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Conheça os Kogui, guardiões do coração da Terra

Tribo da Colômbia que sobreviveu à colonização espanhola acredita que sua missão é cuidar do mundo e alertar todos os povos sobre como temos feito o planeta sofrer 

em 19/04/2017 • 18h50
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Eles vestem branco, andam descalços e estão sempre em bando. Suas faces marcadas pelo tempo e cabelos negros ao vento evidenciam a trajetória de muita luta e sol escaldante na moleira pelo norte da Colômbia. Reclusos nas montanhas de Sierra Nevada de Santa Marta, na costa caribenha, e envoltos pela selva (e por guerrilheiros, exploradores e traficantes de drogas) vivem 20 mil indígenas da tribo Kogui.

Única sociedade pré-colombiana que conseguiu permanecer intacta após a colonização espanhola, os Kogui são descendentes dos Tayrona, que sobreviveram graças à decisão de subir e viver no alto das montanhas da região conhecida como o coração da Terra. O apelido carinhoso se justifica. A Sierra abriga quase todos os ecossistemas do planeta: geleiras, tundra, lagos alpinos, desertos, florestas, zonas úmidas e recifes de coral.

Muito conectados com a natureza, os indígenas acreditam que sua missão é cuidar do mundo - um mundo que eles temem que está sendo destruído por nós, seus irmãos mais novos.

Percorrendo a rodovia Migueo, que liga todo o norte colombiano até a fronteira com a Venezuela, é possível avistar vários indígenas caminhando. Com semblante mais sério e ar cético eles mastigam folhas de coca, carregam bolsas tecidas à mão e estão sempre com seu principal instrumento, o poporo, símbolo do respeito aos seus ancestrais e meio pelo qual se energizam e se conectam com sua crença.

Recipiente repleto de pó de cal que os Kogui extraem por meio da queima das conchas que coletam do mar, o poporo é concedido aos meninos que estão prontos para adentrar a vida adulta e estritamente proibido às mulheres. Ao mascar as folhas de coca, os indígenas a misturam com um pouco do pó de cal presente no poporo. Essa combinação, acreditam, leva ao estado necessário para se comunicarem mais facilmente com os seus antepassados.

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Para fazer valer a missão de cuidar do mundo e acreditando que ouviram um chamado da natureza, os Kogui fizeram contato com a civilização por duas vezes nos últimos 30 anos, através de documentários com a rede britânica BBC: “O coração da Terra”, em 1990, e “Aluna”, em 2003. O objetivo era alertar as sociedades industrializadas da possível catástrofe que ameaça o planeta, causa e efeito de nossas próprias atitudes exploratórias. Esse senso de urgência não veio à toa. Por causa de sua estrutura ecológica única, a Sierra Nevada espelha o resto do planeta. E com frequência os Kogui têm testemunhado deslizamentos de terra, inundações, desmatamento, secagem de lagos e rios e a morte de árvores. Se tudo isso acontecia por lá, eles tinham plena convicção do sofrimento sentido em outros continentes.

“É impressionante como eles conseguem prever consequências naturais na Sierra sempre que tem alguma interferência na vegetação ou nos rios. Eles têm um profundo conhecimento da geografia e da natureza, acreditam que o planeta é um organismo vivo, se machucado em uma parte, sofre no todo”, diz Orlando Melleiras, proprietário de um bar em Palomino, uma das vilas no pé da Sierra.

Os Kogui vivem em aldeias, com cabanas circulares feitas de folhas, pedra, lama e palmeiras. Os homens ficam em cabanas separadas das mulheres e crianças. A base de sua economia é a agricultura de subsistência. No passado, cada família tinha uma área vasta para plantar e cuidar, mas a colonização e depois as guerrilhas limitaram o seu território e a terra disponível. Atualmente, eles se aglomeram mais próximos e cultivam banana, batata, milho e cana de açúcar, além de caçar e pescar nas veias dos rios que circundam a Sierra. Seus modos de vestir são bastante simples, com trajes brancos que simbolizam a Grande Mãe e a pureza. As mulheres escolhem, separam e tecem a lã e o algodão, enquanto os homens fazem a tecelagem do pano.

Na essência da espiritualidade desse povo está Aluna, uma espécie de consciência cósmica que rege a vida, a inteligência e a alma da natureza. Essa crença é compartilhada por praticamente quase todas as tribos indígenas existentes no planeta. Até aí nada de diferente. Mas o que distingue os Kogui é que seus líderes, chamados de Mamo, passam nove anos de sua formação na completa escuridão para aprenderem a se conectar com a verdadeira fonte de energia e responderem às suas necessidades, habilidades que eles julgam essenciais para a manutenção do equilíbrio na Terra.

Por meio de profunda concentração, ofertas simbólicas e prática ao divino, os Mamo acreditam que contribuem para o equilíbrio da harmonia e criatividade no mundo. É também nessa crença que a essência da agricultura é nutrida, sementes são santificadas por Aluna antes de serem plantadas; casamentos são abençoados para garantir fertilidade e cerimônias são ofertadas para diferentes espíritos do mundo natural. Para os Mamo, o fim do mundo está próximo, pois os seus irmãos mais novos não estão interessados em proteger a casa onde habitam.

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Depois de séculos isolados nas montanhas, os Kogui hoje já se relacionam com seus vizinhos colombianos. Alguns falam espanhol e frequentam escola, comercializam artesanato e abrem as portas de suas casas para tours guiados com grupos de turistas curiosos para desvendar os segredos desse povo. E assim eles vão vivendo e tentando conservar as suas belas tradições, celebrando todos os ciclos de vida, até a morte, que é vista como uma satisfação perante seus ancestrais, pois acreditam que estão devolvendo a pessoa para o útero da Deusa Mae, Aluna.

O ano de 2010 foi bastante emblemático para os Kogui. Antes de tomar posse em Bogotá como presidente eleito da Colômbia, Juan Manuel Santos pediu a benção da comunidade indígena durante um ritual na cadeia montanhosa de Sierra Nevada conduzido pelos Kogui. Após a cerimônia, recebeu um bastão de comando dos líderes espirituais locais, simbolizando o comprometimento do novo presidente com a natureza e o passado pré-colombiano. Esse fato ficou marcado na região e foi noticiado em todo o mundo. “Foi um ato de humildade, coragem e união. A Colômbia precisa ver que seus ancestrais têm o poder espiritual para ajudá-la na recuperação e crescimento, e os indígenas daqui têm o conhecimento para se conectar com a natureza de forma muito intensa, precisamos acreditar nisso”, reforça a guia Paloma Castellos, de Palomino.

No entanto, os Kogui continuam protestando e pedindo reflexão dos seus irmãos mais novos sobre as interferências feitas na natureza, que impedem o ciclo da vida e sua conexão com a fonte divina que rege o planeta. Mesmo sem tecnologia, indústrias e aparatos da modernidade, a sabedoria desse povo põe em xeque séculos de estudo que seus irmãos mais novos gastaram tanto tempo e energia para adquirir. Mas infelizmente, nós, os caçulas, continuamos negligenciando o poderoso ditado que diz que o melhor da vida é realmente aquilo que tem vida.

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