Parlamento ao estilo PMDB
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Parlamento ao estilo PMDB

Vivemos sob o regime presidencialista, mas temos um presidente eleito pelo Congresso e que, curiosamente, vai conhecer a ditadura na China em sua primeira viagem oficial

em 02/09/2016 • 10h50
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Em 1977, o general Ernesto Geisel lançou o Pacote de Abril para transferir as eleições diretas para governador para 1982, criando a figura do senador biônico para ampliar a presença da Arena (partido de sustentação da Ditadura Militar) no colégio eleitoral que elegeria os governos estaduais indiretamente. Geisel defendeu o pacote assim: “Todas as coisas do mundo, exceto Deus, são relativas. O Brasil vive um regime democrático dentro de sua relatividade.”

O relativismo democrático do general se cristalizou nesta quarta-feira (31) com a posse de Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff, que simbolizou a vitória das “ambições secundárias” apontadas por Alex de Tocqueville como o vírus corrosivo da democracia.

Vivemos sob o regime presidencialista, mas temos agora um presidente eleito pelo Congresso e que, curiosamente, vai conhecer a ditadura na China em sua primeira viagem oficial. O parlamentarismo peemedebista saiu do armário.

Trata-se de um parlamentarismo patrocinado pela velha oligarquia, que usou como escada para ganhar a opinião pública o ativismo em redes sociais da neodireita adolescente.

Por trás do impeachment esteve o grupo de sempre, fazendo o de sempre, movendo-se para ocupar o espaço de sempre pelos meios de sempre.

O mesmo segmento ao qual o PT se alinhou e não conseguiu segurar quando esse grupo percebeu que perderia os subsídios financeiros para pagar seu pato à foie gras.

Por trás do impeachment esteve a mesma elite ruralista que recebeu bilhões em planos safra com juros subsidiados. Esteve a mesma elite empresarial que patrocinou os três grandes erros de Dilma na área econômica: a mudança brusca na taxa básica de juros (Selic) e no spread bancário; a suspensão não negociada na renovação das concessões do setor elétrico; e as desonerações fiscais que esvaziaram a capacidade do Estado de se financiar.

Num momento em que o cinismo atinge sonoridade nunca antes registrada na história desse país, a derrocada de Dilma significa a reacomodação dessa oligarquia no espectro político-econômico. O restauro efetivo do establishment predominante desde que os portugueses seduziram os tupiniquins para guerrear contra os tamoios e os tupinambás, aliados dos franceses (nossa primeira aliança política espúria).

Por que parlamentarismo? Esse modelo é desejado desde o impeachment de Fernando Collor, como disse Ulisses Guimarães na sua primeira fala após aquela cassação de 1992, em entrevista ao Jornal Nacional.

Como partido-mor da nossa república – alijada de sentido coletivo, o que exigiria convocar a população para solucionar suas crises –, o PMDB sabe que permanecerá divido em feudos regionais e que dificilmente construirá consenso em torno de uma figura nacional elegível.

O peemedebismo sabe também que dificilmente pode ser escolhido nas urnas para chefiar o Poder Executivo nacional. Diante disso, o parlamentarismo se apresenta como melhor atalho para governar.

Por enquanto, apenas o semiparlamentarismo (esse ornitorrinco inventado por Renan Calheiros) está na sala. Mas tal qual o bode que espia para tomar assento, resta saber se agora o parlamentarismo será apresentado formalmente como solução para um sistema político podre. E, caso seja, se será acompanhado por mudança do modelo atual de composição do Congresso: voto em legenda, lista, coligações e todas as traquinagens que dispensem a exigência do voto efetivo na formação do Parlamento.

Só o tempo vai revelar o que nos aguarda. Mas, vendo o rabisco parlamentarista que foi o impeachment de Dilma, o parlamentarismo ao estilo peemedebista se desenha apenas como desejo de transferir a escolha do chefe de Estado das mãos da população para meia dúzia de maganos e larápios.

Cabe esperar para ver se a maioria da população saberá entender isso para fazer oposição. Enquanto isso, só nos resta reproduzir o pessimismo do jornalista e ex-presidente italiano Sandro Pertini quando afirmou que: “Às vezes na vida temos de saber lutar não só sem medo, mas também sem esperança.”

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