ciências Comportamentais da Universidade de Utah questionou mais de 400 estudantes sobre seus modos de utilizar o Facebook e suas percepções sobre os outros. As respostas envolveram comentários como “eu era mais feliz antes de usar, porque agora estou gastando tempo e vendo a vida dos outros melhor que a minha”.  Hoje parece estranho dizer que o Facebook vai acabar, mas veja só, minha avó já está no Facebook. E isso certamente é sinal de que ele está ficando para trás”, escreve a pesquisadora.

Entre os millennials, a rede social vem perdendo espaço para outras mídias, como Whatsapp e Snapchat (cujos posts duram 24 horas). “Muitos afirmaram que se sentem felizes ao serem livres do Facebook porque não precisam mais sustentar aparências. Eles acreditam que diante de tanto conteúdo e anúncios, existe pouco espaço para uma real socialização entre amigos neste ambiente”, analisa Gamonar.

Para Fabio Malini, um dos grandes desafios do Facebook é o envelhecimento dos seus usuários e como ele vai lidar com o fato de que a ampla maioria deles têm mais de 24 anos, ou seja, faz parte da população economicamente ativa e são potenciais consumidores daquilo que eles vendem e divulgam na internet. “Mas essa população vai envelhecer, e os mais jovens, que são mais ávidos por tecnologia, tendem a migrar para outros lugares, com outros objetivos”.

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