Juan Guaidó, o homem que diz ser presidente da Venezuela
Análise

Juan Guaidó, o homem que diz ser presidente da Venezuela

Recém-eleito para a presidência da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, o deputado foi reconhecido como governante interino do país por potências globais

em 06/02/2019 • 23h47
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Nos primeiros dias de fevereiro, a Espanha, a França, o Reino Unido e outros países da União Europeia anunciaram que, após o fim de um prazo de oito dias para que Nicolás Maduro, presidente da Venezuela desde 2013, convocasse eleições gerais, estavam oficialmente reconhecendo o então deputado Juan Gerardo Guaidó Márquez, de 35 anos, como governante interino do país sul-americano, se reportando somente a ele e sua equipe.

O Brasil, a Colômbia, o Peru, o Equador, o Canadá, além dos Estados Unidos, já tinham assumido essa postura diplomática em janeiro, quando, durante um ato contra Maduro em Caracas, Guaidó se auto-proclamou presidente temporário diante de uma multidão..

Desconhecido até o início deste ano, quando assumiu a presidência da Assembleia Nacional, Guaidó fez o que nem o opositor mais conhecido ao governo de Maduro, Leopoldo López, conseguiu: gerar uma crise política internacional capaz de derrubar o presidente a qualquer momento. Membro-fundador do Voluntad Popular (VP), ao lado de López, ele é um dos poucos políticos do grupo que permaneceram na Venezuela ou que estão em liberdade: enquanto López está preso desde 2014, acusado de incitar a violência em protestos pelo país naquele ano que deixaram cerca de 400 mortos (em 2017, ele foi condenado a 14 anos de prisão), Carlos Vecchio e Lester Toledo, outros nomes do VP, estão exilados no exterior.

A atitude de Guaidó surpreendeu até mesmo um dos primeiros opositores aos governos chavistas: o ex-governador de Miranda, do Primero Justicia (PJ), Henrique Capriles. Derrotado em duas eleições presidenciais (em 2012, teve 44,3% dos votos contra 55% de Hugo Chávez. Com a morte deste, disputou com Nicolás Maduro no ano seguinte, mas perdeu novamente, desta vez por uma diferença de 1,49% dos votos), ele segue sendo um dos principais nomes da oposição a Maduro, apesar de ter perdido protagonismo para López.

À Folha de S. Paulo, ele admitiu que a oposição venezuelana não aprovava a ideia de Guaidó de se declarar presidente desta forma. “Havia a dúvida dentro da oposição de que este ato público teria consequência, levando o governo a fechar a Assembleia Nacional”.

Guaidó, porém, está no espectro político venezuelano desde 2015, quando foi o 86º nome da lista de deputados eleitos para a Assembleia Nacional. À época, ele já fazia da coalizão batizada de Mesa de la Unidad Democrática (MUD), grupo político de oposição ao Gran Polo Patriótico Simón Bolívar (GPPSB), de apoio a Maduro, e que conquistou a maioria das cadeiras do parlamento naquele ano, iniciando a crise entre Executivo e Legislativo que se arrasta desde então.

Em maio do ano passado, quando Maduro foi declarado vencedor novamente das eleições presidenciais pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a Assembleia Nacional deu sinais de romper com o presidente, e assim o fez em janeiro, quando ele prestou o juramento para governar a Venezuela até 2025. Os dados oficiais indicam que Maduro teve 67,8% dos votos, contra 21% do segundo colocado, Henri Falcón, dissidente do chavismo. A oposição já havia decidido não ir às urnas nem apresentar candidatos como forma de protesto, além de pedir que as pessoas não fossem votar.

O CNE afirmou que apenas 46,02% da população compareceu aos locais de votação. Na ocasião, a diretora do órgão, Tibisay Lucena, pediu que os resultados da eleição “fossem respeitados”, mas desde então a oposição acusa o conselho de fazer vistas grossas à fraude eleitoral que manteve Maduro no poder. Os EUA chamaram o processo de “farsa” e Falcón disse, um mês depois, que levaria provas para a ONU sobre a manipulação dos resultados, mas não cumpriu a promessa.

Guaidó, que havia sido escolhido para presidir o parlamento cinco dias antes do juramento de Maduro, em janeiro, foi a público afirmar que a casa consideraria, a partir do dia 10 — início do novo mandato presidencial –, que o cargo estava usurpado por causa das denúncias de fraudes. “A Assembleia Nacional é a única representação legítima do povo”, disse na ocasião. Dali em diante, já sabendo do apoio do Brasil, da Colômbia, dos Estados Unidos e da Organização dos Estados Americanos (OEA), ele precisava apenas de alguns dias até se declarar presidente.

Três dias depois, porém, Guaidó foi detido pelo serviço de inteligência venezuelano, o Sebin (Servicio Bolivariano de Inteligencia Nacional), quando viajava de Caracas para a cidade de Caraballeda, a 40 quilômetros da capital. “Duas caminhonetes nos fecharam na estrada e, então, eles pularam com armas de alto calibre e encapuzados. Não bateram nele, mas disseram que precisavam levá-lo imediatamente”, contou sua esposa, Fabiana Rosales, à imprensa local.

Quando a notícia ganhou o mundo, vários países expressaram “preocupações” com a prisão, incluindo alguns governos neutros na crise venezuelana, como o Uruguai. Liberado meia hora depois, o ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, disse que o ato não foi ordenado pelo governo, mas uma ação “unilateral” do Sebin. Ele afirmou que os responsáveis serão punidos.

A prisão repentina aumentou a pressão sobre o Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano, que viu Guaidó convocar uma grande manifestação no dia 23 de janeiro -- data em que se proclamaria presidente interino diante das milhares de pessoas que o seguiam pelas avenidas.

