13 eventos que impactaram a América Latina em 2016
Análise

13 eventos que impactaram a América Latina em 2016

Impeachment de Dilma Rousseff, mortes de lendas, nascimento de ideias, crises, protestos, rejeições e aberturas: confira a retrospectiva do continente em 13 momentos

em 29/12/2016 • 12h00
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Grandes manifestações de rua – seja para pedir o impeachment de uma presidente, para acabar com reeleições indefinidas de mandatários que estão há muito no poder ou para protestar contra crimes bárbaros cometidos contra mulheres. Crises econômicas cujo resultado parece ter sido um só: o aumento da desigualdade. Morte de um ícone mundial e a rejeição de um acordo de paz que prometia encerrar uma guerra de mais de 50 anos.

O ano de 2016 na América Latina será lembrado no futuro como aquele em que mudanças significativas aconteceram. A seguir, Calle2 lista 13 eventos que impactaram a região em 2016 e que devem repercutir nos próximos anos:

‎1. A derrota de Evo Morales

Fevereiro

Em setembro de 2015, a Assembleia Nacional da Bolívia aprovou a realização de uma consulta popular para permitir a quarta candidatura consecutiva de Evo Morales. Pela Constituição boliviana, um presidente pode ficar no cargo no máximo por três mandatos (de cinco anos cada). Com 75% de aprovação em junho de 2015 e índices econômicos positivos, Evo se permitiu esnobar a vitória.

Em fevereiro, porém, um fato modificou o futuro político boliviano: a imprensa divulgou um documento que afirmava ele havia tido um filho secreto com a empresária Gabriela Zapata e que, por causa da ligação dela com o presidente, havia conseguido benefícios em contratos da empresa onde trabalhava, a gigante chinesa CAMC, com o Estado.

Acuado, Morales acabou derrotado no referendo por 150 mil votos: 51,3% do país votou no 'não', contra 47,4% no 'sim'.

No ano que vem, o assunto da reeleição deve voltar à tona, já que o MAS, partido de Evo, estuda outras formas de conseguir mudar a Constituição e autorizá-lo a concorrer em 2019.

‎2. Barack Obama também dança tango

Março

Na última vez que um presidente estadunidense visitou a Argentina, a rápida estadia foi preenchida por gritos populares, protestos e palavras duras proferidas pelos governantes latino-americanos. Foi em novembro de 2005, em Buenos Aires, quando o convidado principal era George W. Bush.

De lá até o ano passado, as relações entre os dois países foram desconexas. Em março deste ano Barack Obama ficou dois dias na Argentina em visita ao colega Maurício Macri, viajou até a região de Bariloche, chegou a dançar tango com uma bailarina durante um jantar e ouviu de Macri que sua visita era “especial” e que os países precisavam “trabalhar juntos”.

A viagem foi importante, porém, por outro motivo: o presidente estadunidense prometeu abrir os documentos secretos em Washington referentes ao período da ditadura militar argentina (1976-1983), quando cerca de 30 mil pessoas foram assassinadas pelo Estado, supostamente com o apoio da Casa Branca.

 

3. O Equador treme

Abril

foto por: Mauricio Munos (El Ciudadano)
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O Equador enfrenta sismos de magnitude média ao menos uma vez por dia. Em abril, no entanto, o país saiu dessa estranha normalidade: um terremoto de 7.8 na região de Manabí, no litoral, afetou a vida de 1,9 milhão de equatorianos, segundo as Nações Unidas. As cifras oficiais indicam que 658 pessoas morreram, cerca de 23 mil ficaram feridas e outras 29 mil foram abrigadas em espaços improvisados.

A destruição não tardou a afetar a política e a economia: já em crise econômica por causa da queda do preço do barril do petróleo, o presidente Rafael Correa decidiu vender alguns ativos do governo e aumentou impostos de trabalhadores com salários superiores a US$ 1 mil. Na política, a aprovação de Correa diminuiu: outrora o governante com a aprovação popular mais alta da América Latina, ele hoje tem 51% de reprovação dos eleitores.

