Extrema direita dificulta implantação do acordo de paz na Colômbia
Análise

Extrema-direita dificulta acordo de paz na Colômbia

Senador colombiano Iván Cepeda, que participou do diálogo com as Farc, diz que implementação de políticas agrícolas no combate ao narcotráfico é maior desafio do acordo, por conta de setores conservadores

em 24/01/2017 • 10h00
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Após quatro anos de negociações, o acordo de paz entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano finalmente foi assinado e ratificado, em 30 de novembro. Além de buscar integrar os militantes das Farc à vida política do país e esclarecer e julgar os crimes cometidos durante os 52 anos de conflito, há três questões centrais para a consolidação do processo de paz: ressarcimento das vítimas, uma nova abordagem no combate ao narcotráfico e implementação de uma reforma agrária – a pobreza no campo é tida como um dos principais motivos que fizeram a guerra durar tanto tempo.

É por conta desses dois últimos pontos – nova forma de combate ao narcotráfico e reforma agrária – que Iván Cepeda Castro (foto), senador colombiano pelo Polo Democrático Alternativo e ‘facilitador’ dos diálogos de paz, acredita que “o acordo vai ter dificuldades significativas para ser aplicado”.

O documento planteia que a produção de drogas ilícitas na Colômbia está relacionada à pobreza no campo. Segundo Castro, quando não há terra e incentivos agrícolas para o camponês, ele acaba entrando na cadeia de plantação de cocaína. “A solução, que é razoável, é a substituição progressiva dos cultivos ilícitos por projetos de economia campesina e agrícola. Aqui onde está a dificuldade, pois temos um governo novo nos Estados Unidos, que é de extrema-direita, que não está na linha de promover um enfoque diferente em relação ao narcotráfico”, diz em entrevista exclusiva à Calle2.

Para o senador, que é defensor dos direitos humanos e porta-voz do Movida (Movimento de Defesa das Vítimas do Estado), as duas medidas enfrentarão dura oposição da extrema-direita não apenas internacional, mas colombiana.

'Tudo na criação dos acordos foi um desafio, sobretudo porque há setores da extrema-direita na Colômbia que não estão interessados em superar o passado, estão em oposição à reforma agrária, à restituição das terras aos camponeses, há problemas dos que têm acordo com o narcotráfico. A abertura política e democrática tem inimigos que vêm da velha política e da corrupção, que não querem que se deem esses acordos e que se possa avançar na democratização da Colômbia'.

Sobre o ex-presidente Álvaro Uribe (que fez campanha contrária ao acordo de paz), Castro tem opinião forte: “Todo o discurso de Uribe esconde seu grande medo de que seja chamado por um tribunal junto de seus colaboradores, a acertar contas com os crimes do passado e suas relações com paramilitares e narcotraficantes”.

O processo complexo incluiu um referendo no qual a maior parte da população rejeitou a primeira proposta apresentada, levando o texto final a ser ratificado pelo Congresso em novembro, sem a realização de um novo plebiscito (veja abaixo as principais mudanças no acordo).

Confira abaixo os melhores momentos da entrevista com Iván Cepeda Castro.

O acordo defende nova forma de combate ao narcotráfico. Que nova visão é essa?

O acordo não planteia a legalização, o que planteia é um problema social, já que a produção de drogas ilícitas está relacionada ao problema da pobreza rural. Se não há terra para o camponês, se não há projetos agrícolas, se não há vias de comunicação, estímulos, o que ocorre é o que há na Colômbia: quando se tem uma geografia tão ampla e uma diversidade tão grande, isso acaba promovendo o cultivo de ilícitos.

'A solução, que é razoável, é a substituição progressiva dos cultivos ilícitos por projetos de economia campesina e agrícola. Aqui onde está a dificuldade, pois temos um governo novo nos Estados Unidos, que é de extrema-direita, que não está na linha de promover um enfoque diferente em relação ao narcotráfico.'

E com relação ao tema do narcotráfico, sua política é essencial na América Latina, junto ao problema de perseguir os emigrantes centro-americanos. Esse acordo de paz vai ter dificuldades significativas para ser aplicado, mas há uma luta dos camponeses para a sua implementação.

