Desde a década de 1980, dez países na América Latina fizeram grandes reformas em seus sistemas previdenciários: Chile, Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México, Peru, República Dominicana e Uruguai. Porém, em todas essas nações a situação previdenciária não é estável porque faltou incentivar o emprego formal, a arrecadação e a transparência das mudanças feitas.
A Calle2 entrevistou um dos maiores estudiosos do mundo sobre regimes previdenciários da região, o espanhol Ángel Melguizo. O grande desafio dos países da América Latina, para ele, é diminuir a informalidade dos trabalhadores. Na informalidade, os trabalhadores não contribuem para a Previdência.
“Sem resolver a informalidade de trabalhadores independentes, mulheres, pobres, classe média e juventude, nenhum sistema previdenciário irá funcionar para erradicar a pobreza na velhice”, afirma o pesquisador, que é economista-chefe para a América Latina da Unidade Centro de Desenvolvimento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e um dos autores do estudo Um Panorama dos Sistemas Previdenciários na América Latina e no Caribe.
Em alguns dos países latino-americanos estudados por Melguizo, menos de 25% da força de trabalho contribuem para o sistema de aposentadorias. Este é o caso de países andinos e da América Central, como Bolívia, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai e Peru. Na Colômbia, República Dominicana e México, apenas de 30% a 40% dos trabalhadores contribuem.
Em países de alta renda da região, como a Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Panamá e Uruguai, entre 50% e 70% dos trabalhadores contribuem, o que ainda é baixo para os padrões internacionais.
E o dado mais preocupante: enquanto 64 de cada 100 assalariados contribuem para um regime de aposentadoria, o mesmo é feito por apenas 17 de 100 trabalhadores informais. “A explicação para esta situação é desafiadora. Há fatores como rendimentos baixos e irregulares, miopia e procrastinação das pessoas. Em outros casos falta fiscalização dos órgãos públicos”, comenta. No Brasil, a informalidade no mercado de trabalho chega a 40%.
Ainda há uma questão de gênero: a taxa média de participação das mulheres no mercado de trabalho na América Latina é de 57% na comparação com 84% dos homens. Além disso, o desafio de cobrir uma parcela maior da sociedade não só afeta os cidadãos mais pobres, mas também a classe média emergente. “Na América Latina, metade dos trabalhadores pertencentes a este grupo são informais, uma proporção que sobe para 6 ou 7 de 10 em países como Colômbia, Peru e México”, revela.
Para Melguizo, é ineficaz apenas aumentar a idade mínima para se aposentar como forma dos sistemas previdenciários arrecadarem mais. Ele dá outras sugestões, como mais fiscalização de órgãos públicos e mais informação e educação financeira sobre os benefícios de contribuir e poupar.
“Também há ações concretas para estimular essa cultura, como mais estímulos ao emprego formal, principalmente de profissões com menores rendimentos. E também a criação de uma pensão antipobreza para todos os cidadãos, porém com regras rígidas e transparência”, opina.
A proposta de reforma brasileira
No Brasil, o relatório final da CPI da Previdência afirma que o problema do sistema previdenciário é de gestão, de fiscalização e de arrecadação. “R$ 30 bilhões são desviados todos os anos e esse dinheiro não está indo para a Previdência”, afirmou o presidente da CPI, senador Paulo Paim. Além da sonegaçãoda contribuição previdenciária, empresas devem cerca de R$ 430 bilhões ao INSS. Esse valor é o triplo do que o governo afirma ser o deficit da Previdência. A cobrança dessa dívida, feita pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), tem um retorno muito baixo, inferior a 1%, segundo reportagem da ONG Repórter Brasil.
A proposta de Reforma da Previdência elaborada pelo governo dificulta o acesso aos benefícios, criando idade mínima e aumentando o tempo de contribuição por parte do trabalhador, mas não prevê incentivar a formalização do mercado de trabalho, aumentar a fiscalização sobre a contribuição e agilizar o processo de cobrança da dívida previdenciária.
Melguizo avalia que a polêmica idade mínima de 65 anos — proposta pelo governo de Michel Temer — é correta se comparada com outros países.
O estudioso defende que reformas sejam feitas, já que a América Latina está envelhecendo rapidamente. No entanto, destaca que uma reforma da Previdência isolada não vai funcionar.
“Deve-se continuar a apostar em políticas para promover a formalidade, como chaves para reavivar o crescimento com a equidade no país”, completa. Ele alerta ainda que não há um tipo de reforma definitiva que vá resolver todos os problemas. “É importante adaptar continuamente os sistemas às novas realidades econômicas e sociais, sempre com transparência e previsibilidade”, afirma.
Boa parte dos sistemas previdenciários no mundo, afirma Melguizo, estão em crise ou em alerta para mudanças nos próximos anos. Há problemas semelhantes como a necessidade de aumentar a cobertura (erradicar a pobreza na velhice e garantir que todos os cidadãos recebam um benefício na aposentadoria); estabelecer equidade (fazer que a cobertura atinja grupos mais vulneráveis, como os pobres e a classe média emergente) e a sustentabilidade fiscal (garantindo recursos para o futuro).