Denúncia pede fim de patrocínio empresarial a eventos com juízes
Sociedade

Denúncia pede fim de patrocínio a eventos com juízes

Associação Justiça e Direitos Humanos pede que CNJ revise normas e proíba que magistrados participem de eventos patrocinados por empresas

em 22/12/2016 • 11h10
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O auditório estava lotado, mas não era para menos. Entre os palestrantes, estavam o juiz Sergio Moro e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski. A presidente da Corte, Cármem Lúcia, foi convidada para o encerramento mas desistiu de última hora. O cenário é inusitado para um evento jurídico tão relevante: um resort de luxo em Porto Seguro, a poucos metros da praia, onde, no início de novembro, foi realizado o VI Enaje (Encontro Nacional de Juízes Estaduais), organizado pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil).

Entre os patrocinadores do evento, está a empresa Veracel Celulose, que responde a processos judiciais e já foi condenada por questões trabalhistas, ambientais e fiscais, segundo reportagem de O Globo.

Esta prática tem se tornado corriqueira no país. Magistrados participam, cada vez mais, de eventos jurídicos patrocinados por empresas, muitas vezes as maiores litigantes do país, em resorts ou hotéis de luxo, para discutir temas de interesse dessas companhias.

Para a JusDH (Associação Justiça e Direitos Humanos), a participação de magistrados em eventos que tenham patrocínio empresarial tem o potencial de comprometer a autonomia e a independência do Judiciário, já que gera aproximação de grandes empresas e escritórios de advocacia a juízes. Foi questionando essa proximidade que a associação entrou, no dia 2 de dezembro, com um pedido de providências no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) – órgão que regula a atuação de magistrados no país – para proibir que juízes participem de eventos patrocinados por empresas e escritórios de advocacia.

Desde 2013, a questão dos patrocínios é regulada pelo CNJ por meio da Resolução 170, que prevê que eventos realizados por escolas oficiais do Judiciário podem ter patrocínio limitado a 30% do gasto total; não há, porém,  limitação para seminários realizados por associações de classe. A norma determina ainda que magistrados só podem participar de eventos jurídicos ou culturais, patrocinados por empresa privada, como palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa. Nestes casos, o juiz poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento. Na prática, essas restrições não impedem os patrocínios e, pelo excesso de detalhes na regulação, dificultam a fiscalização por parte do CNJ.

O documento elaborado pela JusDh pede que o CNJ reavalie essa resolução, discuta o tema com a sociedade civil e proíba o financiamento empresarial a eventos jurídicos de qualquer natureza.

O momento é propício para este debate dentro do CNJ já que, quando tomou posse como presidente do conselho, em setembro deste ano, a ministra Cármem Lúcia defendeu uma revisão e uma simplificação das normas e resoluções da entidade.

Recebimento por palestras

Reportagem da Folha de 2015 denuncia que quatro ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.

A questão é polêmica, já que a Lei Orgânica da Magistratura, norma que define regras para o trabalho dos juízes, permite o “exercício de cargo de magistério superior, público ou particular”, mas não fala da hipótese de palestras fora de estabelecimentos de ensino.

Para André Augusto Salvador Bezerra, presidente da a AJD (Associação de Juízes para a Democracia), juízes não podem e não devem receber remuneração por palestras realizadas fora do mundo acadêmico. Já o patrocínio a eventos e associações de magistrados é mais complexo. “As associações são entidades privadas. Não cabe aos órgãos correcionais da magistratura atuar sobre elas. Mas não podemos ser ingênuos. Eventos organizados por tais associações e patrocinados por grandes empresas, ao final, beneficiam juízes, isto é, agentes públicos”.

A solução, segundo Bezerra, seria achar uma situação que equilibre essas circunstâncias: de um lado, a autonomia das associações e, de outro lado, a moralidade na gestão pública e a independência dos juízes. Uma alternativa seria dar maior transparência à questão, obrigando juízes a informar os locais que ministram aulas e palestras bem como a remuneração que recebem.

“A denúncia realizada por articulações como a Jusdh são benvindas, pois colocam o tema em discussão”, diz Bezerra.

Para a JusDh, autora da denúncia, a resolução deve limitar a atuação de juízes – e não de entidades ou de associações de classe. Uma alternativa seria impedir que juízes participem de eventos patrocinados – no entanto, se alguma associação quiser fazer um evento patrocinado, ela teria essa liberdade.

A AJD informa ainda que não conta com nenhum patrocinador em seus eventos. “Tivemos um encontro de fim de ano, em Garopaba, Santa Catarina, cerca de um mês atrás.  Os associados hospedaram por conta própria, sem qualquer subsídio”.

O CNJ informou que recebeu a denúncia e o pedido de providências da JusDH, mas que não há prazo para uma resposta. O conselho informou ainda, por meio de sua assessoria de imprensa, que realmente o órgão está reavaliando as resoluções, mas não esclareceu que providências toma para controlar o limite de 30% de patrocínio e o pagamento por palestras de juízes.

A AMB foi procurada pela Calle2 mas não se manifestou.

Entenda:

– A resolução 170/2013 determina que magistrados só podem participar de eventos jurídicos ou culturais, patrocinados por empresa privada, como palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa

– Nessa condição, o magistrado poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento

– A regra também fala que é possível que haja o patrocínio de até 30% de eventos promovidos por escolas oficiais de Direito; porém, não há limite para eventos organizados por associações de classe

‎- Há juízes que recebem pagamento por palestras organizadas por empresas; no entanto, a Lei Geral da Magistratura autoriza que juízes exerçam, além do cargo público, apenas atividade acadêmica

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