As mulheres que combatem notícias falsas na América Latina
Sociedade

As mulheres que combatem notícias falsas na América Latina

Conheça os sites que fazem a checagem de informações que nem sempre são verdadeiras e acabam se espalhando pela internet após serem dadas como corretas pelas mídias tradicionais

em 16/05/2017 • 15h30
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Mulheres de cinco países da América Latina estão na linha de frente de combate às informações inverídicas que diariamente invadem as redes sociais e se espalham feito um vírus pela internet. A praga vem sendo chamada de pós-verdade, um jeito de tornar moderno o velho boato. Um levantamento feito pela Calle2 mostra que na Argentina, Brasil, Equador, México e Peru, os sites dos fact-checkers, ou checadores da veracidade de informações, são coordenados ou liderados por mulheres.

Como checar informações é algo que jornalistas já faziam ou deveriam fazer, o fact-checking com o tempo passou a ser um símbolo de novos projetos de jornalismo pelo mundo. Os políticos, claro, são os principais alvos. O México, por exemplo, tem 119 milhões de habitantes e o governo do presidente Enrique Peña Nieto anunciou em 2015 que 3,1 millones de mexicanos ya no pasan hambre”. Ou seja: afirmou que seu principal programa social era um sucesso e que 2,6% da população já não passava fome.

A editora do El Sabueso, Tania Montalvo, foi checar a afirmação de Peña Nieto e descobriu que a informação era enganosa. “Fomos verificar e descobrimos que não havia dados para apoiar a alegação. Na sequência, o governo mudou o sentido discursivo da campanha, pois sua credibilidade estava perdida. Atualmente nem faz mais propaganda desse programa social”, diz Montalvo.

El Sabueso – Animal Político (México)

El Sabueso surgiu em 2015, dentro do site jornalístico Animal Político. Montalvo e sua equipe costumam verificar frases e promessas de qualquer nível da política e governo no México.

“Frases falsas são comuns no México. E isso geralmente aumenta porque a mídia tradicional repete o discurso dos políticos sem buscar dados que confirmem o que eles dizem.

Já tivemos checagens em que a mídia tradicional publicou um fato e nós dissemos que era um erro”, afirma Montalvo.

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A mexicana Tania Montalvo, editora do El Sabueso (Animal Político)

Agência Lupa (Brasil)

Os checadores brasileiros são unânimes em afirmar que o linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, acusada injustamente em 2014 de ser uma sequestradora em um boato no Facebook e que acabou sendo morta no Guarujá (SP) por conta disso, é um triste exemplo do perigo das informações falsas.

“Ela morreu de notícia falsa”, diz Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa. Segundo ela, se o Brasil “não tem um Donald Trump fabricando notícias falsas ou informação truncada a cada tuite”, há sites “sem escrúpulos, só interessados em dinheiro” que publicam diariamente notícias falsas em busca de cliques e centavos do AdSense (serviço de publicidade oferecido pelo Google para sites em geral).

A Agência Lupa é uma derivação de um projeto que Tardáguila lançou em 2014 no jornal O Globo ‒ o Preto no Branco. Em novembro de 2015 ela passou a atuar como startup (empresa iniciante de base tecnológica) incubada dentro da revista Piauí e recebeu um aporte de investimento da editora Alvinegra. A equipe faz checagens que não se restringem a um assunto, apenas nos anos eleitorais eleição o foco efetivamente é política. A empresa já fez, por exemplo, checagem sobre se o remédio Oxyboldine tirava a ressaca mesmo (na época do Carnaval).

Aos Fatos (Brasil)

Outro grande exemplo no Brasil de fact-checking é o site Aos Fatos, criado em julho de 2015. Ele cobre sobretudo política nacional e questões locais com relevância nacional. Há ainda a checagem do discurso de autoridades, além de peças publicitárias, documentos e declarações públicas.

“Estamos em um país com altíssimo número de analfabetos funcionais, de modo que a informação, verídica ou não, chega ainda a um grupo seleto de pessoas. Há falta de uma cultura informativa saudável na elite brasileira, de uma educação que estimule o desenvolvimento de capacidades críticas. Isso tudo contribui para a disseminação da desinformação. Mas não acredito, por ora, em um cataclisma provocado unicamente por boatos”, analisa Tai Nalon, diretora de Aos Fatos.

O Aos Fatos costuma checar virais de internet, que podem ou não conter informações falsas e podem ou não estar em formato noticioso. “Normalmente, os grandes virais sequer estão em formato clássico de notícia, de modo que o termo ‘notícia falsa’ não é conceitualmente preciso”, ressalva.

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Tai Nalon, diretora do brasileiro Aos Fatos, fundado em 2015

Chequeado (Argentina)

Um dos projetos mais antigos e bem-sucedidos de fact-checking na América Latina é o Chequeado, na Argentina, que começou em 2010. O site trata de questões políticas, econômicas e sociais fundamentalmente. Laura Zommer, a diretora-executiva, é jornalista, advogada e ativista do acesso à informação pública e da abertura de dados.

“A verificação de notícias nesse momento do país é crucial porque a tecnologia possibilitou a produção e circulação de notícias falsas, que sempre existiram, mas agora se multiplicaram em excesso afetando o direito dos cidadãos à informação”, comenta.

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El Verificador – Gkillcity (Equador)

No Equador, as eleições presidenciais terminaram no dia 2 de abril com vitória apertada do candidato governista Lenín Moreno no segundo turno, com 51,1% dos votos. O candidato da oposição Guillermo Lasso ficou com 48,8%, mas disse que houve fraude e pediu a recontagem dos votos. Muitos apoiadores dele foram para a rua protestar – em alguns casos motivamos por boatos.

“Durante as eleições, compartilharam muitas imagens e vídeos de supostas fraudes. Mas foi verificado que algumas imagens eram velhas, alteradas ou fora de contexto, como um senhor deficiente que preencheu sua cédula em seu carro e depois foi acusado de preencher várias cédulas. Estas imagens causaram grande descontentamento e muitos equatorianos foram às ruas para protestar contra a fraude eleitoral em 19 de fevereiro”, conta Lisette Arévalo, editora do projeto El Verificador, seção de fact-checking do site Gkillcity, fundado no ano passado.

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A equatoriana Lisette Arévalo, editora do El Verificador, seção de fact-checking do Gkillcity

Ojo Público (Peru)

No Peru, em março, inundações causadas pelas intensas chuvas em todo o  país  provocaram a morte de 98 pessoas. Várias cidades também ficaram sem abastecimento de água. Uma série de rumores foi difundida pelo Whatsapp, Twitter e Facebook dando conta de que a falta de água seria duradoura, que o governo iria privatizar o abastecimento ou que seria necessário estocar água.

Fabiola Torres, co-fundadora e editora do Ojo Público, site de jornalismo investigativo do país, afirma que esse foi o sinal mais recente do poder dos boatos. “No Peru temos páginas na internet com aparência de similaridade com sites de notícias sérios, mas que são hospedados fora do país e só disseminam mentiras. Recentemente divulgaram que os peruanos poderiam entrar por 80 dias nos EUA sem visto. A embaixada dos EUA teve que desmentir rápido para evitar problemas”, conta.

FOTO: Fabiola Torres, co-fundadora e editora do site peruano Ojo Público

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