Eleições deste ano devem consolidar direita na América Latina   
Análise

Eleições latinas apontam para ‘fenômeno Doria’

Chile e Equador, governados pela esquerda, terão eleições presidenciais neste ano; favoritismo de 'políticos-empresários’ deve consolidar guinada à direita na região

em 03/01/2017 • 20h15
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“Temos que aprender muito com o presidente [chileno] Piñera: de sua liderança empresarial ao seu trabalho incansável que trouxe diversos resultados. É o que buscamos também para o Equador”, anuncia o vídeo promocional produzido após a visita do ex-presidente chileno e empresário Sebastian Piñera ao Equador, em setembro do ano passado.

Nas imagens, ele anda pela orla de uma praia em Guayaquil, no litoral do país, acompanhado do empresário Guillermo Lasso (à esquerda na foto), pré-candidato à presidência equatoriana nas eleições de fevereiro deste ano.

Se as pesquisas eleitorais realizadas no Chile e no Equador se confirmarem, Sebastian Piñera e Guillermo Lasso andarão juntos daqui um ano como presidentes, o que significaria o fortalecimento do ‘fenômeno Doria’ na política (empresário recém eleito à prefeitura de São Paulo) e a consolidação da direita na América do Sul.

Uma possível vitória dos dois colocaria ao menos quatro países sul-americanos nas mãos de ricos empresários regionais: além deles, há o presidente argentino, Mauricio Macri, e o paraguaio, Horacio Cartes, ambos proprietários de grupos financeiros e industriais em seus países.

Além disso, representaria a mudança definitiva da rota ideológica que vigorou no continente nos últimos dez anos, com a saída de dois líderes progressistas, Michelle Bachelet (Chile) e Rafael Correa (Equador), e a entrada de dois neoliberais em seus lugares.

Os resultados eleitorais de 2017, enfim, devem impactar 2018, quando ao menos sete países da região irão às urnas eleger novos presidentes: Brasil, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Paraguai, México e Uruguai.

Piñera, no Chile, parece estar próximo do poder: presidente do seu país de 2011 a 2014, pela Renovación Nacional (centro-direita), o empresário sempre foi o principal nome da oposição à atual presidente Michelle Bachelet. Duas semanas depois de entregar a faixa presidencial, ele reuniu aliados políticos e fundou a Avanza Chile, organização criada para criticar Bachelet.

Além de político, Sebastian Piñera Echenique (67 anos) é economista, professor acadêmico e empresário. Nos anos 1970 ganhou o direito de representar no Chile as redes de cartões de crédito Visa e Mastercard, dos EUA. Para isso fundou o Bancard, a maior de suas empresas que hoje praticamente domina todas as operações financeiras no mercado chileno.

Antes de ser presidente, Piñera era dono de 26% da companhia aérea LAN (hoje LATAM), do canal de televisão chileno Time Warner e do tradicional time de futebol Colo-Colo.  Segundo a revista estadunidense Forbesele é atualmente o 688º homem mais rico do mundo e o terceiro mais rico do Chile, com uma fortuna estimada em US$ 2,5 bilhões em bens e investimentos.

“Há uma tensão entre as duas vidas de Piñera: a de empresário e a de político. Ainda assim, ele consegue manter uma boa imagem pública, que continua blindada mesmo quando ele aparece envolvido em escândalos vindos dessa dualidade”, explica o professor de Ciência Política da Universidad Católica do Chile, Bernardo Mackenna.

Nos últimos meses, ele começou a conceder entrevistas aos principais veículos da imprensa chilena, viajou para outros países da região – como o Equador – e anunciou a construção de um projeto de governo.

Piñera se apega ao descontentamento da população para fincar seus interesses presidenciais. O governo de Michelle Bachelet é visto de forma negativa em praticamente todos os aspectos possíveis: 68% das pessoas acreditam que a situação política atual está 'muito mal', enquanto 59% da população qualifica o governo de Michelle Bachelet como 'pior do que esperava'.

