A magia da intocada Cabo Polônio 1
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A magia da intocada Cabo Polônio

Com mais lobos marinhos do que habitantes, a inóspita vila no litoral do Uruguai surpreende com sua simplicidade e preservada natureza, convidando os visitantes a desacelerarem

em 16/09/2016 • 10h59
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Uma vila parada no tempo. Essa é a primeira impressão que Cabo Polônio, no Uruguai, passa aos turistas que chegam ao local, que se mantém sem luz elétrica, internet, água encanada ou ruas asfaltadas. A tranquilidade do cotidiano em contato com a natureza, trazida por essa ausência das comodidades da vida moderna, somada às suas belas paisagens, fazem o vilarejo ficar para sempre na memória de quem já o visitou.

A experiência de conhecer o pequeno balneário, no entanto, torna-se única no inverno, quando as baixas temperaturas e ventos constantes afastam os turistas, levando parte do já tímido comércio, a fechar as portas. É longe da alta temporada de verão, época em que a vila com cerca de 100 habitantes multiplica sua população atraindo jovens em buscas de festas e praias, que Cabo Polônio mostra toda a sua essência.

O caminho até o vilarejo, que fica no departamento do município de Rocha, a 263 km da capital Montevidéu, dá os primeiros indícios de seu isolamento e pode ser feito de duas formas. A pé, a partir de Barra de Valizas, vila vizinha, em um percurso de sete longos e cansativos quilômetros entre as dunas de areia macia. Ou com caminhões autorizados a prestar o translado, partindo do Parque Nacional de Cabo Polônio, onde fica a vila, e que faz parte do Sistema Nacional de Áreas Protegidas do Uruguai. Na entrada do local, compra-se um ingresso para pegar um destes veículos que levam os turistas até o vilarejo, saindo em horários regulares de 20 minutos, na alta temporada.

Em um início de tarde nublado e frio, chegamos a tempo para pegar um dos caminhões que estava de saída. O veículo, que lembra mais um “pau-de-arara”, atravessa os 7 quilômetros do percurso aos solavancos, em um terreno de mata fechada, alagadiço, irregular, cheio de buracos e areia. Os cinco passageiros que se aventuram na empreitada precisam se agarrar aos bancos de madeira e barras de metal para não se machucar. O chacoalho só termina na chegada de uma praia da região, tão intocada que surpreende e encanta.

Após mais alguns minutos de trajeto pela orla, avistam-se as primeiras casas, sempre muito espaçadas entre si e sem trilhas demarcadas no chão para acessá-las. Ao chegar ao “centro” do vilarejo, o veículo estaciona ao lado de um barranco de terra, que até lembra uma praça. Em volta, apenas ruas de areia, espremidas entre casas, cabanas e simples vendinhas, todas de madeira e materiais reaproveitados.

Há quem prefira apenas passar o dia em Cabo Polônio e voltar no final da tarde.  Mas, uma das magias do lugar se resguarda exatamente à noite – mas isso contaremos mais à frente. O hostel é a hospedagem mais comum, mas também existem pousadas, muitas abertas apenas na alta temporada.  Pode-se também alugar uma das pequenas casas disponíveis. Entretanto, não espere conforto, no vilarejo impera a simplicidade, sempre acompanhada de uma recepção singela e acolhedora.

No hostel que escolhemos para dormir, apenas um funcionário, que aparenta não ter mais de 25 anos, nos recebe com simpatia e mostra as dependências mal iluminadas por um gerador de energia caseiro. Os quartos, com no máximo 2 metros quadrados, mal cabiam as camas e eram aclarados por pequenas janelinhas de acrílico. O dono da casa, que nitidamente foi adaptada e ampliada aos poucos para virar uma hospedagem, é um simpático senhor de barba branca que parece fazer parte da mobília, passa boa parte do tempo sentado em uma velha poltrona de couro na sala, conversando com os hóspedes quando estes puxam assunto.

Deixadas as mochilas no quarto, é hora de andar pelo vilarejo e reconhecer o terreno. De qualquer lugar da vila é possível avistar o imponente farol na ponta da praia e esse será o nosso primeiro destino. Construído em 1881, o imenso sinalizador tinha o objetivo de orientar os navios a evitarem se aproximar da costa rochosa. A fama de naufrágios na localidade conferiu também um ar misterioso e cercado de lendas, entre elas, acredita-se que foi um dos navios imersos que deu o nome ao vilarejo. Uma das histórias conta que em 1735, o galeão espanhol “Polonio” viu sua embarcação ir a pique na região. Outra possibilidade é que é o nome venha do Capitão Don Joseph Polloni, que comandou outro navio espanhol afundado, em 1753. Os trabalhadores que construíram o farol se tornaram alguns dos primeiros moradores fixos, também composto de pescadores e pessoas atraídas pela tranquilidade do local.

