Os segredos do litoral uruguaio
Lugares

A vida secreta do litoral uruguaio

Piriápolis e Punta del Diablo são cidadezinhas de praia encantadoras e que nos fazem esquecer da vida... e de quem somos

em 12/01/2016 • 21h54
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Toda viagem tem um roteiro obrigatório e um circuito alternativo. No caso do Uruguai, vários circuitos alternativos. São rincões fora do eixo Montevidéu-Colônia-Punta del Este que apresentam uma beleza natural exuberante e um clima de tranquilidade. Localidades que também estão preparadas para receber turistas com infraestrutura e atendimento “muy amable”, mas sem a correria e o consumismo típicos dos viajantes.

Com cerca de 10 mil habitantes e a menos de 1h de ônibus de Punta, Piriápolis para mim tem nome de município goiano (Pirenópolis), mas é uma homenagem ao empresário uruguaio Francisco Piria, que fundou a comunidade. Parece um lugar parado no tempo, com ritmo de interior e clima de litoral, pelo qual circulam caminhonetes Ford dos anos 1950 e cuja principal atração é um charmoso teleférico, que vai até o topo do Cerro de San Atonio. É um passeio imperdível, sobretudo se for feito num lindo dia de sol, com céu azul rasgado, como eu e meu namorado pegamos numa quarta-feira de julho, em pleno inverno.

Fiquei com medo de subir nas “aerosillas”, como são chamadas as cadeirinhas do teleférico. Parecem meio inseguras, balançam um pouco, mas, como fomos em dois, respirei fundo e tentei não olhar muito pra baixo. De lá de cima, dá para ter uma noção melhor da cidade, ver o porto, a praia principal, a natureza bem preservada. No topo, também há uma capela e umas lojinhas que vendem todo tipo de suvenires e guloseimas. Um dos funcionários nos deu dicas valiosas sobre as diversas marcas de alfajor uruguaias (Lapataia, Punta Ballena, Portezuelo), quais eram mais gostosas, o melhor custo-benefício, e ficamos sabendo que algumas são fabricadas pela mesma empresa, só mudam o nome. Na dúvida, levamos um de cada para experimentar e tirar nossas próprias conclusões.

Percorremos toda a orla da Playa de Piriápolis a pé, batizada estranhamente de Rambla de los Argentinos; pegamos um mapa no centro de informações turísticas, vimos muita coisa fechada (o McDonald’s anunciava em letras garrafais: “Hasta el próximo verano!”), um tradicional cinema de rua recém-extinto e várias cartas de moradores em protesto contra a decisão, um prédio de estilo germânico que lembrou minha terra natal – Joinville (SC) – e iates milionários no porto, um deles com meu nome estampado, achei chique. O almoço foi de frente para o cais, num visual de tirar o fôlego, por onde passava um senhor carregando dois peixes frescos para serem comidos logo mais. A comida era simples, mas saborosa e com preço bom.

foto por: Luna D'Alama
Vista-do-alto-de-Piriápolis-a-partir-do-topo-do-morro-onde-está-o-teleférico-de-Piriápolis_crédito-Luna-DAlama

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Para fazer a digestão e aproveitar Piriápolis, já que estávamos num bate-volta, resolvemos caminhar um bom trecho até a Fonte de Vênus, uma das atrações da cidade. Até chegar lá, nos deparamos com centenas de casas e jardins que lembram muito o interior do Sul do Brasil. Tudo muito charmoso e organizado. Vi, inclusive, um terreno à venda com uma imponente árvore florida no meio, que me fez sentir vontade de perguntar o preço e, quem sabe, me instalar ali.

O fim da tarde foi no Argentino Hotel, onde dá para tomar um delicioso café com medialunas (o croissant deles) e ver o pôr do sol. Assim que entrei, perguntei ao garçom:

– Hola, por favor, cuánto es…

– Boa tarde, senhorita. Faço questão de falar português, por favor me deixe praticar! Aqui não tenho com quem treinar…

Achei esse gesto tão gentil que devo ter consumido o dobro de quitutes e calorias… Em Punta, um guia turístico já havia falado só em português conosco, e cheguei a desconfiar se ele era mesmo uruguaio, de tão bem que se expressava, até com gírias – “Morei um tempo em Porto Alegre, bah, por isso”. Nunca tinha passado por algo assim numa viagem, de alguém falar o meu idioma para me agradar ou apenas se fazer entender. Estou sempre tão acostumada com o contrário, com essa síndrome de vira-lata do subúrbio do mundo. Acho que, pela primeira vez na vida, experimentei algo próximo do que os norte-americanos e europeus devem sentir em relação ao restante do planeta, essa gentileza de estender o tapete vermelho linguístico para o outro andar e relaxar.

‎O pôr do sol foi cedo, por volta das 17h30, e não lembro de ter visto um entardecer tão deslumbrante e poético como aquele. Não sabia se tirava foto para registrar esse precioso momento ou se ficava apenas admirando o sol baixar no horizonte. Fiz um pouco dos dois. Já estava quase na hora de voltar e tinha faltado tanta coisa legal para ver em Piriápolis: o Cerro del Toro, a Fuente del Toro, o Cerro Pan de Azúcar, o Parque de la Cascada, o Museo Ferroviario, o Castillo e a Iglesia de Piria, a Playa Grande, Playa de San Francisco e Punta Negra, entre várias outras atrações. Se eu puder dar alguma dica sobre a cidade, será: alugue um carro, para percorrer direito tudo isso, e fique mais de um dia, pelo menos um pernoite. Assim dá para aproveitar melhor o tempo e não se perder entre tantas possibilidades. Acho que fazer um passeio de bike pela orla também deve ser bacana. Enfim, queria ter ficado mais – a boa notícia é que dá para voltar.

