Tatuados para matar 2
Sociedade

Tatuados para matar

A organização criminosa Mara Salvatrucha, com atuação em El Salvador, Honduras e México, é considerada a mais violenta do mundo, responsável pelo assassinato de pelo menos 6 mil pessoas

em 02/02/2016 • 21h00
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Sua lei é a morte. Sua ideologia está impressa em forma de tatuagens que trazem mensagens subliminares. Na mais comum delas, duas mãos para cima remetem à imagem de evangélicos orando a Deus. Mas especialistas explicam a simbologia do desenho cravado na pele: “Perdoa, mãe minha, por minha vida louca”– um pequeno lapso de lucidez na organização criminosa mais violenta do mundo. A gangue Mara Salvatrucha, também conhecida como MS-13, surgiu nos subúrbios mais pobres de Los Angeles e estendeu os seus tentáculos em boa parte da América Central e do México. Tráfico de drogas, extorsão, sequestro, prostituição, assaltos. Nos últimos 40 anos, os maras se especializaram em uma série de delitos e impuseram controle territorial por meio de massacres com requintes de crueldade.

Estima-se que os maras tenham assassinado mais de 6 mil pessoas no mundo. E, hoje, a gangue possui entre 70 mil e 100 mil integrantes, com atuação em El Salvador, Estados Unidos, México, Honduras, Guatemala, Canadá e Espanha.

“Quando os imigrantes de El Salvador chegaram ao estado da Califórnia, entre o fim dos anos 1970 e o início dos 1980, eles se encontraram com outras minorias organizadas em bandos, formados pelos chicanos. Esses mexicanos e descendentes já tinham se organizado em grupos havia décadas para se defender, controlar os territórios e as atividades criminosas. Os problemas com os salvadorenhos não tardaram a ocorrer”, explica à Calle2 o capitão Herard Von Santos Mendez, autor de O treinamento das gangues salvadorenhas: Análise de sua letalidade, poder de fogo e implicações na segurança pública e um dos mais renomados especialistas em MS-13.

Segundo o ex-militar de El Salvador, os imigrantes da Califórnia foram obrigados a formar o próprio bando, lutar pela sobrevivência e pela disputa do território. Nascia a Mara Salvatrucha. “A principal característica dessa gangue é o uso da violência para se defender ou alcançar os seus objetivos. Com os maras, não existe meio termo: ou matam ou morrem”, comenta Herard.

Em El Salvador, sua base principal, a MS-13 expandiu o traslado da droga e passou a fornecer segurança aos narcotraficantes. Nessa relação simbiótica, os cartéis retribuem com dinheiro e entorpecentes.

“Como a droga é revendida no mercado varejista de meu país, esse comércio os levou a disputar com os vendedores tradicionais dos pontos de tráfico. Mais bem armados e organizados, a MS-13 lentamente os expulsou e passou a dominar o negócio.”

Nos últimos anos, a gangue tem abandonado as famosas tatuagens. “Os maras têm deixado de lado essa prática para escapar da vigilância da polícia”, explica Herard. Como qualquer organização criminosa e ao estilo da máfia, a MS-13 impunha rituais de iniciação aos integrantes. “Eles eram obrigados a cometer um crime ou sofriam espancamentos. Essas práticas também têm sido abortadas”, acrescenta.

As tatuagens expressam a história de vida dos maras, o número de vezes em que estiveram na prisão, as pessoas que assassinaram, as feridas no corpo obtidas em batalha autoridades e outros bandos. “Há também representações sobre as mulheres que eles amaram. Alguns desenhos servem para intimidar, como aqueles com símbolos diabólicos e satânicos. Mas também existem ‘impressões digitais’ da própria MS-13, que costumam ser exibidas com grande orgulho por seus integrantes.”

Mas por que as autoridades dos países em que atuam não conseguem destruir essa facção? Herard garante ter uma explicação. “Os processos penais se arrastam por muito tempo e são burocráticos. Testemunhas costumam ser intimidades ou mesmo executadas. A evidência científica não é muito comum por aqui. Por exemplo, em cada 100 integrantes de gangues capturados, 90% são libertados em três dias, por falta de provas. Apenas uns poucos chegam ao fim com uma condenação contundente.”

As relações entre os maras e as instituições do Estado ainda são desconhecidas em sua profundidade e alcance, ao menos em El Salvador. No entanto, organizações cruciais no combate à delinquência em geral estão infiltradas pelo crime organizado. “Ao contrário das gangues, como os maras,  os elementos do crime organizado se mantêm nas sombras e não costumam atingir a notoriedade nas operações delituosas. Além disso, o crime organizado costuma contratar as gangues para fornecer segurança e para vender a droga nas ruas”, diz Herard. Em El Salvador, os cartéis recompensam os maras para que eles ofereçam proteção no escoamento da mercadoria até o norte.

foto por: Moisen Saman (capa); Victor J. Blue
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O RETRATO DO MAL

Integrantes: entre 70 mil e 100 mil
Área de atuação: El Salvador, Estados Unidos, México, Honduras, Guatemala, Canadá e Espanha

TATUAGENS MAIS COMUNS

Mãos estendidas para o alto: Simbolizaria um instante de lucidez e de percepção do ilícito. Traz a mensagem subliminar “Perdoa, mãe minha, por minha vida louca”

Ying Yang: A representação do bem e do mal. Significa o domínio sobre a dualidade, obtido por meio da violência e da morte

Teia de aranha: O desenho representaria o poder da MS-13 sobre cada um de seus integrantes e a expansão regional da facção

Arame farpado: Submissão e escravização. O integrante reconhece estar subjugado ao grupo por toda a vida

Jesus Cristo: A coroa de Cristo é desenhada em forma de M. A barba remete à letra S, o que indicariam as iniciais de Mara Salvatrucha

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