No caminho até o farol, pela orla da praia, milhares de conchas cintilantes brancas, azuis, roxas e marrons, tomam o lugar da areia na paisagem. Ao final do trajeto, é preciso subir algumas rochas para chegar ao imenso gramado onde está o farol. Dali é possível observar outras pequenas construções de madeira ou alvenaria, que parecem abandonadas, espalhadas por todos os lados.

Ainda é preciso vencer os 26 metros de altura do farol, subindo uma escadaria espiral, estreita e desajeitada. Ao final, o presente: uma pequena porta de metal dá acesso a um mirador de onde se vê todo o rochoso litoral e o vilarejo, com sua porção de casinhas brancas e marrons espalhadas na ponta do continente que avança no mar. O sol aparece iluminando o mar e dando pistas que teríamos a chance de ver o pôr do sol, após um dia cinzento.

Depois de contemplar a vista do farol, descemos e andamos até a praia novamente, onde paramos para nos despedir da tarde entre pequenos barcos pesqueiros coloridos estacionados na areia.

Assistimos o sol se pôr lentamente entre as nuvens, com a calma que a vila pede, vendo o céu se encher de cores. Tudo em volta ganha reflexos laranja e rosa.

Com a chegada da noite, vem o frio. Resolvemos jantar. Todos fazem a sua própria comida no hostel. É recomendado trazer os seus suprimentos nesta época. Apenas uma pequena venda, que também era um bar, funcionava, mas não demorou a fechar. Enquanto comemos, conversamos com outros hóspedes, o dono do hostel e seu funcionário. Durante o papo, a curiosidade em comum a todos era sobre a rotina no pequeno lugarejo. Como viver sem televisão e telefone, por exemplo? Eles respondiam que sempre havia um jeito. O funcionário do hostel, um apaixonado por futebol, assiste aos jogos da seleção Celeste em um dos bares da vila que possui uma televisão alimentada por gerador.

Após o jantar com os novos amigos, resolvemos sair para sentir o clima do lugar à noite e sem luz. Na verdade, imaginávamos que tudo estaria um breu, mas o que realmente vimos foi emocionante.

Era o céu com mais estrelas que já vimos na vida, com a Via Láctea presente e um show de cores e luzes entre os pontinhos brancos, que tornava impossível desviar os olhos. A falta de luz, de poluição e de qualquer cidade próxima traz uma limpidez surpreendente ao céu de Cabo Polônio.

Em silêncio, acompanhados por uma garrafa de vinho, e iluminados apenas pela luz das estrelas e pelo feixe de luz do farol, que reflete em toda a vila a cada 12 segundos, andamos maravilhados pela praia. Só não ficamos mais tempo admirando a noite por conta do frio.

Mas o clima não impediu de acordarmos às cinco da madrugada para aguardar o dia raiar. A espera valeu a pena e uma aquarela completa pintou os céus límpidos, enquanto a água do mar, em meios aos rochedos, não deixava por menos, refletindo as mesmas cores e completando o espetáculo. Após o sol nascer, decidimos nos despedir do vilarejo com uma última caminhada. Vamos em direção ao farol novamente, dessa vez, acompanhados de dois cães vira-latas que viraram nossos amigos e não nos abandonaram nem quando começamos a subir as pedras mais altas da ponta da praia.

Foi aí que nos deparamos com mais uma vista inusitada. No meio das pedras que avançam no mar, atrás do farol, havia uma colônia com centenas de lobos marinhos. Ficamos maravilhados com tudo aquilo, animais tão grandes, à vontade na natureza e, ao mesmo tempo, tão perto de nós. Estranhamento natural de um casal paulistano, habituado à vida na cidade grande. A vila é mesmo famosa pela presença dos lobos marinhos. Em frente ao farol, pequenas ilhas, as Islas de Torres (que levam o sobrenome do capitão de uma embarcação que naufragou pela primeira vez na região, em 1516), a Isla Rasa e a Isla Encantada são consideradas umas das maiores reservas do mundo de lobos marinhos. Ficamos um tempo observando e tirando fotos, enquanto os vira latas latiam em vão. Nada abalava o banho de sol dos animais.

Na volta, fomos para o hostel arrumar nossas mochilas e nos preparar para deixar o vilarejo, seguindo viagem pelo litoral do Uruguai. Era hora de pegar o caminhão de volta. Em silêncio, sentados no barranco “praça”, começamos a sentir um pouco de saudades antecipadas, uma nostalgia de quem talvez nunca mais volte a ver um lugar tão incrível e a ter a mesma sensação de tranquilidade.

Cabo Polônio nos fez pensar que as coisas mais importantes da vida talvez sejam as mais simples, como ver o pôr e o nascer do sol, ouvir o barulho do mar, admirar as estrelas, ter uma conversa agradável… Esperamos que o farol que mostra o caminho aos navegadores que passam pela região na escuridão um dia nos guie de volta a esse pequeno e fascinante pedaço do Uruguai.

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