Países se unem contra lavagem de dinheiro
Análise

Países se unem contra lavagem de dinheiro

Acordo internacional facilita troca de informações tributárias, amplia transparência e reduz o cerco sobre evasão ilegal de divisas e corrupção

em 13/12/2016 • 13h00
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O gangster norte-americano Al Capone só foi preso porque não declarava seus impostos ao fisco dos EUA. Acabou condenado a 11 anos de cadeia em 1931. O mesmo pode acontecer com ‘mafiosos’ contemporâneos. Mais de 100 países se reuniram recentemente para tentar punir criminosos modernos. O Brasil começou no dia 1º de outubro a participar desse esforço, denominado Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária.

É o que espera Fábio Bechara, promotor de Justiça em São Paulo, professor do Mackenzie e membro do Gacint/USP (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP).

'Qualquer tipo de operação financeira tributável ou rendimentos não tributáveis vão ser de conhecimento dos órgãos de controle dos países. Sem dúvida vai ser mais fácil investigar o dinheiro ocultado irregularmente no exterior, muitas vezes fruto de corrupção, tráfico de drogas, terrorismo e outros crimes', diz Bechara.

A Convenção foi desenvolvida conjuntamente pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e pelo Conselho da Europa em 1988. Em 2010, seu texto foi modificado, por demanda do G20 (grupo de ministros da economia e presidentes de bancos centrais dos 19 países de economias mais desenvolvidas do mundo, mais a União Europeia).

Até novembro deste ano, 105 países já tinham assinado a Convenção (veja no gráfico abaixo).

“Do mesmo jeito que a carga tributária elevada ou a vulnerabilidade da economia estimula pessoas a mandarem dinheiro para o exterior, ela também se presta a esconder recursos de origem ilícita. É o mesmo duto, só que muitas vezes ele faz desaparecer ou esquentar dinheiro vindo do crime. Agora divisas não declaradas serão multadas e investigadas”, afirma.

Pela Convenção Multilateral, os países poderão trocar informações de itens como investimentos, conta corrente, poupança, ações, rendimentos de fundos, previdência privada, juros, entre outros dados. Essa foi uma das razões para o recente sucesso do programa de regularização de bens mantidos por brasileiros no exterior. De acordo com informação da Receita Federal de 7 de novembro, a repatriação somou R$ 46,8 bilhões.

Para o promotor Fábio Bechara, as pessoas perceberam que vai ficar bem mais difícil não declarar dinheiro no exterior.

'Existe um empoderamento dos órgãos fiscais pelo mundo. Isso é útil tanto em termos tributários como de transparência e investigação de vários crimes. No Brasil, o STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, já havia confirmado a validade de uma lei que dá à Receita o poder de acessar as movimentações financeiras de pessoas e empresas diretamente juntos aos bancos, sem necessidade de autorização judicial', comenta.

Esse movimento de maior fiscalização também é uma reação à modernização dos mecanismos de ocultação de patrimônio, como as offshores e os trusts.

A imagem do deputado cassado Eduardo Cunha (foto) foi recentemente usada como símbolo em uma campanha anticorrupção mundial da organização Transparência Internacional. Ele foi chamado, em vídeo, de “Sr. Trust” por supostamente usar o sistema para esconder dinheiro.

Com o maior rigor dos países, Bechara acredita que o “dinheiro sujo” vai acabar migrando para as nações que não ratificam acordos de transparência e intercâmbio de informações, mas espera que isso crie uma enorme pressão internacional sobre esses Estados.

Mais controle e transparência

Uma das maiores organizações independentes do mundo que luta contra a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro é a Tax Justice Network, sediada em Londres. Um dos representantes na América Latina é o advogado argentino Andres Knobel, que acredita que a Convenção vai estimular mais controle e transparência. “Será necessário a vontade política de cada país para que as informações não fiquem restritas apenas a órgãos tributários”, alerta.

“O lado negativo é que muitos países ainda não assinaram essa parte do acordo para a troca automática de informações”, analisa. Na América Latina, Paraguai, Panamá e Peru não assinaram o acordo – assim como outras nações que são apontadas como facilitadoras da lavagem de dinheiro, como os EUA, Líbano e Bahamas (veja gráfico).

De um modo geral, Knobel avalia que a América Latina tem legislações que tornam difícil saber o verdadeiro dono de bens, transações ou empresas. “Nem sequer as autoridades do país sabem com certeza quem são beneficiários, se são políticos ou criminosos. Isso abre espaço para os testas de ferro e laranjas”, comenta.

Troca automática de informações

A indiana Monica Bhatia, chefe do secretariado do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Tributários, explica que o intercâmbio de informações pode ser feito por solicitação ao país onde os ativos estão depositados, mas que será possível troca automática de dados. Atualmente, mais de 80 países assinaram o acordo automático para intercâmbio de informações (veja no gráfico).

“Teremos uma visão global de onde são reportados os lucros, as atividades fiscais e econômicas das empresas multinacionais, para assegurar que os lucros serão tributados quando as atividades econômicas são realizadas e onde o valor é criado”, diz a indiana.

A respeito dos países popularmente conhecidos como “paraísos fiscais” como Bahamas, Bermudas, Ilhas Cayman e Ilhas Virgens Britânicas, entre outros, Bhatia acredita que mesmo esses países estão começando a implementar normas internacionais de transparência e intercâmbio de informações. “A exceção principal ainda é Bahamas”, aponta.

No Brasil, a instituição responsável por receber informações da Convenção Multilateral será a Receita Federal do Brasil. O órgão esclareceu que seu foco serão apenas os crimes tributários, mas que em seu trabalho pode ter sim acesso a informações que ajudem a resolver outros casos, como de corrupção. Contudo nessas situações precisará do esforço de outras instituições do Estado porque todos os dados são sigilosos.

“O acesso às informações protegidas por sigilo fiscal por outros órgãos, como a Polícia Federal e a CGU, depende de autorização judicial, sendo ou não informações oriundas de intercâmbio de informações com o exterior. Em caso de crimes de natureza não tributária (corrupção, por exemplo), as informações obtidas com base na Convenção somente poderão ser utilizadas se o Estado requerido (quem prestou as informações) autorizar esse uso, desde que haja solicitação expressa do Estado requerente”, esclarece a RFB.

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