Mick Jagger na boca do povo
Cultura

Mick Jagger na boca do povo

O Rolling Stones e rock star britânico que virou sobremesa em Bogotá

em 13/07/2018 • 12h58
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Numa tarde sem chuva de princípios de março de 2016, em La Candelaria, centro histórico e turístico de Bogotá, Mick Jagger, em jaqueta preta e boné, desceu pela porta traseira do Mercedes Benz prata que o conduzia, transpôs o corredor de vigilantes, policiais e guarda-costas, que na calçada logo se formara a fim de assegurar-lhe recepção tranquila, e adentrou rapidamente o Museo Botero, onde já o esperava Ron Wood. O guitarrista chegara ao local em veículo de mesmo modelo havia dez minutos e não passara despercebido aos olhos de pedestres que naquele momento transitavam pelas imediações, a quem a aglomeração de agentes de segurança na porta do acervo despertara a curiosidade, detendo-lhes o passo.

Em visita guiada – “translated to english” – percorreriam os Stones, na companhia do gerente-geral do Banco de la República (Instituição fundadora do museu, cuja entrada é grátis), toda a mostra de pinturas e esculturas de Fernando Botero, permanecendo em seu interior por quase uma hora, ao longo da qual Wood, colecionador de arte, se mostrou muito interessado pela obra do mestre colombiano.

Enquanto isso, às aforas do museu, correria a Calle 11, de cima a baixo e de baixo a cima, o rumor acerca da visita dos astros às instalações.

Não se tratava de um boato insólito qualquer: ao contrário, era do conhecimento de todos, ao menos entre os fãs, que a lendária banda de rock britânica, em turnê pela América Latina – a “Olé Tour” –, já aterrissara em Bogotá e que, dali a dois dias, se apresentaria a 45 mil afortunados em El Campín, um dos estádios de futebol da capital. Seria o primeiro – e, quem sabe?, último e, portanto, único – concerto de The Rolling Stones na Colômbia. Um concerto ao qual, de antemão, já se podia chamar de “histórico”.

Quando Wood assomou à rua, uma multidão de pessoas, entre fanáticos e curiosos, já aguardava sua saída.

Para um misto de assombro e decepção gerais, o que se seguiu e se viu, contudo, não foi um “duo”, mas um “solo”:

“¿Y Mick Jagger?”.

Wood sorriu, acenou aos fãs com uma mão, agradeceu ao pessoal da segurança com a outra, adentrou pela porta traseira o Mercedes no qual chegara e desapareceu pelos estreitos caminhos do bairro.

Nesse meio tempo, a fim de evitar a multidão e prosseguir em seu recorrido pelo centro histórico de Bogotá como um turista mais, Jagger, à francesa, deixara o Museo Botero pela porta dos fundos. Tomara de assalto a Calle 10 e por ela discretamente descera em direção à Plaza de Bolívar, passando batido, qual uma pedra rolante, pelo majestoso Teatro Colón.

Assim seguiria até o final de seu tour − não fosse o punhado de guarda-espaldas à paisana e policiais que insistiam em escoltá-lo ao longo de toda sua “flânerie” e que logo indiciariam sua presença de celebridade aos transeuntes que por ali passavam. A escolta, dessa maneira um tanto quanto paradoxal, mais que garantir a Mick Jagger proteção, assegurava-lhe visibilidade −  como se, para resguardá-lo, antes fosse necessário expô-lo às luzes de flashes e holofotes.

Os passantes, ao reconhecerem o astro, pronto sacavam os celulares e, à distância estabelecida pelos seguranças, punham-se em seu encalço, tomando-lhe fotos, vídeos, saudando-o em uma espécie de “spanglish”, antecipando-se a ele, interpondo-se em
seu trajeto:

− I love you! –, gritavam-lhe algumas colombianas, a ponto de se lançar.

–  ¡Dele paso! – respondiam, a seu turno, os guarda-costas, ao mesmo tempo, que com os braços apartavam do astro os microfones de repórteres que se acercavam na tentativa de entrevistá-lo.

Talvez porque já acumula mais de cinquenta anos de carreira – e porque em sua agenda de rock star deve estar previsto este tipo de contratempo –, Jagger, em que pese o princípio de alvoroço, não apressava suas passadas nem tampouco se via ansioso.

Na realidade, precisamente a uma quadra da Plaza de Bolívar, atraído por um dos poucos postos-móveis de “obleas” que ocupavam naquela tarde a esquina da Calle 10 com a Carrera 6ª, inclusive se deteve:

“Obleas La Candelaria” ,

lia-se no painel do tímido carrinho, inteiramente pintado em amarelo, sombreado por um guarda-sol de mesma cor.

A “oblea”, manjar tipicamente colombiano, popular entre os bogotanos desde meados da década de 1970, não passa de uma folha delgada e crocante, de formato redondo, qual um disco-bolacha, feita à base de farinha de trigo e recheada, à escolha do freguês, com os mais variados e doces sabores.

À vendedora que tocava aquele posto-móvel, Mick Jagger, sem pronunciar palavra, mas tão somente com os dedos, qual uma criança que ainda não soubesse nomear as cores que tem diante de si, apontou os recipientes de vidro que continham “arequipe” (doce de leite) e “salsa de mora” (pasta de amora).

Há 14 anos à frente daquele carrinho, a julgar pelas câmeras, pela escolta e pelos curiosos que cercavam seu freguês, Janeth Gutiérrez deduziu tratar-se de uma celebridade, mas nele não reconhecera de imediato o rock star. Em todo caso, pronto lhe atendeu, preparando-lhe e oferecendo-lhe o quitute, ao que Jagger, tendo-o em mãos, não resistiu a uma primeira mordida.