“Quando Piñera foi presidente, as políticas econômicas tiveram resultados ruins, as taxas de crescimento caíram, a inflação aumentou. Nas eleições de 2013, as pessoas entenderam que a maneira de mudar os rumos era aceitar as propostas de Bachelet, que havia governado o Chile num bom momento econômico. No entanto, ela pegou um país ainda pior, e as coisas permaneceram assim durante todo esse período. A inabilidade dela e da sua coalizão nos últimos anos e as crises políticas dentro do governo fortaleceram os blocos emergentes. Piñera sai na frente para as eleições do ano que vem”, explica Mackenna.

A crise econômica também aparenta ser a grande motivação para o descontentamento das massas equatorianas, que colocam o empresário Guillermo Lasso como líder em algumas pesquisas de opinião para as eleições de fevereiro deste ano.

Em julho, quando os nomes dos postulantes ao cargo ainda não estavam definidos pelos partidos políticos, o Instituto Cedatos publicou que, se a eleição fosse naquele mês, 32% dos eleitores votariam no empresário, contra 29% dos votos para o atual presidente, o centro-esquerdista Rafael Correa, impedido de concorrer a um terceiro mandato por lei, mas que chegou a flertar com um movimento político que queria modificar a constituição do país para autorizá-lo a concorrer, como a Calle2 mostrou em agosto.

Lasso, que entrou na política em 1990 por meio do presidente Jamil Mahuad, de quem foi governador da província mais populosa do Equador, Guayas, e “super-ministro” da Fazenda e Energia, brigou com seu protetor, que foi deposto pelo exército em 2000. Voltou à política em 2013, quando reuniu os principais partidos da oposição e formou uma coligação para participar das eleições contra o presidente Rafael Correa, de onde sairia vertiginosamente derrotado ainda no primeiro turno (57% contra 22%).

No final do mês passado, o Cedatos convocou a imprensa – numa possível manobra política – para mostrar a ela os expressivos números negativos dos últimos anos de Correa como presidente: 70% da população quer “mudanças expressivas”, 37% estão “preocupados” com o futuro do país e 73% dos equatorianos acreditam que a direção econômica do governo está “incorreta”.

O dado mais dolorido para Rafael Correa foi divulgado no mesmo dia: se antes foi o governante com a aprovação mais alta da América Latina, ele hoje tem 51% de reprovação dos eleitores.

“O país viveu um auge econômico que deu uma popularidade absoluta a Correa, mas desde 2012, quando as taxas começaram a cair, foi possível observar que passaram a questioná-lo. Não à toa, ele decidiu sequer lutar pelo referendo que lhe poderia fazer disputar o terceiro mandato: se estivesse forte o suficiente, com certeza iria concorrer”, explica Santiago Basabe, professor do Departamento de Ciência Política da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), de Quito.

Guillermo Lasso, de 61 anos, tem tentado, em seu discurso pré-eleitoral, fazer apegar-se à sua imagem um aspecto de “trabalhador”. Para isso, repete em qualquer entrevista que conseguiu seu primeiro emprego aos 15 anos de idade e que, aos 23, já era dono de uma empresa, a construtora Alfa Y Omega, que hoje possui negócios com alguns estados do Equador. Em 1989, aos 34 anos, ele assumiu a vice-presidência executiva do Banco de Guayaquil, um dos maiores grupos financeiros do país e cuja existência está profundamente atrelada a ele.

“Lasso, por incrível que pareça, é de uma direita mais cristã, conservadora, diferente da direita da qual faz parte o Piñera, que me parece mais empresarial, neoliberal. O que está se equivalendo nas duas retóricas é apenas que eles estão se amparando no mal momento econômico da América do Sul para angariar a insatisfação dos eleitores com seus governantes atuais”, analisa Basabe. “O que é diferente, porém, é que está dando certo”, finaliza.

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