Guaidó é formado em Engenharia pela Universidad Católica Andrés Bello (UCAB), uma das mais importantes da Venezuela, e tem um curso de pós-graduação em administração pública. Natural de La Guaira, região costeira, a 30 quilômetros de Caracas, ele foi um dos sobreviventes do episódio chamado de “avalanche de Vargas”, em 1999. Na época um adolescente, ele vivia na cidade quando chuvas fortes fizeram com que uma parede de água, pedras e escombros caísse do morro El Ávila, destruindo bairros inteiros e provocando a morte de cerca de 30 mil pessoas em La Guaira.

A carreira política começou também na UCAB, onde ele era representante dos estudantes e chegou a organizar protestos contra o então presidente Hugo Chávez, em 2007. Os movimentos abriram caminho para a única derrota do “comandante” em todo seu período no poder: a derrota do referendo daquele ano para reformar a constituição venezuelana. Em 2009, quando já era conhecido regionalmente, ajudou a fundar o Voluntad Popular ao lado de Leopoldo López. É possível encontrar vídeos na internet onde um ainda jovem Guaidó defendia que a Venezuela deveria ter um sistema público-privado de qualidade, em que a oferta pública fosse tão boa quanto a privada, e que as pessoas não dependessem tanto dos programas oficiais do Estado, ainda que eles tivessem que ser mantidos.

Guaidó entrou na política institucional em 2011, quando foi eleito deputado suplente pelo VP pelo estado de Vargas. Quatro anos depois, assumiu seu primeiro mandato como parlamentar, posição que ocupa até hoje, com cerca de 97 mil votos. O carro-chefe de seu mandato era uma luta pela soberania do país sobre a região de Essequibo, que hoje representa um terço do território da vizinha Guiana. Ele denunciou políticos envolvidos no escândalo de propinas pagas pela construtora brasileira Odebrecht a membros do governo de Vargas e de corrupção na PDVSA, a estatal petrolífera nacional.

Sua escolha para a presidência da Assembleia Nacional, porém, foi um acaso: quando a oposição a Maduro conseguiu a maioria absoluta do parlamento, em dezembro de 2015, os principais partidos que integraram a coalizão vencedora, a Mesa de la Unidad Democrática, acordaram que, a cada ano, um dos líderes partidários assumiria o cargo de forma rotativa.

Em 2019, era a vez da Voluntad Popular assumir, mas o nome do jovem deputado estava longe de ser o favorito. López, que está em prisão domiciliar, e Vecchio, que foi viver nos EUA, estavam fora de cogitação, mas ainda havia Freddy Guevara, que liderou alguns dos protestos mais violentos contra Maduro em 2017 e tinha se tornado outro nome importante da oposição. Procurado pela polícia desde então, Guevara encontrou asilo na embaixada chilena em Caracas, de onde não saiu mais. Com poucos nomes à disposição, restou Guaidó.

“Ele é uma pessoa bastante racional, não é um extremista, não é um louco, não é violento; uma pessoa centrada”, corroborou Capriles à Folha de S.Paulo. Maduro, por sua vez, além de acusá-lo de tentar um golpe de Estado, aponta sua inexperiência política para um cargo desta dimensão. Ele chamou Guaidó de “tiete” e “agente dos Estados Unidos”, além de dizer que ele não é mais do que um “menino brincando de política” e que se trata de um “presidente do Wikipedia” — referência à edição do verbete com seu nome na enciclopédia online.

O deputado assumiu o cargo em um momento difícil da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, mas que perdeu poder depois que o Tribunal Supremo (o STF venezuelano) e o próprio Maduro agiram para criar uma Assembleia Nacional Constituinte “com poderes plenos”. Desde o princípio, Guaidó diz que se vale da constituição venezuelana para remarcar a “ilegitimidade” do atual governo e para chamar para si a função de liderar a transição pacífica à democracia. A situação, por sua vez, diz que sofre uma tentativa de golpe de estado. A decisão mais séria desde a crise foi o rompimento total das relações com os EUA. “A eles nós dizemos: não ao golpismo, não ao intervencionismo, não ao imperialismo”, afirmou Maduro durante um pronunciamento diante de uma multidão em frente ao palácio de Miraflores.

Sem o reconhecimento das potências da UE, dos maiores países da América do Sul, dos EUA e do Canadá, Maduro se apoia internacionalmente na Rússia, grande parceiro perante a comunidade global, e na China. Recentemente, um avião comercial de uma companhia aérea russa fez um voo direto Moscou-Caracas, chamando a atenção da imprensa mundial — a empresa não voa para a América do Sul. Os dois governos não disseram o que ou quem a aeronave transportava.

Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu medidas cautelares para Guaidó e sua família na Venezuela, por considerar que todas as pessoas ao redor dele estão “em situação de gravidade e urgência de risco de danos irreparáveis aos seus direitos”. Iris Varela, ministra dos Serviços Penitenciários, afirmou na semana passada que “a cela de Guaidó já está pronta”.

Nesta semana, Maduro criticou ao jornal espanhol El Mundo o ultimato dado pela União Europeia para convocar eleições gerais. “É como se eu dissesse à UE: ‘Te dou sete dias para que reconheça a república da Catalunha. Se não, vamos tomar medidas”. Ele também afirmou que a Venezuela não vive uma crise humanitária e que a oposição não está lutando de forma limpa.

Com dois presidentes, uma crise econômica grave (a previsão do Banco Mundial era de uma inflação de 1000% no ano passado), além de um caos político e social, a Venezuela ainda precisa esperar pelo fim da queda de braço para saber quem vai governá-la de fato.

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