Curitiba: no olho do furacão brasileiro
Sociedade

Curitiba: no olho do furacão brasileiro

Calle2 lança seu primeiro vídeo-reportagem e traz personagens que foram às ruas da capital do Paraná no dia em que o ex-presidente Lula foi interrogado pelo juiz Sérgio Moro

em 13/05/2017 • 17h00
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O céu de Curitiba estava cinza no dia 10 de maio. O frio do outono sempre transforma a paisagem da capital paranaense. Mas o clima esquentou quando as ruas centrais da cidade amanheceram tomadas pelas bandeiras vermelhas carregadas pelos militantes do MST (Movimento dos Sem Terra) e por manifestantes de outros movimentos sociais, que vieram em mais de 400 ônibus de todos os cantos do Brasil para prestar solidariedade ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, 71 anos, que naquele dia seria interrogado pelo juiz Sérgio Moro, 44 anos, responsável pelas investigações da operação Lava Jato.

De nada adiantou o anúncio de página inteira do IDL (Instituto Democracia e Liberdade) publicado na Gazeta do Povo, o principal jornal do Paraná, convocando os moradores a “vestir Curitiba de verde e amarelo (…) em ato de apoio à Lava Jato”. Mistério dos mistérios, não se viu bandeiras do Brasil nas janelas de prédios, nem em carros ou motocicletas.

Para espanto geral, também não havia policiais acompanhando o protesto. Os cerca de 20 mil manifestantes da linha de frente de diferentes organizações de esquerda percorreram pacificamente uma extensão de quase quatro quilômetros desde o Acampamento da Resistência e Democracia, erguido ao lado da Rodoferroviária de Curitiba, até a praça Santos Andrade, onde fica a Universidade Federal do Paraná e palco de várias manifestações ao longo da história. No caminho, algumas vaias de moradores. A polícia só foi vista quando a passeata entrou na Mariano Torres, uma das ruas interditadas para impedir o acesso à sede da Justiça Federal, onde Lula foi interrogado. “Aqui, se dez pessoas resolvem sair às ruas para se manifestar sempre vai ter um agente de trânsito acompanhando”, afirma o professor Odair Rodrigues, 49 anos. Talvez por conta do transe que deixou Curitiba em suspense, o certo é que 1.800 policiais cercaram a sede da Justiça Federal, bloqueio que foi estendido por quatro quarteirões. Por conta disso, a passeata não encontrou resistência.

A Calle2 acompanhou a movimentação que tomou conta das ruas. Com direção de Zarella Neto e Guilherme Valverde, “Curitiba – No Olho do Furacão”, é o primeiro vídeo produzido pela Kott Konteudo em parceria com a Calle2, com depoimentos emocionantes e acalorados de militantes à esquerda e à direita.

Durante as filmagens, a equipe de reportagem chegou a ser questionada por ativistas que querem ver Lula na prisão. “De qual imprensa vocês são?”, “Por que não estão usando camiseta  amarela?”. Batemos em retirada ao perceber que a situação poderia nos atingir de uma maneira nada civilizada. Os ânimos exaltados podem ser conferidos no vídeo, que buscou mostrar os dois lados de um país dividido entre o discurso de ódio quase esquizofrênico dos que estão à direita diante do depoimento de pessoas humildes alinhadas à esquerda e que foram confinadas em um acampamento improvisado em um terreno às margens de uma linha de trem.

Durante todo o dia pensei: o que fez o Brasil chegar a esse ponto de polarização? Uma militante que adotou o nome Kelly Bolsonaro, 30 anos, moradora de Brasília, é um retrato da nova direita do país. Sem base, sem provas, é convicta em afirmar que vários ônibus vieram da Bolívia (?!!) até  Curitiba “porque não tinha muitos brasileiros” para se manifestarem a favor de Lula. E em tom de desculpa justificou o número baixo de ativistas contra o ex-presidente porque os moradores da cidade respeitaram o apelo de Sérgio Moro, que divulgou um vídeo onde pediu para os apoiadores da Lava Jato não saírem às ruas.

