Dez escritores brasileiros que você precisa ler
Cultura

Dez escritores brasileiros que você precisa ler

O Brasil tem uma vasta tradição literária, mas aqui ousamos apontar nomes imperdíveis contemporâneos, dentre eles Cristóvam Tezza e Bernardo Carvalho

em 29/07/2016 • 12h54
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O escritor e acadêmico italiano Umberto Eco, que morreu em fevereiro deste ano, era um intelectual apaixonado por listas, tanto que dedicou estudos ao assunto, como o que resultou no livro A vertigem das listas. Mas todos sabem que não é fácil fazer esse tipo de relação. Ou melhor, fácil até é, mas é praticamente impossível criar uma lista precisa e unânime – seja ela de músicas, receitas, cidades turísticas ou qualquer outro tema. Quando me pediram uma matéria que elencasse os nomes dos principais escritores brasileiros em atividade, sabia que a missão seria bem complicada.

Tenho minhas preferências, claro. Marcelo Mirisola, autor de O herói devolvido e O azul do filho morto, dentre outros, é ótimo com seus personagens que tomam cerveja e comem amendoim em qualquer boteco do centro de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Apesar de ter poucos trabalhos ficcionais publicados, Bernardo Kucinski realizou em K e Você vai voltar pra mim dois dos melhores quadros do Brasil na época da nossa mais recente ditadura, com uma abordagem extremamente pessoal. Tem também o praticamente inquestionável Raduan Nassar e seu Lavoura arcaica.

Mas fui ouvir outras pessoas que trabalham diretamente com a literatura nacional. Rita Couto, mestre em Semiótica das Literaturas e professora de Literatura de Expressão Portuguesa, esquivou-se de apontar nomes. “Essa pergunta é uma pegadinha. Se eu esquecer um deles perderei até o sono. Conheço dois grandes críticos literários que foram massacrados, linchados verbalmente por criarem suas listas”, argumentou, mas fez uma análise de como nossas letras estão neste momento.

“Nossa literatura é riquíssima em sua linguagem e inventividade. É crítica também de seu tempo. Fala da realidade brasileira com muita arte e ironia até. Não são poucos os escritores que denunciam nossas mazelas e nos levam a compreender as profundas mudanças socioculturais porque passamos no momento. Alguém precisa fazer isso sem cair em clichês ou lugares comuns. Alguém tem que ser a voz dos menos favorecidos e dos que foram iludidos com promessas…

'É uma literatura que tira o véu que cobre nossa cegueira. Denuncia e é corajosa. Estamos anestesiados nesse mundo das redes sociais e do imediatismo. Acredito que só a literatura possa ir contra o efêmero de tudo que vivemos hoje. Como diz Cristóvão Tezza: 'A boa literatura é sempre uma janela escancarada para o mundo’. E a literatura brasileira contemporânea faz isso. A prosa e a poesia. Basta você ir até ela'.

Rita falou de Tezza (foto acima). Se fosse fazer uma lista completamente minha, sem dúvidas que o autor de O filho eterno seria um dos nomes. Só não falei dele, aliás, porque o outro colega que convidei para dar uma força na empreitada, o jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto, o citou.

A LISTA

Quais escritores vivos em 2016 estarão obrigatoriamente, de modo incontornável, numa história da literatura brasileira que alguém for escrever daqui a 50 anos?

Dalton Trevisan

Autor de livros como O vampiro de Curitiba e Novelas nada exemplares, segundo Manuel, “Dalton e sua geração abriram as portas para uma representação cada vez mais singularizada de vivências subjetivas que, ao mesmo tempo, são uma fresta pela qual pode-se ver as tensões que marcam a experiência de viver hoje no Brasil”.

Sérgio Sant’Anna

Como Trevisan, aposta principalmente no cenário urbano e se destaca pelos seus contos. Em texto para o Suplemento Pernambuco, Ronaldo Bressane, por conta de trabalhos como O homem-mulher e As antenas da raça, o tratou como “um escritor reflexivo”, mas com “diabólicas aberturas para o mundo exterior”.

Lygia Fagundes Telles

Detentora de prêmios diversos, como o Jabuti e Camões, Lygia está com 92 anos e é reconhecida tanto por romances como Cirande de Pedra e As meninas quanto por coletâneas de contos na linha de Invenção e memória.

Milton Hatoum

foto por: Fernanda Porto
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Milton Hatoum

Costuma ser um dos primeiros nomes mencionados em qualquer conversa sobre escritores brasileiros contemporâneos de destaque. Com uma obra cujo respeito extrapolou há muito as fronteiras do país – é bastante conceituado e conhecido na França, por exemplo -, é frequentemente associado à forma que representa os povos que imigraram para a região norte do Brasil. Dois irmãos, um de seus principais livros, foi recentemente adaptado para os quadrinhos por Fábio Moon e Gabriel Bá.