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Fim-de-tarde-em-Piriápolis_crédito-Luna-DAlama

A última parada das duas semanas que passei no Uruguai foi em Punta del Diablo, uma comunidade roots a menos de 1h da fronteira com o Rio Grande do Sul. O plano inicial era passar só um dia lá e outro em Cabo Polônio, um lugar quase intocado perto dali, onde é possível descansar e contar estrelas. Mas, durante o inverno, muitos hostels e restaurantes de Cabo Polônio fecham, e o acesso até lá não é fácil – não há nenhum ônibus direto, por exemplo. Acabamos optando, então, por permanecer dois dias em Punta del Diablo.

As ruas de chão batido não combinavam em nada com a minha imensa mala de rodinhas, que já havia circulado por Montevidéu e aeroportos. Mas eu é que estava errada: ali é um lugar para mochileiros, não para luxos ou excessos de bagagem. Apesar da simplicidade ao redor, o hostel em que nos hospedamos – El Diablo Tranquilo, um dos primeiros da cidade, fundado por um norte-americano – era de primeira, com uma estrutura excelente e funcionários de diferentes partes do Brasil e da Europa. Ele fica a uns 15 minutos a pé do centro do povoado, onde é feito o desembarque dos turistas e há alguns mercadinhos.

Punta del Diablo é um local para esquecer da vida, do mundo, até de quem você é. É um estilo de vida, ainda mais na baixa temporada, quando esse destino de veraneio para muitos gaúchos e uruguaios fica praticamente vazio. Você desliga o celular, desconecta-se de tudo e recarrega as baterias curtindo as belezas que aquele paraíso “diabólico” oferece. No primeiro dia, passeamos pela Playa Grande – toda cidade litorânea tem uma, e essa já lembra um pouco a costa do Rio Grande do Sul. É uma faixa imensa de areia escura e dura, banhada por um mar gelado, de onde vimos o sol se pôr numa mistura de tons de rosa, azul, roxo e amarelo. Achei um “plástico” na praia, xinguei quem tivesse deixado aquilo ali, até ver de perto que era um ovo de tartaruga ou algum outro réptil. Então me senti privilegiada por estar tão integrada à natureza.

À noite e pelas manhãs, comíamos no hostel: o café da manhã estava incluído na diária e o jantar era preparado pelos funcionários e compartilhado entre todos os hóspedes, por cerca de R$ 20 – um ótimo preço em fim de viagem, ainda mais que as diárias já não eram muito baratas e que o Uruguai, em geral, tem preços parecidos e até superiores aos de São Paulo. Os funcionários, aliás, representam um capítulo à parte: são jovens europeus e brasileiros que dão um “pause” na vida corrida e moderna para desfrutar um pouco daquela calmaria, e trocam trabalho por hospedagem e comida. Conhecemos uma holandesa chamada Angie, que largou um emprego de mais de 20 anos para morar um tempo no Uruguai, e o alemão Andre Walther, ex-funcionário da Volkswagen em Frankfurt, que se cansou da rotina no escritório e queria respirar um pouco de ar puro na América do Sul – sem saber falar uma palavra em espanhol. São pessoas que trocaram o verão europeu pelo frio austral e estavam lá felizes, à beira da lareira, tocando violão, fazendo amizades e contando causos.

foto por: Vince Alongi
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foto por: Luna D'Alama
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O segundo dia em Punta del Diablo estava nublado e resolvemos andar de bike para conhecer melhor a região. A ideia inicial era ir até o Parque Nacional de Santa Teresa e a Playa de La Moza, super-recomendados. Mas não tivemos tempo nem fôlego para ir além do Jardim Botânico do parque, muito menos até a praia! São muitas subidas, terreno irregular (ora areia, ora barro, ora asfalto), e perdi as contas de quantas vezes desci da bicicleta, esbaforida, para empurrá-la. Fora que ainda tinha todo o trajeto de volta e nenhum GPS, ou seja, precisávamos ser rápidos para aproveitar a luz do sol e guardar uma reserva de energia para chegar sãos e salvos ao hostel no fim da tarde. Pelo caminho, vimos muitas árvores floridas, vacas, um silêncio descomunal.

Apesar de a trilha ser nível hardcore e eu ter terminado o dia praguejando, já em total escuridão à procura da longínqua rodoviária para comprar a passagem até Montevidéu, essa foi uma experiência única, com gostinho de quero mais. Naquele momento, porém, depois de umas sete horas em cima da bicicleta, tudo o que eu mais queria era sair dali e voltar para a capital, onde passaríamos o último fim de semana da viagem, ao lado de um casal de amigos. Analisando melhor depois, já concluída a jornada, no entanto, essa foi uma das partes mais incríveis da minha aventura pelo litoral uruguaio, certamente a mais inusitada e imprevisível. É como o mapa invertido da América do Sul proposto pelo artista Joaquín Torres Garcia, em que tudo é relativo, e o nosso norte pode ser o sul, basta uma mudança no olhar e no ponto de vista.‎

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