Investimento em ciência é saída sustentável para crise
Sociedade

Investimento em ciência é saída para crise

Países latinos investem pouco e mal em inovação e pesquisa; gastam 0,8% do PIB, quantia inferior à China (2%) e Israel (4,2%)

em 10/08/2016 • 09h00
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Um recente estudo mostra que, dentre os países da América Latina, o Brasil é o que mais investe em ciência no quesito P&D (Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico), com 1,23% em relação a seu PIB (Produto Interno Bruto). A média da região é de 0,76%. São valores baixos na comparação com outros países, como Israel (4,21%), Coreia do Sul (4,15%) e China (2,08%) e mostram que ainda há muito a avançar.

Esse levantamento foi feito pelo RICYT, uma rede de peritos, instituições e organizações interessadas na mensuração de ciência e inovação nos países ibero-americanos e que tem dados até 2013. A principal instituição que apoia o RICYT é a OEA (Organização dos Estados Americanos).

“Além de investirmos menos em ciência e tecnologia, temos muita concentração: três países, Brasil, México e Argentina, respondem por 90% do investimento regional”, afirma o argentino Rodolfo Barrere, coordenador do RICYT.

Seu trabalho mostra também que, enquanto o Brasil investe em ciência o equivalente a US$ 198 por habitante, a Argentina gasta US$ 98, o México US$ 80 e a Colômbia US$ 42 – a média da América Latina é de US$ 109. Países como EUA (US$ 1.443,85), Portugal (US$ 367,82) e Espanha (US$ 405,96) ficaram bem na frente. Interessante observar que, em quase todos esses países, os investimentos foram crescentes nos últimos anos, especialmente desde 2006. Neste quesito, o Brasil liderou o ranking até 2012, quando foi ultrapassado pela Costa Rica, que investiu em atividades científicas e tecnológicas o equivalente a US$ 209 por habitante (veja gráfico abaixo).

O pesquisador peruano Francisco Sagasti, ex-presidente do Conselho Consultivo de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento na ONU (Organização das Nações Unidas), lembra de suas visitas feitas na Coreia do Sul como um exemplo da falta de visão de longo prazo da América Latina.

“Lembro de minhas visitas à República da Coreia no início dos anos 70, quando, apesar da sua pobreza generalizada, houve uma decisão política de investir na criação de centros científicos e tecnológicos, em bolsas de estudo e programas de pós-graduação, além da promoção de indústrias de tecnologia intensiva. Tudo com uma perspectiva estratégica e de longo prazo. Na América Latina nós não fizemos isso nas últimas quatro décadas”.  

Ele ainda critica a ‘perda de uma oportunidade’: durante o boom das matérias-primas dos últimos quinze anos a região não alocou recursos suficientes no desenvolvimento científico e tecnológico. Outro fator que a região não aproveita é a integração maior entre investigadores e projetos científicos.

“Atualmente, os líderes políticos da região sofrem de uma cegueira estratégica, não entendem a importância da sociedade do conhecimento. Um componente essencial dos esforços neste domínio é a cooperação regional“, defende. ‎ ‎

Para o desenvolvimento da ciência também são importantes os artigos científicos porque divulgam pesquisas para a comunidade, de forma que permitem que outros possam utilizá-los e avaliá-los. As publicações científicas entram no Science Citation Index (SCI). A América Latina teve, em 2013, um total de 81.784 publicações.

“Os dados obtidos nas publicações são compatíveis com o investimento. A América Latina contribui com 3% do investimento global e participa em cerca de 5% das publicações em SCI. Mais investimento também aumentaria o número de publicações”, afirma Barrere.

Parte da comunidade científica também reclama que parte dessas publicações científicas tem baixa qualidade, seja porque contenham autoplágios ou sirvam apenas para progressão de carreira no funcionalismo público. O físico Luiz Davidovich, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), afirma que esse é um problema em todos os países do mundo e que cabe a cada comunidade científica criar normas para que seja minimizado.

“A China, por exemplo, antes de mudar seu sistema, chegou a ter 30% dos seus artigos acusados de plágio, muito porque os seus pesquisadores tinham aumento de salário na medida que mais artigos eram escritos. No Brasil o incentivo é diferente, avalia-se a qualidade da produção, sua contribuição para a ciência e para a sociedade. Isso torna mais fácil coibir abusos”, comenta.

Davidovich lembra também que uma condição comum de países da América Latina nas últimas décadas são os períodos de recessão econômica, com cortes de gastos em ciência. Na sua avaliação, essa medida gera um efeito contrário, pois dificulta sair da crise.

‘A ciência é das melhores formas de sair da crise de forma sustentável, criando conhecimento, bem-estar e riqueza. A China, em momentos de crise, aumenta o investimento em pesquisa.’

‘O Brasil vai ficando para trás em relação a outros países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia, que estão apostando em pesquisa em plena crise’, compara.

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FOTO: TISCHENKO IRINA/SHUTTERSTOK

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