Filme Roma reconstrói a Cidade do México da infância de Alfonso Cuarón
Cultura

Filme Roma reconstrói a Cidade do México da infância de Alfonso Cuarón

Para converter uma única avenida de umas das metrópoles mais caóticas do mundo a partir das imagens vivas da infância do diretor, a equipe de produção do filme precisou colocar a mão na massa

em 29/03/2019 • 01h47
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Para rodar uma única cena de Roma — vencedor de três prêmios no Oscar deste ano, incluindo Melhor Filme Estrangeiro — ambientada em uma vibrante avenida, os produtores do filme construíram do zero uma imensa réplica de uma via importante da Cidade do México em um lote vazio entre armazéns, onde antes funcionava um estacionamento.

Ali, colocaram carros da época, incluindo um bonde, construíram as fachadas das lojas e converteram uma área usada por caminhoneiros e onde o mato estava crescendo em uma concorrida esquina da capital mexicana.

Roma é um filme autobiográfico de Alfonso Cuarón, que fez o roteiro e o dirigiu, sobre sua vida no início dos anos 1970 no bairro que dá nome à película nos arredores da Cidade do México. Não basta dizer que ele foi muito cuidadoso com os detalhes para fazer o retrato do seu passado: com cerca de US$ 15 milhões (R$ 56 milhões) em mãos, também incluiu na obra uma representação minuciosa da matança estudantil conhecida no México como “El Halconazo”, além de um enorme incêndio florestal apagado de maneira comunitária na época.

Na cena passada no antigo terreno, em que reconstruíram a avenida da época de Cuarón, a protagonista do filme, Cleo (Yalitza Aparício), persegue uma das crianças da família com a qual trabalha enquanto eles caminham em direção ao cinema. O take acaba na esquina entre as avenidas Insurgentes Sur e Eje 3 Baja Califórnia. O diretor queria rodar a cena no local real, mas a vizinhança mudou muito dos anos 1970 pra cá. Além disso, o excesso de carros (a metrópole é a mais congestionada do mundo, segundo o índice Tom Tom, e registra um aumento da frota a cada novo período de licenciamento).

Onde hoje há uma grande estação de ônibus na Insurgentes Sur, os bondes passavam nos anos 1970. Além disso, o cinema que faz parte da cena foi demolido e substituído por um centro comercial. Cuarón, então, considerou substituir a esquina para filmar o take em algum lugar parecido na mesma via, mas depois de procurar por algo que estivesse próximo de suas memórias, desistiu. “[Nos anos 1970] tinha um tipo de cosmopolitismo que não encontrei em nenhum outro lugar”, disse ao jornal mexicano El Universal.

A proposta de usar imagens geradas por computador para que o centro comercial voltasse a ser o cinema dos anos 1970 não foi aprovada pela equipe. O diretor afirmou que queria colocar um componente físico dos personagens se movimentando por ambientes reais, não construídos digitalmente. Foi assim que todo mundo arregaçou as mangas.

Segundo o jornal estadunidense Washington Post, Cuarón trabalhou ao lado de Eugenio Caballero, desenhista da produção, para investigar a fundo todos os aspectos visuais da esquina da Insurgentes Sur com a Eje 3 no início dos anos 1970. Eles usaram fotografias antigas e algumas recordações do próprio diretor para então dimensionar o tamanho real do cruzamento.

Cuarón contou ao El Universal que ele logo notou a necessidade de uma área maior do que a que tinha a disposição para a cena. Uma como a que apenas estúdios profissionais costumam ter — o que não era o seu caso. Assim, recorreu à criatividade: em primeiro lugar, consideraram usar o estacionamento do estádio Azteca, mas depois de uma visita, acharam-no pequeno. As buscas continuaram, apelando até para imagens da capital mexicana feitas via satélite.

Assim, a equipe encontrou um espaço em uma coleção de armazéns perto do prédio da Secretaria de Educação Pública. O terreno estava vazio, com o piso de concreto rachado e o mato na altura dos tornozelos em algumas partes. Caballero e seu time transformaram o lugar com a construção de cabos e trilhos para os bondes, assim como projetaram as lojas e as calçadas.

Cuarón não queria apenas as fachadas iguais: queria que fosse possível entrar nas lojas e que elas estivessem repletas de gente na cena definitiva. Assim, uma agência de viagens também ajudou a mostrar como era a divisão de classes sociais naquela região da cidade. O diretor, porém, admitiu que usou algumas imagens feitas no computador para terminar de preencher o fundo da rua e as partes altas dos edifícios.

No filme, quando Cleo se aproxima da esquina, a tela vibra com a energia dos pedestres e do trânsito, enquanto brilham as luzes da cidade — um “sentimento de estar maravilhado”, descreveu a crítica do jornal New York Times. Para Cuarón, era importante ser o mais fiel possível para voltar a sentir o mesmo que quando cruzava as avenidas na sua infância. “Eu tinha esse sentimento bem presente”, disse. “A emoção que eu sentia ao chegar à avenida em direção ao cinema vindo das ruas mais quietas do meu bairro”, completou.

Depois da cena, o set foi inteiro destruído. O estacionamento segue lá até hoje — agora como um destino turístico vazio.

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