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Marina leva vantagem sobre Doria em 2018?

Candidata da Rede é única presidenciável com importante ativo eleitoral: transita entre direita, esquerda e centro; cenário para próximas eleições ainda depende da Lava Jato

em 03/05/2017 • 15h30
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A disputa presidencial de 2018 está longe e qualquer previsão é um tiro no escuro após o conhecimento amplo, geral e irrestrito das delações de executivos da Odebrecht, cujo efeito é de uma bomba atômica sobre qualquer cenário possível. Nem é certo se a eleição será antecipada caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) casse a chapa Dilma-Temer e, a partir disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) mude a regra atual para convocar o eleitor a escolher quem deseja no comando do Palácio do Planalto. Todas as dúvidas estão à mesa e, como se vê, o cardápio é farto.

A última pesquisa do Datafolha, publicada no domingo (30), apontou a tendência de caos em 2018 em uma uma eleição excessivamente pulverizada. Mas indicou também haver espaço para a retirada de alguns escombros representados pelas delações da Odebrecht. Trata-se do cenário de disputa direta entre Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro (PSC) e João Doria (PSDB), com Lula (PT) na liderança. O prefeito de São Paulo aparece em quarto lugar, atrás de Bolsonaro, em posição de destaque para um novato eleitoral.

O Datafolha mostra também que o Bolsonaro perde para o tucano a preferência entre os mais escolarizados e mais ricos. Bolsonaro pode ser mito para alguns e apontado como um Donald Trump à brasileira por outros, mas não tem o traquejo de mídia do republicano nem consegue controlar a quantidade de bobagem que fala. Por ser um candidato de gueto, o capitão de reserva do Exército não deve atrair o grosso do eleitorado, avesso à linguagem chula.

Doria percebeu isso. Não à toa, por ocasião da greve geral da semana passada subiu o tom mirando a militância pró-Bolsonaro. A conquista dos ‘bolsomitos’ mapeados pelo Datafolha será batalha ganha pelo tucano. Doria, no fim das contas, tende mesmo a brigar com Marina em 2018. Isso deve ocorrer com ou sem Lula.

Marina é candidata certa (afinal, controla sua própria máquina partidária). Doria não é. Sua candidatura vai depender de novos desdobramentos da Lava Jato sobre Geraldo Alckmin. Se a carruagem andar na velocidade de agora, o governador paulista terá de se contentar com disputar uma vaga para o Senado. Aécio Neves é carta fora do baralho eleitoral (com sorte se reelege senador por Minas Gerais).

Mantida a temperatura e pressão da Lava Jato, não haverá muita alternativa ao PSDB a não ser lançar Doria. Resta saber como o prefeito reagirá quando os ataques contra ele começarem. A reação com o fígado já lhe é característica nesse início de gestão, mas pouco lhe será útil numa disputa nacional por eleitores menos 'coxinhas'.

Elementos para ataque não faltam: Doria é filho de político, descendente da elite baiana, se alinhou com todos os governos de plantão para ganhar dinheiro (de Sarney à Dilma) e se converteu em bom gestor de anúncios estatais em revistas pouco ou quase nada conhecidas. Além de ter dedicado a vida a aproximar empresários e políticos, atividade em que ele foi feliz ao empacotar durante a disputa de 2016 sob o jargão corporativo de “networking”. Numa disputa nacional, esse trabalho pode ser carimbado por adversários pelo nome real: lobby.

Não faltam, portanto, vidros no telhado do tucano para contestar a imagem de “João trabalhador, filho de nordestino que ficou rico por força do seu suor”, como a campanha à prefeitura paulistana o vendeu.

Numa eventual participação de Lula na disputa de 2018, o foco do PT será descontruir a imagem de Doria. Lula, por sinal, seria personagem importante na disputa (embora ferido de morte eleitoral pela Lava Jato) para garantir a reconstrução do ambiente democrático. Mas isso, claro, se sua prisão não vir antes com comprovação de desvios.

Sem Lula, o PT lançaria o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad? Isso é incerto. Ciro Gomes (PDT) seria uma aposta de realinhamento de esquerda, apesar das poucas chances que ele parece ter.

Marina também tem as suas vidraças: não está claro o que a presidenciável pensa sobre economia; há elementos religiosos incertos que pairam sobre ela (é pouco claro como isso pauta sua atividade política), o que lhe dá certo ar messiânico; falta-lhe clareza para apresentar propostas para além da causa ambiental.

Marina possui, porém, um ativo político que nenhum outro possível ou provável candidato à Presidência tem: ela une eleitores de centro, de esquerda e de direita.

Ao ficar sempre em cima do muro, a candidata da Rede conseguiu até agora evitar a polarização que ganhou corpo na sociedade a partir das manifestações de junho de 2013. É moeda cara neste momento ser alvo menos refratário do ódio de torcida que o quadro político ganhou, mas que pode se reduzir com as revelações da Odebrecht.

Doria, ao contrário, se fez político em cima do discurso anti-PT. Isso funcionou bem na eleição de 2016, quando um PT enfraquecido era o principal alvo da Lava Jato. Insistir nisso pode deixá-lo isolado num embate quixotesco de coxinhas x mortadelas caso Lula seja candidato.

O cenário mudou: os tucanos são grandes alvos da Lava Jato e as delações da Odebrecht mostraram que não é só o PT que roubou, mas todos os partidos do sistema político brasileiro.

Embora já haja um ensaio para carimbar Lula como “o maior ladrão de todos os tempos”, como Doria fará campanha sem ser associado como “amigo de Alckmin e de Aécio” (ambos citados por delatores)?

Esse cenário impõe ao eleitor decidir se quer manter a polarização na discussão inócua de quem roubou mais (PT ou PSDB) ou acalmar o próprio ânimo para superar os problemas que atingem a todos (desemprego o principal deles).

É por isso que Marina aparece no horizonte como a candidata em posição mais confortável. Além de não pesar contra ela nenhuma acusação de corrupção, Marina une desafetos numa sociedade partida. Esse ativo será valioso em 2018.

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