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El fútbol brasileño habla español

Pé-de-obra barato, questões táticas e força econômica fazem número de latinos crescer nos clubes brasileiros; no ano passado, eram 71 jogadores hermanos

em 03/06/2016 • 12h30
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Quando assumiu a presidência do Botafogo em novembro de 2014, o administrador de empresas Carlos Eduardo Pereira encontrou um cenário de terra arrasada. A antiga gestão deixou o clube da zona sul carioca na liderança entre os devedores do futebol brasileiro: R$ 845 milhões em dívidas.

Carlos Eduardo precisou injetar cerca de R$ 577 milhões do próprio bolso no alvinegro, prática historicamente usual entre cartolas tupiniquins. No começo de 2016, o Botafogo ainda sofria com penhoras, receitas bloqueadas pela Justiça Trabalhista e ausência de patrocinadores.

A solução para formar um novo elenco sob tais condições foi olhar para os países vizinhos. Foram contratados os pouco conhecidos sul-americanos Joel Carli, Pedro Larrea, Gervásio Nuñez, Damián Lizio e Juan Salgueiro − com salários mais baixos que a média brasileira −, por se encaixarem na nova realidade financeira do clube. “Os valores desses jogadores atraíram os nossos olhares. Busquei a contratação deles pessoalmente”, revelou o mandatário botafoguense.

A presença de jogadores latinos por aqui vem crescendo gradualmente desde meados dos anos 2000, em especial após o bom momento econômico vivido pelo Brasil durante esse período. Atualmente, são 47 estrangeiros espalhados pelas 20 equipes da primeira divisão; destes, apenas três vieram de outro continente.

O alto número forçou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) a aumentar o limite de não-brasileiros por partida, de três para cinco atletas, em 2014. Neste ano foi a vez de o Botafogo pressionar a federação fluminense para equiparar a cota de estrangeiros do estadual à das competições nacionais. Deu certo.

Último levantamento oficial da CBF contabilizou 90 gringos dentre as Séries A, B, C e D de 2015 - dos quais 71 latinos: 25 argentinos, 16 uruguaios, 12 colombianos, dez paraguaios, seis chilenos, um boliviano e um peruano.

É o caso do meia argentino Marcelo Cañete, revelado pelo Boca Juniors e negociado com o São Paulo em 2011. “Tive a oportunidade de vir ao Brasil algumas vezes atuando pela base do Boca e, desde aquela época, já admirava o futebol brasileiro. Percebia a qualidade técnica daqui e via uma ótima oportunidade de fazer meu futebol evoluir”, conta o atual camisa 10 do São Bernardo Esporte Clube.

Outro exemplo, o paraguaio Pablo Escobar rodou clubes como Ipatinga, Santo André, Mirassol e Botafogo de Ribeirão Preto, entre 2008 e 2011, até assumir a 10 do tradicional Strongest, da Bolívia.

“O principal motivo para essa grande presença de latinos é o econômico. O futebol argentino não pode competir com os salários dos brasileiros”, sentencia o jornalista Juan Pablo Mendez, há 20 anos no diário Olé.

“Para muitos é um alívio. O Vélez vendeu Lucas Pratto ao Atlético Mineiro porque, com seu nível salarial, ficou impossível mantê-lo. Para o Vélez é melhor vender Pratto para um clube brasileiro do que um argentino, porque os torcedores não terão que sofrer vendo ele num rival”. Mendez se refere ao 4º estrangeiro mais “caro” do futebol brasileiro, avaliado em R$ 20,4 milhões.

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foto por: Clube Atlético Mineiro
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Lucas Pratto, do Galo, é o 4º estrangeiro mais 'caro' do futebol brasileiro, avaliado em R$ 20,4 milhões

A empresa de auditoria BDO RCS chegou a apontar o boom econômico do nosso futebol num estudo de 2012, quando elegeu o mercado brasileiro o 6º maior do mundo, à frente de países tradicionais como a Holanda. No entanto, a previsão otimista de ultrapassar o mercado francês e se aproximar do topo esbarrou na crise nacional e internacional dos últimos anos.

“Mesmo com a desvalorização da moeda no Brasil, os clubes ainda são financeiramente mais fortes do que nos outros países latinos, tirando o México, onde existem muitos brasileiros”, analisa o diretor de esportes da BDO, Pedro Daniel.