 

4. O fantasma de Fujimori

Junho

Dez dias antes do segundo turno das eleições presidenciais peruanas, a candidata Keiko Fujimori, filha do controverso ex-presidente Alberto Fujimori, era apontada como favorita para assumir o comando do Peru, economia mais vigorosa da América do Sul nos últimos anos. Ela somava 45,9% das intenções de votos contra 40,6% do ex-economista do Banco Mundial, Pedro Paulo Kuczysnki (PPK).

Por isso, quando anunciou-se que ele havia vencido o pleito presidencial por uma diferença de 47 mil votos, o continente se surpreendeu. Ainda assim, o partido de Fujimori, Fuerza Popular, conseguiu eleger a maioria dos parlamentares.

À época, ninguém entendia como alguém com o sobrenome Fujimori poderia voltar ao poder depois da prisão de Alberto, em 2005. Presidente do Peru entre 1990 e 2000, ele foi punido com 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade e corrupção. A chegada de PPK ao poder representa uma nova orientação à direita de um continente que passou os últimos dez anos governado quase inteiramente por líderes progressistas.

 

 ‎5. Mercosul com a corda no pescoço

Julho

Quando a Calle2 foi a Montevidéu, em julho deste ano, para entrevistar Lucía Topolansky, ex-presidente do Senado uruguaio e ex-primeira dama do país, o Mercosul começava a correr o risco de acabar. No final daquele mês, o Uruguai precisava transferir a presidência temporária do grupo ao governo da Venezuela, mantendo o acordo de rotação semestral de poder entre os países. A crise política e econômica venezuelana, no entanto, fazia com que Argentina, Brasil e Paraguai pedissem ao presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, que continuasse no comando até dezembro.

“A situação do Mercosul agora é delicada”, disse Lucia à Calle2 à época. “Estamos sendo a ponte entre os países e impedindo que o Mercosul acabe”, complementou.

Por alguns dias de julho, cogitou-se, de fato, o fim do bloco e a negociação solitária de cada país com seus pares. Seria, para Lucía e muitos outros governantes latino-americanos, o encerramento de um sonho de integrar o continente em um único grupo.

Cinco meses depois, a crise aumentou: a Venezuela foi suspensa do bloco por decisão de todos os membros. Neste mês, a chanceler da Venezuela, Delcy Rodriguez, compareceu a uma reunião do bloco para a qual não havia sido convidada, em Buenos Aires, e afirmou que, se fosse o caso, entraria pela janela.

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6. O impeachment de Dilma

Agosto

foto por: Pedro França (Agência Senado)
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No último dia de agosto, os senadores decidiram, por 61 votos a 20, destituir Dilma Rousseff do cargo que ela ocupava desde janeiro de 2011 e para o qual havia sido reconduzida nas eleições de 2014. Foi um processo lento e repleto de controvérsias, entre manifestações contrárias e favoráveis ao PT (Partido dos Trabalhadores), queda nos índices econômicos, campanhas ideológicas promovidas pelos jornais e negociações internas no seio do poder, em Brasília.

O processo foi visto com estranheza por boa parte da imprensa internacional. O jornal New York Times chamou a decisão de “sinistra”. O francês Le Monde considerou a saída de Dilma um golpe. Entre os países, as manifestações mais vigorosas foram dos países da América do Sul, como Calle2 mostrou em setembro: Bolívia, Equador, Nicarágua e Cuba chegaram a romper relações diplomáticas e denunciar o processo às organizações mundiais.

No início de dezembro, o Brasil de Michel Temer foi denun‎ciado à Organização dos Estados Americanos por violações aos direitos humanos.

7. A fenda venezuelana

Setembro

Três dias depois que Nicolas Maduro expulsou a pré-candidata à presidência do Equador, Cynthia Viteri, e alguns de seus correligionários do país e dois depois que a inteligência venezuelana revogou a ordem de prisão domiciliar de Daniel Ceballos, um dos principais nomes da oposição ao governo chavista, cerca de um milhão de pessoas foram às ruas de Caracas, em 1º de setembro, protestar contra o presidente.

