O silêncio de uma Cuba em preto e branco
Fotografia

Um novo olhar sobre Cuba

Ensaio do fotógrafo Gabriel Uchida foge do clichê fotográfico da ilha de Castro; as imagens mostram uma outra Cuba: introspectiva, silenciosa e em processo de transformação

em 11/11/2016 • 09h43
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“Queria algo melancólico, intimista, com fotos que exigissem uma interpretação pessoal tanto minha quanto das outras pessoas que as vissem. Estou mais interessado em semear uma série de questionamentos com essas imagens do que em exatamente mostrar ou revelar alguma coisa. É por isso que não se vê quase nada, apenas traços de cores, nuances de algo. É um ensaio que vai contra a claridade do colorido, contra a obviedade”.

Esse foi o norte que o fotógrafo Gabriel Uchida quis dar em um dos primeiros ensaios que realizou em Cuba, no começo de 2015, logo depois de deixar o Brasil para rodar por alguns outros países e repensar a própria linguagem que emprega em sua arte. Reconhecido até então pelo registro de torcedores em arquibancadas e pelo universo das torcidas organizadas, Uchida queria encontrar liberdade que lhe permitisse se experimentar e ir além da temática que tornou seu nome famoso inclusive no exterior, em países como Alemanha, Argentina e Etiópia.

Assim, rompeu com o registro jornalístico e fez algo diferente de tudo que havia realizado até então no ensaio Silêncio. “Esse ensaio tem uma experimentação técnica e visual que eu não costumava empregar em outras oportunidades. É mais subjetivo, há uma busca por sentimentos, por um minuto de reflexão. Não há uma história clara, com começo meio e fim, não é algo documental. Gosto muito dele por conta disso. É uma linha que pretendo explorar mais, já vinha mesmo buscando fugir do padrão utilizado no jornalismo para tentar ser mais artístico. Em algumas fotos relacionadas ao futebol isso já vinha aparecendo”.

Quando aterrissou em Cuba, encontrou um país que vivia – e ainda vive – um momento histórico. Depois de mais de 50 anos, voltou a ter relações diplomáticas com os Estados Unidos, indício de que novos tempos chegarão à ilha. Não que o olhar do fotógrafo tenha se voltado para os clichês que se transformaram nas imagens de Cuba nas últimas décadas e, talvez, desapareçam paulatinamente nos próximos anos.

Ushida não queria carros antigos, não queria prédios também antigos, não queria a praia, não queria charutos, não queria a quente e malemolente noite cubana, não queria Che, Fidel ou qualquer outro símbolo do comunismo, não queria nem mesmo a Rambla de Havana.

Ushida compara a ilha com o Rio de Janeiro: o Rio é samba, é carnaval, é praia, é calor, mas está longe de ser apenas isso. A realidade cotidiana, aliás, sempre costuma ser muito diferente do que trazem essas caricaturas.

Se nas fotos das arquibancadas quase sempre as pessoas surgem como protagonista, agora, neste ensaio, não mais. Elas estão ali, claro, mas com um papel secundário, apenas compondo todo o conjunto das fotos sombrias, que usam muito mais o preto do que o branco. Nada ali é dado de bandeja ao espectador, mas as possibilidades de interpretação que estão ocultas são imensas. É como se as imagens escuras, que pouco mostram, instigassem à pergunta: quais mudanças virão pela frente?

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