Mais um presidente latino com reeleições indefinidas?
Análise

A onipresença de Rafael Correa

No comando do Equador desde 2007, Correa está atualmente no seu último ano de mandato – mas um coletivo pede um referendo para que ele possa se eleger mais uma vez

em 23/08/2016 • 01h00
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“Querido país. Nesse mesmo dia, no ano que vem, haverá um novo governo. Hoje realizo meu último informe à nação”, afirmou, em maio, o presidente do Equador, Rafael Correa, depois de cruzar o tapete vermelho que antecedia a entrada principal da Assembleia Nacional, na capital, Quito.

A repetição de fardas e fuzis nas imediações do local davam o tom do que o último 24 de maio reservou para a população equatoriana. O presidente adentrou um salão repleto de espectadores sedentos por uma avaliação do que havia ocorrido no país naquele último ano − e uma projeção para os meses derradeiros de sua vida política − no tradicional informe realizado anualmente desde que assumiu o poder, em 2007. A expectativa pelo pronunciamento também se justificava pelo terremoto que assolara o país um mês antes, com cerca de 600 mortos, 17 mil feridos e 29 mil desabrigados.

Diante deste cenário, e de uma economia abalada pela queda de quase US$ 40 no preço do barril do petróleo, Rafael Correa está em um dilema político fundamental: concorrer ou não à presidência do país nas eleições marcadas para fevereiro de 2017?

A dúvida ganhou corpo em dezembro do ano passado, quando a Alianza País – partido presidido por Correa e com maioria parlamentar – propôs uma série de mudanças na Constituição. Entre elas, tornar possível a reeleição ilimitada a partir de 2017. A medida, que gerou diversos debates entre situação e oposição, teria validade a partir de maio de 2017 e, assim, Correa não poderia se candidatar para mais quatro anos de governo.

Em abril desse ano, no entanto, um fator novo modificou o panorama.

“A partir das mudanças ocorridas em dezembro de 2015, iniciamos uma campanha nas redes sociais, uma espécie de voluntariado, por todo o país, recolhendo assinaturas que permitam o presidente concorrer mais uma vez”, afirma Stephania Baldeón, líder do movimento Rafael Contigo Siempre, à Calle2.

Aos 30 anos, a jornalista e empreendedora encabeça, ao lado de Pamela Aguirre, o movimento que se espalhou pelo Equador como alternativa para que Rafael Correa possa estar no pleito de fevereiro de 2017.

A brecha foi dada por uma decisão da Corte Constitucional que, em abril, determinou que um referendo com a população poderia revogar a decisão que impede Rafael de se candidatar nas próximas eleições.

Para isso, a decisão deveria tramitar como emenda popular e ser apoiada por 8% da população, o que corresponde a 928 mil assinaturas.

Ainda que o presidente já tenha deixado clara sua posição contrária ao novo mandato presidencial, o coletivo Rafael Contigo Siempre entregou, na última semana agosto, um 1,400 milhão de assinaturas ao Conselho Nacional Eleitoral para viabilizar o referendo.

“Correa já disse que não pretende concorrer, mas nós entendemos que talvez ele possa mudar de posição depois de ver a mobilização de tantos jovens que ele inspirou”, ressalta Stephania Baldeon.

O coletivo Rafael Contigo Siempre é, de acordo com ela, uma soma de esforços em diferentes escalas sociais. O grupo tem em sua base a população privilegiada por Correa nesse últimos nove anos de mandato, através de programas sociais para redução do desemprego e uma divisão mais igualitária dos recursos do país. Isso não impede que empresários, músicos e representantes da parte de cima da pirâmide social façam parte do coletivo.

“Algumas pessoas importantes, como músicos, artistas, editores, produtores também contribuíram”, diz Baldeón, que salienta o fato de equatorianos que vivem no exterior terem participado da campanha. “Pessoas que vivem nos EUA, Canadá, na Europa, fizeram atividades diferentes para poder participar de alguma maneira. O Conselho Eleitoral nos deu a permissão de enviar o formulário pela internet, em PDF. Isso nos ajudou”, completa.

Enquanto quase um 1,5 milhão de pessoas tentam dar sobrevida a Rafael Correa como presidente, os números mostram que uma outra parte da população não está satisfeita com o desempenho atual do mandatário.

No fim de maio, o instituto de pesquisa Cedatos (Centro de Estudios e Datos) divulgou uma pesquisa que apontava 54% de desaprovação do governo de Correa, contra 39% de aprovação. Nas intenções de voto, Correa aparece com 30%, contra 29% do direitista Guilherme Lasso (Partido Criando Oportunidades), derrotado nas eleições de 2013.

Presidente da Alianza País, Rafael Correa presenciou, nos últimos dois anos, a diminuição do poder político. A oposição conseguiu superar o partido e conquistar a prefeitura das principais cidades do país: a capital Quito, além de Guayaquil (segunda cidade mais importante e onde está localizado o principal porto do país) e Cuenca. A dissolução do poder pode significar um cenário novo nas eleições marcadas para 2017.

“O Equador constitui uma grande incógnita. Muitos e desconhecidos caminhos se abrem nesse momento, diante de uma economia debilitada e sem a presença do líder [Correa] nas próximas eleições”, disse Simón Pachano, doutor em ciência política pela Universidade de Salamanca, em artigo no jornal El Universo.

Na última quinta-feira (19), Rafael Correa deu mais um indício de que não deve concorrer à presidência do país em fevereiro do ano que vem.

'Estou seguro de que se fosse candidato novamente, os derrotaria outra vez. Há um legado, há consciência, há uma pátria nova. Mas minha decisão já está tomada', disse Correa no Twitter.

No poder desde 2007, e portanto um dos presidentes mais antigos na América Latina – ao lado de Evo Morales (Bolívia 2006), Daniel Ortega (Nicarágua 2007) e Raúl Castro (Cuba 2008), Rafael Correa parece ter observado a situação do companheiro Evo, que foi derrotado em um referendo em abril desse ano, quando tentou, através do voto popular, alterar a constituição do país para poder se candidatar nas eleições de 2020.

O Conselho Eleitoral tem até o início de setembro para dizer se as assinaturas entregues são válidas. A partir daí, uma nova data para o referendo será marcada, e os equatorianos irão às urnas para dizer se aceitam a presença de Rafael Correa na próxima disputa presidencial.

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