Elas pediam que o Conselho Nacional Eleitoral acelerasse os trâmites para autorizar um referendo popular que poderia revogar a eleição de 2013 e o mandato de Maduro. A consulta só pode acontecer se o conselho reunir a assinatura de 20% da população (cerca de quatro milhões de pessoas).

De lá pra cá, os governos da Espanha, da República Dominicana e do Panamá, além do Vaticano, passaram a empreender esforços para promover um diálogo mínimo entre governo e oposição.

 

‎ 8. A Colômbia escolhe a guerra

Outubro

foto por: Carlos Silva (Presidencia de la República)
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Desde que as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foram para a selva colombiana, nos anos 1960, e iniciaram um complexo conflito militar, político e social com o Estado, diversas tentativas de diálogos e negociações foram registradas entre presidentes, governadores, parlamentares e emissários de organismos internacionais. Nenhuma teve sucesso até setembro de 2012, quando o presidente Juan Manuel Santos foi à Havana começar oficialmente as conversações pela paz no país com os guerrilheiros. À época, ninguém acreditou que poderia dar certo.

Por isso, quando Santos abraçou o líder guerrilheiro Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, no final de setembro, o mundo conseguiu acreditar que, após 52 anos de guerra (cujo saldo chega a 220 mil mortes), ela estava prestes a acabar. Faltava apenas a aprovação da população colombiana por meio de um referendo popular.

No dia 3 de outubro, novamente o mundo se surpreendeu: por 53.894 votos, o “não” ao tratado de paz venceu o “sim”. “É o Brexit latino-americano”, disse à Calle2 o jornalista e escritor Jon Lee Anderson.

A pressão popular para reverter o processo fez com que o governo decidisse modificar alguns pontos do acordo e o aprovasse sem a legitimação do voto. Quatro dias depois do referendo, Santos se tornou o segundo colombiano a ganhar um Prêmio Nobel, o da Paz, 34 anos depois do escritor Gabriel García Márquez receber o de Literatura. “Os colombianos são como os habitantes de Macondo: um lugar não apenas mágico como contraditório”, disse durante seu discurso.

9. Os Estados Unidos escolhem o ódio

Novembro

Assim como na Colômbia, o mundo parecia convicto de que a democrata Hillary Clinton venceria as eleições presidenciais dos Estados Unidos contra o controverso republicano Donald Trump. Um dos homens mais ricos do mundo, a candidatura de Trump havia sido motivo de piada num primeiro momento e, após um crescimento vertiginoso durante as prévias republicanas, se tornou um tímido assombro por conta de seus discursos de ódio contra latino-americanos e gravações paralelas em que ele aparecia ofendendo mulheres.

Mesmo derrotado entre os votos dos eleitores, Trump venceu em 306 dos 538 colégios eleitorais contra 232 de Hillary. Nas urnas, ela teve 48.1% dos votos válidos contra 46% de Trump.

No México, o peso mexicano caiu 13 pontos percentuais. Em novembro, o Banco Central do México projetou uma retração na economia nacional para 2017 por, entre outras coisas, “possíveis dificuldades de negociações no exterior”. E Trump nem assumiu o cargo ainda…

10. Feministas tomam as ruas

Novembro

 No dia 19 de outubro, milhares de mulheres argentinas vestidas de preto tomaram as ruas de Buenos Aires. O movimento foi tão forte que outras capitais latino-americanas também foram tomadas por protestos feministas.

Organizado pelo movimento “Ni Uma Menos”, as manifestações protestavam pela prevenção e combate à violência contra a mulher. A principal indignação era o assassinato de Lucía Perez, 16 anos, que foi drogada, estuprada e morta por empalamento por dois homens no dia 15 de outubro.

Antes disso, outros movimentos feministas do continente ganharam as ruas das principais capitais latinas.

