Oligopólio e base familiar desafiam mídia democrática na AL
Análise

Oligopólio da mídia afeta qualidade da democracia

Países latinos, como Brasil, México e Venezuela, têm imprensa concentrada nas mãos de poucas famílias, o que compromete pluralidade e prejudica boa gestão empresarial

em 29/06/2016 • 14h30
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Brasil, México e Venezuela enfrentam crises econômicas e políticas intensas. Ainda que cada país apresente causas distintas para explicar suas respectivas turbulências, uma característica econômica une as três nações: a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas empresas ou famílias. Segundo estudo de 2012, realizado por Taylor Boas, da Universidade de Boston, os três países possuem apenas uma empresa dominando 50% do mercado de rádio e teledifusão. A situação não é muito diferente no resto da América Latina, com mercados dominados por oligopólios formados por duas ou três empresas na maioria dos casos.

Fora a concentração da mídia, há outro fator comum relacionado a economia e política da região. A tímida tentativa de democratização dos meios de comunicação implementada pelos governos progressistas latinos acabaram gerando um movimento de divisão entre os meios de comunicação de maior alcance, que se alinharam a favor ou contra os governos de seus respectivos países. Essa é a avaliação de Clément Doleac, pesquisador associado do Conselho para Assuntos do Hemisfério (COHA), sediado em Washington, que concedeu entrevista à Calle2.

Um detalhe importante das empresas de mídia latino-americanas é que geralmente elas são de propriedade de uma única pessoa ou uma única família, ao invés do padrão predominante nos Estados Unidos e Canadá, onde em geral são sociedades anônimas, o que, segundo Taylor Boas, costuma limitar a preocupação com relação à governança corporativa (boa gestão interna na empresa).

Ele cita como exemplos a TV Globo no Brasil, a RCN e a Caracol na Colômbia e a Venevisión na Venezuela. Outro exemplo significativo é o conglomerado mexicano Albavisión, propriedade do mexicano-guatemalteco Remigio Ángel González, que controla redes televisivas na Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Equador, Paraguai, Brasil, Venezuela e diversos países da América Central.

Taylor elaborou uma tabela de concentração de mídia baseada no Índice Herfindahl–Hirschman (IHH), que mede a dimensão das empresas relativamente à sua indústria e serve como indicador do grau de concorrência entre elas, tendo como 10.000 ponto o valor referência para um monopólio perfeito. México, Colômbia, Brasil e Venezuela têm índices altos, o que significa que a indústria da mídia é mais concentrada do que nos demais países.

Para o pesquisador, o grande problema das corporações privadas de capital fechado é que apenas uma voz costuma ser ouvida para questões de gestão e decisões editoriais: a do dono. Além disso, ele ressalta que “boa parte dos barões da mídia latino-americanos também são homens de negócios em outros ramos ou políticos”.

A questão é ainda mais acentuada na mídia local, especialmente em grandes países federalistas como o Brasil, onde a propriedade da mídia por políticos é ainda mais comum. Os maiores exemplos são os Sarney no Maranhão e os Collor no Alagoas.

A tímida democratização

Só nos últimos 15 anos surgiu um movimento de regulamentação da mídia na América Latina. Tais regulamentações receberam muitas críticas de organizações não-governamentais dos Estados Unidos e de países do ocidente, porém, na visão de Doleac, “ainda que longe da perfeição, por conta de seu potencial para a censura, as novas regulações instalaram algumas mudanças interessantes – especialmente nas mídias sociais e comunitárias e na inclusão pública”.

Um dos principais exemplos foi a Lei de Meios na Argentina de 2009, medida que pregava o fim do monopólio de grandes grupos de comunicação ao restringir a porcentagem de mercado que poderiam dominar e quantos canais poderiam deter, além de incentivar veículos independentes. Na Venezuela o Congresso aprovou em 2004 a Lei de Responsabilidade Social, que buscava proibir a veiculação de “conteúdo que incitasse o ódio, a intolerância e o racismo” e também estimulava a mídia comunitária. Na Bolívia, a nova constituição de 2009 proibiu expressamente a formação de monopólio por meios de comunicação.

No Equador foi criado em 2013 o controverso Conselho de Regulação da Mídia, que impôs a divisão do espectro de radiodifusão em público, privado e indígena. No mesmo ano o México promulgou a Reforma Audiovisual buscando proibir o monopólio por parte de vários atores nos mercados audiovisual e de telecomunicações.

No Brasil, diversos dispositivos constitucionais de 1988 já visavam combater o monopólio, porém nunca foram aplicados ou regulados devidamente.

Junto com essas mudanças, veio uma reação dos grandes meios de comunicação, orientados por interesses de classe. Assim, em muitos países foi se desenhando um cenário de polarização, com meios identificados como pró ou antigoverno.

