A visão feminina (e feminista) da composição
Cultura

A visão feminina (e feminista) da composição

“Tango sempre foi feito por homem e tem concepção machista. Hoje temos consciência que podemos nos juntar”, diz Andrea Bazán, cantautora argentina que reside no Brasil

em 11/07/2016 • 12h20
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O primeiro despertar para o ofício da música foi aos 17, quando a argentina Andrea Bazán começou os estudos de violão clássico em Buenos Aires. Tocou em diversos grupos de tango e acabou se encontrando, tempos depois, nas canções de raiz folclórica. Entre idas e vindas de aventura musical no Brasil, ela acabou se enamorando da histórica Ouro Preto (MG). Mudou de vez para a região em 2009, quando formou nova família.

Em 2015, a solista passou a integrar o Minas da Voz, coletivo de mulheres autoras, ao lado de Cássia Silva, Luiza Gaião, Thaiz Cantasini e Mo Maiê. “O intuito do grupo foi mesmo se juntar para fortalecer essa ideia da mulher compositora. De uma visão feminina da composição”, explica Andrea.

O coletivo é diverso. Cada uma traz uma bagagem diferente de leituras e ritmos. “A Thaiz e a Maiê tem essa coisa mais afro-brasileira. A Luiza, a parte latina: é filha de chilena. A Cássia sempre tocou samba e compõe xote. Fomos nos adaptando umas às músicas das outras. Aprendendo ritmos novos. Eu nunca tinha tocado algo como o xote”, conta a violonista.

O grupo, juntamente com o projeto Ninfeias – Núcleo de Investigações Feministas, que atua na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), participará em julho do eX-cêntrico, evento bienal do Hemispheric Institute Encuentros! (Universidade de Nova York), que congrega performance e política. A edição 2016 será realizada em Santiago do Chile.

Ninfeias é um projeto que surgiu em 2013 para substituir outra extensão chamada Madalenas, que abrigava um espaço de discussão do feminismo na universidade. Com Nina Caetano, performer, pesquisadora e professora da pós-graduação de artes cênicas da UFOP à frente, ele acabou indo além dos objetivos iniciais de atividades artísticas e se transformou em um grupo de acolhimento e apoio da mulher que sofre violência.

A cantautora e mestranda da UFOP, Thaiz Cantasini, é uma das intersecções entre o Ninfeias e o Minas da voz. “O grande motor do feminismo é sair do silêncio. Esses espaços de conversa entre mulheres é muito importante. Você se identifica. Se reconhece na outra”, diz a artista.

Para ela, o feminismo se potencializou em toda a América Latina nos últimos dez, vinte anos, devido à retirada de direitos adquiridos pelas mulheres nas últimas décadas.

“Há um levante feminista em resposta à violência étnica: o extermínio das mulheres negras, indígenas e latino-americanas. Há uma resposta por sobrevivência”, explica.

Em junho, a campanha #niunamenos, um grito coletivo contra o machismo, tomou novamente as ruas de Buenos Aires e as redes sociais das Américas. A campanha surgiu em 2015 na Argentina diante da necessidade de dar um basta no feminicídio no país. Políticas públicas de atendimento às vítimas de violência sexual foram anuladas na capital argentina durante o mandato de oito anos do então prefeito Mauricio Macri  − agora presidente do país.

Para Andrea, os cidadãos argentinos sempre tiveram mais tradição de ir para a rua e reivindicar seus direitos do que os brasileiros. “No final de junho aconteceu uma marcha contra o assassinato de transexuais em Buenos Aires. Acho que não posso falar que são movimentos separados. Ambos são contra o machismo”, complementa.

Apesar da comparação, a violonista observa que o feminismo no Brasil está mais visível. Em junho, o estupro coletivo de uma jovem no Rio de Janeiro motivou protestos pelas capitais brasileiras.  “Acredito que a internet ajuda muito. Com 15 anos nunca tinha ouvido falar sobre feminismo”, conta.

No cenário musical, ela vê uma notória ocupação crescente das mulheres em todos os espaços. “Ontem estava pensando que só estudei com homens. Tango sempre foi feito por homem e tem concepção machista. Hoje tomamos consciência que podemos nos juntar”, diz.

A professora Nina acredita que as brasileiras ficam mais à margem dos movimentos feministas latino-americanos por uma perspectiva cultural. Não só a diferença de língua, mas de uma limitação perante a visão ainda colonizada.

“A democracia aqui vai e volta. Nas Américas isso ocorre de modo contínuo. O processo de redemocratização na Argentina continuou: houve a punição dos ditadores. No Brasil é tudo cordial e escondido. Existe um medo ou preguiça de tratar nosso passado e a gente tende a naturalizá-lo”, diz.

Segundo ela, um grande problema ainda é que os brasileiros tratam problemas de ordem patriarcal como se fossem individuais. “Muitos países na América usam o termo feminicídio. O Equador, por exemplo. No Brasil é recente e ainda não foi adotado de fato”, lembra.

Já Thaiz observa que a mulher latina tem um apelo político: um “sangue no olho”. “Acho que pelo processos de colonização. O corpo colonizado, o território colonizado… Ela foi subestimada pela história contada por homens. A mulher ficou muito para trás na independência, porque a sociedade é patriarcal. Ela tem essa gana, essa vontade de mudança”, resume.

Agenda

eX-cêntrico: dissidência soberanias performance

De 17 a 23 de julho, em Santiago do Chile. Performance ‘Dançar é uma revolução’ com Minas da Voz e Ninfeias. Programação completa em breve no site.

Sonora – Ciclo Internacional de Compositoras

Entre os dias 5 e 7 de agosto, no Mina Du Veloso (Ouro Preto), Biblioteca do Dragão (Passagem) e Sagarana Café Teatro (Mariana). Show com Minas da Voz. Programação final em breve na página do Facebook.


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