O nonsense chegou a tal ponto que Euro Magalhães, 69 anos, tenente-coronel da reserva da Aeronáutica, pedia intervenção militar já e dizia que “por ter sido muito democrática a ditadura militar deixou o Brasil virar o que é hoje”. Foi aí que me questionei:  por que diabos os cerca de 50 ativistas fãs de Sérgio Moro que desobedeceram ao pedido do juiz decidiram se concentrar diante de um museu batizado com o nome do arquiteto Oscar Niemeyer, um histórico e fervoroso comunista, e pedir a cabeça de Lula?

A lembrança da trajetória de Niemeyer me conduziu até a militante feminista Ligia Costa, 40 anos, que levou 52 horas para vir de Teresina, no Piauí. Revi seus olhos lacrimejados quando conversei com ela na porta do Bar do Lu, famoso ponto de encontro de petistas próximo à praça onde Lula faria um discurso horas depois de ser interrogado por Moro, diante de 50 mil pessoas. Seu ônibus, assim como dezenas de outros, foi parado na BR-116 pela Polícia Rodoviária Federal. “Disseram que estavam procurando maconha e tudo que encontraram foram pacotes de rapadura”, disse Lígia. “Me senti agredida por não ter uma policial feminina para pegar em mim. O policial pegou no meu bolso para me revistar. Me senti assediada, invadida. Mas estamos correndo para uma guerra. Mexeu com nosso companheiro Lula, mexeu conosco”, afirmou.

Também pensei em Jerry de Souza, 41 anos, que veio do Acre em um dos três ônibus que deixaram o estado com um total de 126 pessoas e me disse que “se Jesus estivesse na Terra ele estaria no meio da gente, na luta com os trabalhadores”. Voltei até a representante de vendas Adriane, que não quis revelar seu sobrenome e idade, mas acompanhou da calçada a passeata e afirmou ser contra Lula “porque ele tem muita culpa”, mas ao ver a multidão a favor do petista disse que “cada um tem os seus motivos e temos que respeitar”.

Também pensei no mecânico aposentado Liberato Aparecido Gonçalves Santos, 65 anos, que considera o juiz Sérgio Moro muito parcial porque vive pegando no pé do Lula. “Precisa provar que o triplex do Guarujá é dele. Se provar tudo bem, mas por enquanto ninguém provou nada. A Rede Globo todo dia fala que o Lula é dono do triplex. Precisa provar. Não tem documento no cartório registrado no nome dele”, afirma.

Também pensei em Igor Ferreira, 31 anos, analista de informática, que vê o que ocorre hoje no país como uma “oportunidade de passar o Brasil a limpo”. E lembrei do taxista Vicente Cristino Santana, 53 anos, que acha “tudo isso uma palhaçada, não tem cabimento” e deu sua sentença: “Julga o Lula lá, põe na cadeia e pronto. Mas tem que ter prova. Têm outros com um monte de provas que não vão pra cadeia, estão soltos, como Aécio, Alckmin, Temer”. Motorista há quase 30 anos, ele garante que a maioria dos moradores de Curitiba é contra Lula. “Tinha que ter uma nova eleição. Dilma, Temer, é tudo farinha do mesmo saco”, analisa Vicente, que votaria em Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. “Ele ganharia estourado”, acredita.

Camila Georg, 33 anos, única mulher negra que estava entre os cerca de 50 ativistas que querem ver Lula atrás das grades, gostaria de ver Sérgio Moro cada vez mais na mídia. “Ele aparece muito pouco. Deveria aparecer mais”. Para ela, “hoje em dia o preconceito contra o negro é mais social porque o negro, se tiver dinheiro, não sofre preconceito”, avalia.

Esse Brasil contraditório, que na capital paranaense mostrou sua face, com pixulecos erguidos pela direita e estandartes vermelhos empunhados pela esquerda, por pouco não partiu para a luta livre no dia 10 de maio. Mas está no ringue e muito longe de sair dele.

Direção de vídeo Guilherme Valverde e Zarella Neto
Produtora Konteudo
Fotos Zarella Neto
Assistente de fotografia Zé Lobarinhas Jr.

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