As letras hispano-americanas são um tesouro ainda pouco conhecido dos brasileiros – e muitas autoras (publicadas em menor número do que os autores, tristemente) são responsáveis por essa riqueza. Por que ficar fora do que tem relevância, beleza e qualidade?
Basta checar as estatísticas: histórias escritas por eles dominam os prêmios literários, portanto, dominam o que é editado, resenhado e, enfim, lido pelas pessoas. Segundo um site norte-americano dedicado ao tema, o VIDA – Women in Literary Arts, 40% dos livros enviados ao prestigiado Booker Prize ao longo dos últimos cinco anos foram escritos por mulheres. No Brasil, de acordo com a pesquisadora Regina Dalcastagné, responsável pelo estudo Literatura brasileira contemporânea — Um território contestado, 72% dos autores publicados são homens.
Apesar de o panorama não ser equilibrado, boas escritoras estão por todas partes, especialmente na América Latina, que assistiu nos últimos anos a um salto de quantidade e qualidade na produção literária – guiado em grande parte por publicações de jornalismo narrativo, como a mítica revista peruana Etiqueta Negra, e por um aumento de cursos especializados em escritas criativas. Portanto, basta olhar para os lados e curiosear. Comece por aqui, com três sugestões de escritoras em plena produção e interessadas por temas que vão do feminismo à família e do cotidiana à guerra, passando pelo sexo.
Gabriela Wiener (Peru)
Nascida em Lima, no Peru, e radicada em Barcelona, na Espanha, Gabriela Wiener (foto) é uma jornalista e escritora de 41 anos, cuja voz literária pode se confundir com a sua própria. Isso porque boa parte do que narra é em primeira pessoa – em crônicas, relatos e reportagens que partem de uma imersão sua em algum universo alvo de sua obsessão, para ir além e contar muito mais.
São três os seus livros lançados (nenhum, ainda, em português): Sexografías, de 2008, um livro de jornalismo narrativo que trata de sexo, intimidade e amor, em que Gabriela se converte na protagonista da ação; Nueve Lunas, de 2010, uma autoinvestigação dos nove meses de gravidez de alguém se sente a léguas de distância do universo que rodeia as mulheres à espera de um filho – revistas de bebê, cursos para grávidas, opinião alheia etc; e Llamada perdida, de 2014, que reúne histórias intimistas, como conversas com sua filha Lena e descrições do seu próprio corpo, em que seu olhar se torna implacável, especialmente com ela mesma.
Mas sua obra vai além desses títulos. Bissexual, mãe de Lena, de 9 anos e de Amaru, de seis meses, e parte de um casamento a três, Gabriela é colaborada do jornal espanhol EL PAÍS, do peruano La República e de vários outros veículos, entre eles a Etiqueta Negra, onde, ela conta, encontrou sua voz. A falha de que seus livros não tenham ainda sido publicados no Brasil deve ser corrigida em breve, já que a autora foi convidada para a 14ª edição da Festa Literária de Paraty (de 29 de junho a 3 de julho).
Denise Phé-Funchal (Guatemala)
Nascida na Cidade da Guatemala, Denise Phé-Funchal, de 39 anos, é escritora, socióloga e professora universitária. Começou a publicar literatura em 2007, imersa em experiências prévias que teve trabalhando em uma clínica de atenção a mulheres vítimas de violência. Seus temas mais afins são a guerra guatemalteca e a família, dois espaços, segundo ela, que naturalizam um comportamento violento dentro da sociedade. É autora do romance Las flores (2007), do livro de poemas Manual del Mundo Paraíso (2010), do livro de contos Buenas costumbres (2011), do romance Ana sonríe (2015) e do romance para adolescentes La habitación de la memoria (2015).
Teve contos e poemas publicados em diversas antologias, se confessa herdeira de um dos maiores escritores guatemaltecos, Miguel Ángel Asturias, ganhador do Nobel de Literatura (segundo ela, “o autor que aqui temos que matar; cada país tem o seu”), e foi destaque da última Feira Internacional do Livro de Guadalajara, no México, palco indiscutível das letras hispano-americanas. Infelizmente, os brasileiros não a conhecem – não foi publicada ainda por uma editora nacional.
Rose Mary Salum (México)
Neta de libaneses que foram ao México fugindo dos horrores da Primeira Guerra, Rose Mary Salum é mexicana, mas fincou pé no Texas, onde edita as revistas Literal Publishing e Literal, Latin American Voices, especializadas em literatura, e escreve sobre relações humanas, guerra e desenraizamento. Acredita que, na literatura, as palavras têm a virtude de ser muito mais precisas, por um lado, e, por outro, levam o leitor a um mundo onde as imagens podem ser facilmente localizadas. E, assim ela, que pintava desde a adolescência, decidiu ser escritora. Seu livro mais recente, El agua que mece el silencio (2015), é um compilado de contos que pode ser lido como um romance, lançado também na última Feira Internacional do Livro de Guadalajara.
Na ponte entre México e EUA, Rose Mary tem uma escrita visual e escreve a partir de sua própria experiência. Porém, longe de fazer o que Gabriela Wiener faz em primeira pessoa, usa a fantasia para criar passagens poéticas, muitas vezes narradas pelo olhar de uma criança, como em El agua que mece el silencio (leia o conto de abertura do livro aqui). O resgate do protagonismo da mulher num mundo paternalista é discutido em sua obra, que inclui outro livro de contos, Entre los espacios (2002). Ao lado da filha diretora, ela produziu o documentário Ensoulment, uma análise do feminino na cultura ocidental. Nenhum de seus trabalhos chegou, por enquanto, ao Brasil.
Foto (Feria del Libro Bogotá): a peruana Gabriela Wiener, que estará na Festa Literária de Paraty