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Análise,Reforma Política

O preço (alto) da democracia brasileira

Com uma das eleições mais caras do mundo, Brasil abre as portas não apenas para corrupção, mas também para produzir deficiência de representação

em 08/06/2016 • 01h30
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No final da tarde de 24 de junho de 2013, uma Dilma Rousseff preocupada e ansiosa anunciava, rodeada de ministros, governadores e congressistas, que enviaria ao parlamento um pacote de medidas que previam combater a corrupção e a impunidade na política brasileira. A principal delas era a criminalização da prática de caixa-dois em campanhas eleitorais.

Quatro dias antes, cerca de um milhão de pessoas havia ocupado as ruas nas principais capitais do país para protestar contra problemas estruturais, como a má qualidade dos serviços públicos, a pesada carga de impostos e, principalmente, a corrupção crônica do segmento político.

Nem Dilma, nem os congressistas nem a imensa maioria dos brasileiros imaginava que, dez meses depois, uma pequena operação da Polícia Federal em um posto de gasolina de Brasília se transformaria em uma investigação grandiosa, complexa e polêmica envolvendo políticos, empresários, doleiros e lobistas. Que essa ação policial instauraria quase 1.300 processos, realizaria 600 operações de busca e apreensão, 161 conduções coercitivas e prenderia 160 pessoas supostamente envolvidas na corrupção endêmica proveniente, principalmente, da maneira como se financia campanhas eleitorais no Brasil, que estão entre as mais caras do mundo.

As propostas apresentadas por Dilma foram enviadas ao Congresso em março de 2014. Estão engavetadas até hoje.

As campanhas dos candidatos nas eleições gerais de 2014, quando o país escolheu deputados federais, senadores, governadores e o presidente da República, custaram aproximadamente R$ 5,1 bilhões, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) – um aumento em 59% sobre o valor das eleições de 2010, que custaram R$ 3,23 bilhões.

Em 2002, segundo a organização Transparency Internacional, o custo de um voto individual no Brasil era de R$ 0,63. Em 2010, a escolha de cada eleitor aumentou para R$ 9,68 – acréscimo de 1.436% em um período de oito anos.

foto por: Ichiro Guerra/ Dilma13
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Dilma Rousseff participa de caminhada em Curitiba, em 2014, na campanha mais cara desde a redemocratização (R$ 318 milhões)
Em 2002, o custo de campanha de um voto individual no país era de R$ 0,63 - em 2010, esse valor saltou para R$ 9,66, aumento de 1.436%

Os dados mais assustadores sobre o custo da campanha eleitoral brasileira, porém, são do estudo do brasilianista David Samuels, professor de Ciência Política da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Publicado em 2006, seu trabalho mostra que o sufrágio brasileiro é o mais caro do mundo comparando-o com o de seu país – que é mais populoso e mais desenvolvido economicamente. Em 1994, a eleição para deputados, senadores, governadores e presidente custou US$ 3,5 bilhões – 16% a mais do que o valor gasto nas eleições estadunidenses para todos os cargos federais e que levaram Bill Clinton à Casa Branca.

“Os marqueteiros adquiriram uma importância fundamental e eles recebem muito por isso. Houve uma profissionalização do marketing político: surgiram institutos e consultorias que prestam serviço aos candidatos indicando estratégias para atingir e se vender aos eleitores. Antes, as eleições eram mais dependentes da militância dos partidos, agora não mais”, avalia Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da USP, referindo-se ao aumento significativo dos custos das campanhas eleitorais brasileiras nos últimos anos.

Peres usa como exemplo da mudança os debates eleitorais transmitidos pelos canais de televisão: até meados dos anos 2000, os encontros entre candidatos eram repletos de discussões acaloradas, gafes e até palavrões, como o que envolveu Paulo Maluf e Mário Covas, no segundo turno do pleito ao governo do Estado de São Paulo, em 1998, na TV Bandeirantes. “A competição entre os candidatos envolve a necessidade de uma apresentação melhor de cada um deles”, completa.

Em 2014, Dilma Rousseff pagou R$ 70 milhões somente para o marqueteiro João Santana – quase o total gasto por Fernando Henrique Cardoso em 1994.

“O peso do dinheiro nas eleições não é desprezível, o que tenderia a concentrar o sucesso eleitoral nas mãos de partidos (ou candidatos) com maior acesso a recursos financeiros. Desse modo, pode haver uma desqualificação do sistema representativo”, escreve o professor da Universidade Federal do Norte Fluminense, Mauro Macedo de Campos, em seu estudo Democracia, Partidos e Eleições: os custos do sistema partidário-eleitoral no Brasil.

 Outro estudo, publicado pela Câmara dos Deputados em 2014, mostra que há uma forte correlação entre valor de campanha e sucesso eleitoral. Na comparação da média de gastos dos eleitos com a dos não eleitos, observa-se que os candidatos vitoriosos investiram 12 vezes mais do que os derrotados.