Quais são os outros desafios do processo?

Tudo na criação dos acordos foi um desafio, sobretudo porque há setores da extrema-direita na Colômbia que não estão interessados em superar o passado, estão em oposição à reforma agrária, à restituição das terras aos camponeses, há problemas dos que têm acordo com o narcotráfico. A abertura política e democrática tem inimigos que vêm da velha política e da corrupção, que não querem que se deem esses acordos e que se possa avançar na democratização de Colômbia. Também há o perigo para os guerrilheiros que deixam as armas e para os líderes sociais. Setores de extrema-direita seguem assassinando líderes sociais, pessoas que estão na defesa dos direitos humanos e na luta pela paz.

Seriam os paramilitares?

São as mesmas estruturas de extrema-direita, que tiveram mudanças estruturais, mas historicamente são os mesmos setores muito apegados a esse capitalismo que há no campo colombiano, ao narcotráfico, ao comércio de armas, são apegados a esse capitalismo violento, que têm sido uma constante na história colombiana.

'Outra dificuldade é a outra guerrilha, o ELN (Exército de Libertación Nacional), que não chegou a um acordo de paz.'

Eles têm outro processo de diálogo nos últimos anos e chegamos a um pacto com uma agenda que têm seis pontos e deve ser discutida muito provavelmente na cidade de Quito, no Equador.

Como o senhor avalia a posição do ex-presidente Álvaro Uribe, que segue criticando o acordo?

É a atitude de um representante da velha política colombiana, dos setores que têm um grande medo da democracia, da paz, porque isso significa a perda de privilégios, mas também significa assumir responsabilidades de caráter penal. Todo o discurso de Uribe esconde seu grande medo de que seja chamado por um tribunal junto de seus colaboradores, a acertar contas com os crimes do passado e suas relações com paramilitares e narcotraficantes. Apesar de Uribe falar que não quer paz com impunidade, na realidade ele está defendendo a sua impunidade e de sua gente.

Qual o significado pessoal deste acordo para o senhor, que perdeu o pai assassinado por motivos políticos?

Essa é uma vitória histórica sobre inimigos da democracia e sobre os inimigos das mudanças sociais. A paz não é outra coisa que a obtenção de mudanças que melhorem as condições de vida da população, que se começa erradicando a violência, que vêm da pobreza e também das condições de repressão e perseguição política. Essa mistura de pobreza e totalitarismo foi o que marcou o fato de que na Colômbia se desenvolveu um conflito tão longo.

AS MUDANÇAS NO ACORDO DE PAZ

Entre a versão inicial e a que foi ratificada pelo Congresso, houve alterações em mais de 50 pontos; foram cinco os principais temas que receberam nova redação:

1. A incorporação dos termos do acordo de paz à Constituição colombiana foi o ponto que recebeu maior resistência de opositores; na versão final, apenas os temas relacionados aos direitos humanos seriam incorporados.

2. Alvo de polêmicas, a participação política de membros das Farc se manteve no novo acordo, mas o valor do fundo partidário, que seria de 10%, passou a não ter valor definido, sendo agora “equivalente ao valor médio recebido por partidos com fins eleitorais até a assinatura do acordo”.

3. A questão de gênero foi amplamente criticada por setores cristãos, especialmente evangélicos, que afirmaram ver um ataque aos valores da família e conseguiram reduzir as menções à igualdade de gênero entre homens, mulheres e comunidade LGBT de 144 para 55.

4. Com relação à Jurisdição Especial para a Paz,ocorreram duas mudanças principais. Enquanto o acordo original propunha uma anistia mais ampla e os uribistas defendiam mais prisões de guerrilheiros, o acordo final determina penas alternativas com restrição parcial de liberdade. Por outro lado, o novo acordo acabou com a possibilidade de haver juízes estrangeiros, permitindo a estes apenas o papel de assessoria.

5. O tema do narcotráfico, que originalmente receberia uma anistia mais ampla, no acordo final será analisado caso a caso, para se definir se foi praticado com objetivo de financiar a rebelião ou para enriquecimento pessoal.

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