Naquele instante fortuito, Gutiérrez, até então anônima, tirava a sorte grande e ainda não o sabia.

Um dos guarda-espaldas do astro, dirigindo-se a ela, perguntou-lhe quanto lhe pagavam. Ela apenas lhes apontou a lista de preços afixada em seu carrinho:

“Con 2 sabores = $1.500 pesos” (cerca de R$ 1,50).

Jagger meteu as mãos nos bolsos de sua calça para sacar algum papel-moeda, ao que seu agente de segurança, possivelmente julgando se tratar de movimento imprudente, súbito o conteve, voltando-se outra vez à vendedora:

– ¿Pesos o dólares? –, arguiu-lhe, com alguma pressa.

– Pues yo recibo a los dos. –, contestou-lhe Gutiérrez.

O guarda-costas passou-lhe uma nota de $ 10mil pesos (cerca de R$ 10)  e arrastou Jagger dali antes mesmo que ela tivesse a chance de restituir-lhe o troco.

– I like Rolling Stones! –, ululou ainda alguém.

Mick Jagger, então rodeado por enorme comitiva, traçou o que lhe restava de sua “oblea” ao largo do restante de seu caminho até a Plaza de Bolívar.

“I can’t get no satisfaction”.

Ali, em meio ao empurra-empurra, cercado por
flashes de celulares, adentrou em um veículo da polícia e não mais foi visto naquela tarde.

Na tarde e na noite do mesmo dia, 8 de março de 2016, fotos e vídeos de Jagger flanando pelo centro histórico de Bogotá, comprando e comendo ali a sobremesa local, seriam postadas em redes sociais online por todos os passantes que, munidos de câmeras e celulares, com o rock star haviam topado durante seu tour. As imagens, compartilhadas de maneira exponencial, rápido viralizariam na web, assegurando ao episódio – e também às “obleas” –, nos dias que se lhe seguiram, visibilidade e repercussão até mesmo em meios de comunicação de massa, periódicos impressos e televisivos, nacionais e estrangeiros.*

Assim, em 14 de março, lia-se em matéria publicada pela editoria de Cultura y Entretenimiento do portal do colombiano El Tiempo:

La oblea, un delicioso postre más allá de mick jagger

Este postre, hecho con harina de trigo, es el más famoso de los últimos días en la capital.

La imagen del líder de los Rolling Stones, Mick Jagger, comiendo oblea se paseó por los medios de todo el mundo y puso de moda este postre, que hace parte de los tradicionales productos que se venden en el barrio de La Candelaria […] (El Tiempo)

Já no dia seguinte à visita de Mick Jagger a seu posto-móvel, Janeth Gutiérrez constatava uma maior procura por suas “obleas”. Passada uma semana, como que por milagre, via suas vendas saltarem de 50 a 100 quitutes a diário – o que representava um incremento de 100% no consumo dos doces em comparação ao período que antecedera a passagem do astro pelo bairro.

A comerciante, nesse interim, ampliaria a oferta de recheios de seu carrinho (que passariam de 5 a 11 variedades), batizando com a alcunha de “Mick” aquela “oblea” recheada de “mora” e “arequipe”, posta em moda pelo rock star. Também repaginaria seu pequeno veículo amarelo de quatro rodas, estampando-o com a língua-símbolo dos Rolling Stones, o slogan “obleas mick jagger” e uma caricatura do vocalista.

O gesto de Gutiérrez – homenagem? estratégia semiótica publicitária? rendição ao imperialismo? – agregava à sua “oblea”, doce local e popular, um valor simbólico global e massivo, convertendo Mick Jagger em sua espécie de garoto-propaganda e a “oblea” de amora e doce de leite em seu carro-chefe. Uma “oblea” − quer ao gosto dos colombianos, quer ao gosto dos estrangeiros − com sabor glocal (conceito oriundo da Antropologia que designa, de maneira geral, estruturas, objetos e práticas resultantes da fusão entre o “global” e o “local”).

Alçado a sub-atração turística de Bogotá, o posto-móvel “obleas mick jagger” não mais se moveria da esquina em que o líder dos Rolling Stones o conhecera como “obleas la candelaria”. Hoje é possível identificá-lo, inclusive, como uma “docería” no site de buscas Google, no qual aparece com endereço (Calle 10 # 6) e horário de funcionamento (de 12h às 19h30, de domingo a sexta-feira).

A iniciativa e o sucesso mercantis de Janeth Gutiérrez mostrariam-se tão exitosos que em pouco tempo inspirariam, no quarteirão, algumas tantas imitações – até mesmo entre comerciantes vizinhos que não são exatamente fãs do astro.

Assim, à frente do “obleas rolling stones” (uma destas imitações), está Olga Lucía Penedo, de 55, senhora de pequena estatura, olhos claros, avental e boné brancos. A comerciante já leva 25 anos preparando e vendendo as “obleas”. Vende, em média, segundo afirma, “digamos que cincuenta” delas por dia. Começou a fazê-lo quando nasceu sua filha, Lucía Alejandra Penedo, de 25, quem hoje a ajuda no ofício informal durante os finss de semana. Perguntada se gosta de Mick Jagger, confessa, católica, bem baixinho:

– No… la verdad es que a mí me parece satánico.

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*   Esta crônica é, precisamente, uma reconstrução (ou paráfrase) narrativa-literária de um punhado de notas, notícias, fotografias e vídeos acerca do episódio, publicados entre 8 e 17 de março de 2016, nos seguintes periódicos colombianos: El Colombiano, Nación, Caracol Radio, El Tiempo, Semana, Publimetro. Está acrescida, ademais, por apuração própria, in loco, realizada em princípios de agosto do mesmo ano.‎

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