“Acredito que essa bipolarização [da imprensa] é principalmente uma resposta às iniciativas para democratizar a mídia e lutar contra o monopólio”, afirma Doleac.

Para o pesquisador da COHA, “os meios de comunicação hegemônicos têm sido dominados por um grupo muito pequeno de pessoas, que estiveram ao lado de interesses específicos e partidos de direita durante as décadas passadas, portanto é ‘lógico’ ver esses meios se tornando mais extremistas quando o governo tenta reduzir seu monopólio no setor de comunicações”. Ele afirma ainda que a explicação de que há uma simples luta política ou de que os governos estão ameaçando a liberdade de expressão fazem pouco sentido, até porque as reformas econômicas e o progresso alcançado pelos governos de esquerda “foram de fato bem limitados”.

Doleac utiliza os governos petistas de Lula e Dilma como exemplos pobres em termos de reformas socioeconômicas que ameaçassem a ordem estabelecida, mas que receberam fortes ataques por parte dos meios de comunicação. “Foi completamente desproporcional”, afirma ele, dizendo que a situação é similar na Argentina e na Venezuela (confira reportagem da Calle2 sobre a parcialidade da imprensa brasileira).

A posição claramente contrária ao governo no Brasil pode ser exemplificada por um episódio de 2010, quando a então presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), que também exercia a função de diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã, afirmou que “na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos. Por isso estamos fazendo [isso]”.

O argumento utilizado por Brito para legitimar a posição dos veículos de comunicação se se mostra um tanto questionável ao se fazer uma análise da presença dos partidos de oposição na mídia, nas unidades da federação e no Congresso. Além disso, a oposição nunca é limitada a política, mas está também no setor econômico, o qual nunca foi o ponto forte do PT, que sempre esteve mais ligado ao sindicalismo.

Saídas

Para Clément Doleac, a mídia independente e comunitária são a melhor “terceira via” possível na América latina. “Este movimento corre risco, especialmente agora que a guinada à esquerda está ameaçada na região”, avalia. Para ele, até mesmo os governos de esquerda tiveram pouca inserção de movimentos sociais e setores populares no controle da mídia. Países como Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, México e Chile tiveram reformas de cima para baixo, controladas pelo Estado. A abertura da mídia teria que deixar a possibilidade para a comunidade a toda a população em geral tomar controle, assim como todos os setores produtivos.

“Reformas bem-sucedidas, realmente sociais e sustentáveis, só virão por meio da inclusão dos setores produtivos da população, e isso não é válido apenas para o setor de comunicação, mas para todos os setores econômicos”, afirma Doleac.

“Isso significa que é preciso incluir os trabalhadores, os movimentos sociais, os sindicatos, não apenas os chefes das empresas midiáticas e os legisladores, o que normalmente acontece. Eu posso acrescentar que no panorama da América Latina será impossível fazer isso sem enfrentar reações extremamente fortes dos donos de empresas e da população de alta renda, mas é uma luta necessária na medida que são eles que estão perdendo alguma coisa com o processo democrático; apenas com esse confronto será possível alcançar algum bem maior”

De acordo com o estudo “Concentração dos meios de comunicação de massa e o desafio da democratização da mídia no Brasil”, publicado em 2015 pelo Intervozes, principal entidade que atua no Brasil pela efetivação do direito a comunicação, “se o Estado apenas observasse o marco legal em vigor, já seria o suficiente para termos um cenário mais democrático do que o existente e diferenciado do oligopólio que conhecemos hoje”. Ainda assim, a entidade ressalta que a legislação nacional nunca teve maiores preocupações com a promoção da pluralidade e da diversidade no rádio e na televisão. Um exemplo de como nossa legislação é antiquada está na idade do Código Brasileiro de Telecomunicações, que já ultrapassou os 50 anos.

Segundo o documento da entidade, “cabe ao Estado, em diálogo com a sociedade civil (e não só com o empresariado), estabelecer projetos de democratização para o setor de comunicação, orientando os radiodifusores no sentido de sua adequação, legislando sobre a regulação das redes, definindo indicadores precisos de limites à concentração econômica, resguardando os veículos contra os usos de natureza proselitista e incidindo no setor por meios diretos e indiretos, como a fiscalização, a verba publicitária oficial, o orçamento das empresas públicas e a elaboração de planos estratégicos para o médio e longo prazo”.

A tarefa exige transparência em tudo o que diz respeito às empresas de radiodifusão. É imprescindível que sejam prestadas contas à sociedade por parte do empresariado. Os contratos entre os integrantes das redes e balanços financeiros são elementares para qualquer avaliação séria do setor, assim como um mapeamento exaustivo das relações entre grupos de mídia.

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