A maior medalha dos atletas latinos: a superação
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A maior medalha dos atletas latinos: a superação

Dos seis atletas latinos que conquistaram medalhas, três têm histórias parecidas com a de Rafaela Silva, como a colombiana Yuri Alvear, que vendia empanadas para participar de torneios

em 12/08/2016 • 01h30
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“Tenacidade” – do latim tenax, que significa “aquele que é resistente” – foi a palavra selecionada pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez para expressar ao mundo uma das características inatas dos nascidos na América Latina.

“América Latina, uma pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda”, disse, em 1982, antes de receber o Prêmio Nobel de Literatura.

Na região mais socialmente desigual do mundo, tenacidade é mais do que uma característica natural: é uma forma de sobrevivência. Aplicada ao esporte – uma das maneiras humanas de premiar os tenazes – ganha uma estranha beleza que, em tempos de Olimpíadas, é explorada como sentimento e mercadoria.

Dos seis medalhistas olímpicos latino-americanos até agora nos Jogos do Rio de Janeiro, três podem ser agrupados no traço inato que, 34 anos atrás, Garcia Márquez riscou para esta região do mundo. O halterofilista colombiano Óscar Figueroa (foto), sua conterrânea judoca Yuri Alvear e a brasileira Rafaela Silva. Não à toa, suas histórias foram contadas como sucesso, recontadas como superação e, enfim, compreendidas como lendas.

Óscar Figueroa (Colômbia) – ouro no levantamento de peso

Até os nove anos de idade, Óscar Figueroamedalha de ouro no levantamento de peso para homens até 62 quilos, nesta semana – dividia seu tempo entre jogar futebol nas ruas de terra da pequena e pobre Zaragoza (Colômbia) e as longas viagens com o pai, Jorge, até o vilarejo de Río Pocuné, onde até hoje a população acredita ser possível encontrar ouro em abundância.

Sua família foi obrigada a deixar a cidade em 1992, quando a região foi tomada por grupos guerrilheiros e paramilitares. Foram viver a 610 quilômetros de distância, no município de Cartago. Com os pais desempregados, eles dependiam da pesca para matar a fome.

Filho de garimpeiros do interior da Colômbia, Óscar Figueroa ganhou ouro no levantamento de peso (para homens com até 62 quilos).

“Aquela situação me deu a consciência de que precisava me superar de alguma forma. Foi um momento de transformação. O caminho entre Zaragoza e Cartago mudou a minha vida”, contou ao canal Señal Colombia logo após as Olimpíadas de Londres, em 2012, quando ganhou a medalha de prata no levantamento de peso (para atletas com até 62 quilos) e bateu o recorde olímpico que persiste até hoje (levantou 177 quilos).

Em Cartago, Figueroa teve dificuldades de adaptação e só conseguiu se relacionar com os colegas da escola depois que foi chamado por um professor de educação física para participar de suas aulas. Jogou futebol, basquete e lutou karatê até ser aconselhado pelo mesmo instrutor para levantar barras de ferro, por causa de sua nítida vantagem muscular.

Abençoado conselho, pois Óscar, que já havia virado um herói nacional com o resultado de quatro anos atrás (quando ganhou prata em Londres), agora levou o ouro. Foi a primeira medalha dourada de um atleta do sexo masculino representando a Colômbia em Jogos Olímpicos.

Yuri Alvear (Colômbia) – prata no judô feminino

Filha de uma lavadeira com um carregador de sacos de arroz, Yuri Alvear não havia praticado nenhum esporte até os 14 anos, quando o professor de educação física do seu colégio, Ruperto Tamayo, a flagrou segurando seu irmão pelo colarinho, levantando-o contra a parede em uma briga.

“Quando vi a roda e a briga pensei que eram dois meninos”, contou Tamayo ao jornal El Tiempo em 2014.

Tamayo ouviu o diretor do colégio repreender a menina dizendo que aquele não era um “comportamento adequado para uma mulher”, mas resolveu esperá-la no portão de saída para convidá-la a treinar judô. No dia seguinte, antes do início das aulas de matemática, ela se apresentou na quadra improvisada da escola. Era o verão de 2000.

Filha de uma lavadeira com um carregador de sacos de arroz, Yuri Alvear já vendeu empanadas nas ruas para levantar dinheiro para participar de torneios.

Em 2003, quando Alvear já era conhecida pelo seu envolvimento com as artes marciais, veio o primeiro convite internacional: disputar um torneio juvenil em Buenos Aires, na Argentina.

“Não consegui guardar o dinheiro inteiro para a viagem e meus pais não tinham como completar. Eles ficaram desesperados. Começaram a penhorar as coisas que tinham em casa, mas como não havia nada de muito valor, não conseguiram me ajudar”, contou também ao El Tiempo. Sem o dinheiro, ela só foi conhecer a Argentina anos depois em uma viagem de férias.

Em outra ocasião, convidada a competir em Bogotá, passou o mês anterior vendendo empanadas nas ruas para reunir o dinheiro necessário para a viagem. Deu certo: apesar de não ganhar medalhas, conheceu a cidade que até então só via pela televisão.

Em 2008 disputou sua primeira Olimpíada, na China, onde terminou na sétima colocação. No ano seguinte, conquistou a primeira medalha de ouro de sua vida em um campeonato mundial. Assim como Óscar Figueroa, se tornou celebridade nacional em um país que, como o Brasil, coloca a maioria dos seus olhos para os jogadores de futebol.

Em 2012, com 26 anos, Alvear chamou a atenção do mundo ao conquistar o bronze olímpico em Londres. Na última quarta-feira (10), no Rio, ela chegou ao seu melhor resultado: venceu três partidas seguidas nas preliminares. O país parou para assistir sua luta contra a japonesa Haruka Tachimoto no final da tarde daquele dia, mas ela tomou dois wazaris da adversária aos dois minutos de luta e não conseguiu reagir.

“Fiquei muito nervosa. Me desculpem”, explicou aos jornalistas colombianos dividindo as palavras com um choro de soluçar. “Ainda assim, superei minha conquista de Londres”, completou, lembrando sem saber das palavras de Gabriel García Márquez em 1982.

Foi desculpada: o vídeo da luta rodou pelas redes sociais dos colombianos, o presidente do país, Juan Manuel Santos, publicou uma mensagem em que dizia que o país “se inspirava” na sua história e a imprensa se dedicou a contá-la. No dia seguinte, o jornal El Espectador publicou um artigo dizendo que Alvear “vale toda a prata do mundo”.

Paula Pareto (Argentina) – ouro no judô

Além da judoca brasileira Rafaela Silva – nascida numa das comunidades mais famosas do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus – que teve sua história largamente difundida na imprensa mundial, outra atleta latino-americana com um passado não tão sofrido, mas que também prova a tenacidade inata dos povos desta parte do mundo, atingiu a glória só possível aos atletas olímpicos: a judoca argentina Paula Pareto venceu a sul-coreana Bokyeong Jeong na categoria feminina até 48 quilos no dia 6 e se tornou a primeira mulher do país a conseguir o feito e a primeira atleta a receber duas medalhas em esportes individuais (ela ganhou o bronze na mesma categoria em Londres/2012). Também chorando, só conseguia falar uma palavra à imprensa depois de sua vitória: “superação”.

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