Estudo da Câmara dos Deputados mostra que candidatos vitoriosos gastam, em média, 12 vezes mais na campanha do que os que saíram derrotados

Como o número de candidatos é muito grande, e alguns praticamente não fazem campanha (o que reduz o valor médio), os pesquisadores compararam também os candidatos derrotados, mas considerados competitivos (que quase foram eleitos). “Ainda assim, a relação continua forte: os eleitos gastaram na média nacional o dobro dos não eleitos ‘competitivos’”, destaca o estudo.

Uma distorção da democracia, já que os candidatos não são escolhidos por suas propostas, mas pela capacidade de reunir recursos para atingir mais eleitores. A eleição torna-se uma disputa entre quem tem mais financiamento.

O debate sobre o alto custo das campanhas brasileiras só começou em 2005. Naquele ano, o Senado aprovou um projeto apresentado anos antes pelo senador Jorge Bornhausen, do extinto PFL – hoje Democratas – que previa, entre outras coisas, o fim dos chamados showmícios, a proibição da entrega de camisetas e bonés pelos candidatos e do uso de outdoors.

A principal mudança, no entanto, era a diminuição do tempo da campanha de 90 para 60 dias. O texto foi sancionado pelo então presidente Lula, mas o TSE decidiu, meses depois, que só parte das novas regras teriam validade –  a redução no tempo de campanha ficou de fora. Acreditava-se que as medidas iriam diminuir o valor das candidaturas, mas os números acima mostram que isso não aconteceu.

Dez anos depois, já sob as revelações bombásticas da Lava Jato – que confirmam que parte importante da corrupção endêmica que vive o país serve para alimentar as campanhas políticas milionárias –, outra minirreforma eleitoral foi aprovada no Congresso com o objetivo de barateá-las.

De acordo com a lei 13.165/2015, as campanhas políticas agora possuem um limite de gastos, não podendo passar de 70% da campanha mais cara do pleito anterior (para igual cargo). No caso de pleito sem segundo turno, o limite é de 50%. Além disso, a duração da campanha caiu de 90 para 45 dias e o horário eleitoral foi reduzido de 45 para 35 dias (com menor tempo de TV). As mudanças já valem para as eleições municipais deste ano.

Em 2015, o Congresso aprovou uma minirreforma eleitoral, que estabelece valor máximo a ser gasto pelos candidatos e reduz pela metade a duração da campanha

Mas a maior mudança seria promovida pelo STF, que no dia 17 de setembro do ano passado, considerou inconstitucional a doação empresarial a campanhas. A partir deste ano, apenas pessoas físicas podem doar – o equivalente a 10% do rendimento do ano anterior (leia mais sobre financiamento de campanha na semana que vem, na Calle2). O maior receio, com a nova proibição do STF, é de aumento do caixa-dois.

 

Para Daniel Zovatto, um dos maiores estudiosos de financiamento eleitoral na América Latina, algumas das medidas para baratear campanhas são justamente a criação de limites de gastos, a redução de sua duração e do tempo do horário eleitoral.

Porém, políticos e estudiosos brasileiros acreditam que outras medidas, relacionadas à maneira como os representantes são eleitos no Brasil, também podem baratear campanhas. O sistema proporcional de lista aberta (para a eleição de deputados), como já mostrou a Calle2, é repleto de distorções que envolvem não apenas a representatividade política, mas facilita a corrupção – porque mais candidatos entram no jogo político exigindo recursos para suas campanhas e barganhando favores em troca. Para além disso, quanto mais candidatos para um cargo, mais dinheiro precisa ser gasto pela máquina eleitoral.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vê o tamanho dos distritos eleitorais, o número de partidos políticos e a força do marketing como fatores que encarecem as campanhas eleitorais. Modificar essas estruturas seria o primeiro passo para um possível barateamento.

“A democracia no Brasil não é plena porque a força do dinheiro é muito grande nas eleições. Isso é errado. Primeiro, por que permitir ‘marquetagem’ na televisão? Faz debate! É chato? Tá bom, mas motiva as pessoas a vê-lo. Ele pode ser interessante. Segundo: podemos ter circunscrições menores e, terceiro, menos partidos. Reduz o custo da campanha. Vamos ter que lutar por isso. Esse sistema não se aguenta mais. Não se restabelece a confiança sem mexer no sistema político”, disse em março durante entrevista no programa Diálogos, da GloboNews.

Reduzir o número de partidos, estabelecer o sistema distrital e limitar a quantidade de candidatos seriam outras medidas que poderiam baratear as campanhas brasileiras

O alto número de candidatos também é apontado pelo professor de Ética e Filosofia Política da USP e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. Com mais gente concorrendo, mais dinheiro é gasto. “Em São Paulo, temos cerca de 1.200 candidatos para uma das 94 cadeiras da Assembleia Legislativa. Temos também 1.200 candidatos para as 55 vagas da Câmara Municipal. É uma proporção enorme. Desse total, geralmente 100 ou 200 deles têm zero votos, ou seja, nem eles votam em si mesmos”, finaliza.


• Esta reportagem faz parte da série Reforma Política; confira na semana que vem debate sobre financiamento de campanhas •


FOTO DE CAPA: BRUNO MAGALHÃES/COLIGAÇÃO MUDA BRASIL

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