Cristovão Tezza (foto)

Apesar do respeito de seus pares acompanhar Tezza desde a década de 1990, ao menos, foi pelos anos 2000 que seu nome estourou definitivamente no país. Com O filho eterno, de 2007, uma narrativa sobre a dificuldade de um pai em aceitar o rebento com síndrome de down, ganhou praticamente todos os prêmios literários nacionais, o que o colocou incontornavelmente no hall dos grandes escritores contemporâneos.

Adélia Prado

Mineira cujos poemas são marcados pela exposição da condição de mulher – condição essa muitas vezes permeadas por um cotidiano bastante influenciado por elementos do cristianismo –, tem o livro O coração disparado como um dos trabalhos mais reconhecidos.

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Bernardo Carvalho

Bernardo Carvalho está com 55 anos, mas por volta dos 40 já era apontado como um dos principais nomes da literatura no Brasil, condição que alcançou graças a romances de prestígio, como Onze, Mongólia e Nove Noites. Sua última narrativa longa, Reprodução, lançada em 2013, ironiza o comportamento de boa parte dos usuários da internet, apresentando um personagem estupidificado, apontado como um representante da época que vivemos.

Luiz Ruffato

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Luiz Ruffato

Estreou em 2011 no romance com Eram muitos cavalos, que até hoje continua sendo o primeiro livro citado quase sempre que seu nome é mencionado. Um retrato de São Paulo – e, por consequência, das grandes metrópoles brasileiras no século XXI –, o título compõe um painel de obras que personificam a atual condição do povo brasileiro – outro fragmento desse painel, talvez o mais recente, é o ótimo Luxúria, de Fernando Bonassi.

Augusto de Campos

Um dos principais nomes da poesia concreta nacional – movimento do qual foi um dos líderes e articuladores –, seus versos muitas vezes são tratados como “despoemas” e costumam exigir do leitor interpretações que vão além do que está sendo dito pelas letras ou palavras. Seu poema mais reconhecido é o “Viva vaia”.

Ferreira Gullar

É o poeta brasileiro mais famoso ainda vivo e ultimamente tem aparecido na mídia mais envolvido com polêmicas ligadas à política e, vez ou outra, à arte contemporânea do que pelas suas criações em si. Mas isso não diminui a obra que conta com trabalhos históricos, como o célebre Poema sujo.

“O brasileiro, na sua grande maioria, é mal educado, inculto e iletrado”          

Ainda sobre a nossa literatura de hoje, Manuel explica que não poderia dizer se ela é forte, mediana ou fraca. “Mas talvez dê para dizer que não há mais um escritor que dá a cara da literatura brasileira – como aconteceu no passado com Guimarães Rosa e Clarice Lispector, Drummond, Cabral e os concretos. Mas isso também se aplica à literatura de outros países. Enfim, vivemos em todo mundo um momento em que a literatura não tem mais o peso que teve no espaço público. O que não quer dizer que não haja grandes escritores, é só uma questão do peso específico da literatura na realidade”, completa.

Palavras que vão ao encontro de uma queixa de Rita, que lamenta nossos autores contemporâneos – sejam os listados ou não – serem pouco lidos e conhecidos. “O brasileiro, na sua grande maioria, é mal educado, inculto e iletrado. Quando o hábito da boa leitura não vem de casa deveria vir da escola e não acho que isso está acontecendo. E não estou falando da cultura ligada à condição social. Outro dia, dentro de uma livraria num shopping de classe alta em São Paulo escutei um pai dizer a sua filha: ‘Por que você quer esse livro? Não prefere o último modelo da Barbie?’. Ainda bem que toda regra tem sua exceção. E esses que escapam da mediocridade e do modismo da vida, formam a sociedade secreta dos leitores que leem bons livros”.

E se alguém chegou até aqui e procura por bons livros, com certeza os encontrará procurando pelos escritores acima indicados – mas não só dentre eles, vale deixar claro. Há muita gente fazendo boa literatura no país, uma vasculhada nas bibliotecas ou livrarias comprova isso.

Em tempo, todos os nomes citados por Manuel em sua entrevista foram: Adélia Prado, Age de Carvalho, Armando Freitas, Augusto de Campos, Bernardo Ajzenberg, Bernardo Carvalho, Carlito Azevedo, Cristovão Tezza, Dalton Trevisan, Fernando Bonassi, Ferreira Gullar, Francisco Alvim, Frederico Barbosa, Heitor Ferraz, Ignácio de Loyola Brandão, João Gilberto Noll, Júlio Castañon Guimarães, Luiz Ruffato, Lygia Fagundes Telles, Marçal Aquino, Milton Hatoum, Modesto Carone, Nelson Ascher, Nelson de Oliveira, Nuno Ramos, Paulo Henriques Britto, Rubem Fonseca, Sérgio Sant’Anna, Teixeira Coelho e Zulmira Ribeiro Tavares

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