O jornalista Vitor Birner explica que a diferença não acontece apenas com jogadores latinos, mas também com treinadores. “Quanto você acha que custaria um treinador brasileiro que ganhou nos últimos anos duas Libertadores?”, pergunta. “Um argentino como o Edgardo Bauza custa algo como R$ 150 mil por mês ao São Paulo − a metade do salário do Tite”.

Editor da “De Cabeza”, revista chilena especializada em futebol, Nicolás Vidal afirma que seu país importa jogadores latinos há mais de 20 anos. “Talvez o Brasil venha se adaptando a essa tendência”, explica. Jorge Valdívia, Charles Aránguiz, Mena e Eduardo Vargas passaram por equipes brasileiras antes, durante ou depois de conquistarem a Copa América com a seleção do Chile. “No Brasil é diferente porque se produziu uma grande inflação de salários e ‘passes’ pagos, possibilitando contratações milionárias antes impensáveis”, continua Vidal.

Comentarista do programa “Cartão Verde”, da TV Cultura, Vitor Birner acredita que o Brasil demorou a procurar por talentos latinos por causa do preconceito contra o futebol estrangeiro. Além do corporativismo, forte entre os técnicos, cita a desconfiança. “O jogador vinha pra cá e olhavam torto. Hoje em dia, pro bem não só do futebol mas do próprio mundo, as pessoas estão perdendo um pouquinho desse lado pífio da noção de pátria”.

Salários e força econômica não explicam sozinhos os 71 latinos no futebol brasileiro em 2015. Mendez acrescenta o fator tático para traduzir o fenômeno da supremacia absoluta de argentinos entre eles: “Houve êxito de alguns jogadores sobretudo na posição de meia-ofensivo, o chamado enganche, o que levou o Brasil a pôr seus olhos na Argentina”.

Ele enumera uma lista de conterrâneos que passaram com sucesso por times brasileiros na posição identificada com a criação de jogadas: Darío Conca (Vasco e Fluminense), Montillo (Cruzeiro e Santos), Bottinelli (Flamengo), D’Alessandro (Internacional)…

Birner é taxativo na hora de ampliar o leque das vantagens dos latinos, também, para o lado do comportamento dentro da cancha.

“Vemos argentinos, uruguaios, paraguaios, chilenos ganharem aqui dentro com muita inteligência, coletividade e garra. O atleta sul-americano agrega além da questão técnica”.

Falando em nome do site “Futebol Portenho” − pioneiro na cobertura especializada do esporte na Argentina para o Brasil −, Caio Brandão faz uma ressalva importante: “Embora os clubes brasileiros tenham logrado força contínua na Libertadores, essa ascensão ainda não prevalece à altura da força econômica do futebol brasileiro”. Ou seja, resultado e investimento ainda encontram grande disparidade.

Quando situamos o poderio do mercado brasileiro no futebol sul-americano, fica inevitável a comparação com a “rapa” promovida pelos chineses por aqui nos anos recentes. Em 2015 e 2016, torcedores dos últimos campeões nacionais, Cruzeiro e Corinthians, assistiram a debandada dos principais protagonistas nestas conquistas. Ricardo Goulart, Éverton Ribeiro, Jádson, Renato Augusto e outros atletas não resistiram às cifras mensais na casa dos milhões, oferecidas pelos ricos clubes da China.

Pedro Daniel, da BDO, vai além no paralelo e relembra os assédios recentes do exterior: “O Japão fez isso no mercado brasileiro na década de 90; o leste europeu, os ucranianos, os russos já fizeram isso aqui no Brasil. E o Brasil fez muito isso na Argentina nos últimos anos. O câmbio extremamente desvalorizado desses países, se comparado ao Real, facilitou com que levássemos algumas das principais estrelas deles”. Então, somos a China do continente? “Ah, mas não tenha a menor dúvida disso”, responde Vitor Birner. “E se você tirar só do âmbito do futebol, nós somos os Estados Unidos da América do Sul”.

‎FOTO CAPA (AGENCIA ANDES): O ARGENTINO EDGARDO BAUZA, TREINADOR DO SÃO PAULO

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