  

‎11. O Haiti não escolhe o destino

Novembro

foto por: Nações Unidas
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Dois milhões de pessoas afetadas, 1,5 milhão de pessoas precisando de ajuda humanitária, 806 mil precisando de ajuda alimentar urgente, 200 mil ainda sem ter contato com nenhuma equipe de resgate por causa das dificuldades de locomoção, mil mortos, 175 mil pessoas desabrigadas e, enfim, um déficit econômico emergencial de US$ 580 milhões.

Os números dão uma das dimensões dos efeitos do Furacão Matthew, que passou pela América Central e do Norte durante todo o mês de outubro, mas cuja destruição parece ter sido mais forte no Haiti.

País mais pobre das Américas e um dos piores índices econômicos mundiais, o Haiti ainda passou a conviver com outro problema: a cólera. Desde o furacão, as autoridades registraram 5,8 mil suspeitas da doença.

Em meio à devastação, o país organizou uma eleição presidencial ainda sem resultado, porque o Conselho Eleitoral Provisório se nega a aceitar os vários resultados oferecidos pelos partidos políticos. A imprensa internacional aponta que o vencedor é o empresário e cientista político Jovenel Moïse.

‎12. A onipresença de Daniel Ortega

Novembro

Daniel Ortega foi celebrado nos anos 1970 ao derrubar a ditadura da família Somoza, que governou a Nicarágua por 42 anos, em uma revolução comunista armada. À época, as comparações com o cubano Fidel Castro foram naturais. Décadas depois, porém, já dentro do jogo democrático, ele foi eleito presidente nicaraguense para nunca mais sair.

Desde 2006, Ortega governa a pequena nação centro-americana controlando parlamentares, juízes, órgãos reguladores, exército, polícias e empresas estatais.

Entre junho e julho deste ano, no entanto, a situação se tornou mais aparente: Daniel Ortega conseguiu dissolver os mandatos de todos os parlamentares da oposição e invalidar a candidatura do médico Luis Callejas, seu principal adversário para as eleições presidenciais de novembro.

No começo de agosto, nomeou sua esposa, Rosario Murillo, ao cargo de vice-presidente e, em novembro, venceu as eleições que disputou praticamente sozinho. Curiosamente, vai completar um ciclo curioso quando, enfim, quiser deixar o cargo, em 2021: o de ter ficado no poder por mais tempo que o ditador cuja luta e vitória lhe deu fama mundial. Enquanto Somoza dirigiu o país por 16 anos, ele provavelmente deixará o Palácio La Loma, em Manágua, após vinte anos de poder.

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13. A morte de Fidel Castro e o fim do século XX

Dezembro

A madrugada do dia 26 de setembro ainda começava quando o canal estatal de televisão cubano paralisou suas transmissões para um informe emergencial do atual presidente do país, Raúl Castro. Com a voz embargada e um papel amassado às mãos, ele anunciou que, aos 90 anos de idade, havia morrido naquela noite o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz. A causa da morte não foi divulgada, mas desde 2006 ele convivia com problemas de saúde, deixando o poder ao seu irmão mais novo, Raúl.

O mundo não tardou a perceber o significado do acontecimento: envolvido em quase todos os eventos políticos, econômicos, sociais e culturais relevantes da história recente, a morte de Fidel foi lida por muita gente como o fim definitivo do século XX.

Em Cuba, os relatos diziam que enquanto os mais velhos choravam nas ruas, os jovens mostravam indiferença ao fim da vida do revolucionário, um aspecto complexo do que ele simbolizava nos dias atuais entre seu próprio povo.

Em Miami, reduto dos inimigos do regime, houve festa nas ruas. Uma semana depois da sua morte, entre cerimônias gigantescas em Havana e Santiago de Cuba e uma espécie de procissão que percorreu toda a ilha com seus restos mortais, a cripta com seu nome foi guardada no cemitério Santa Ifigênia, em Santiago, onde também está o mausoléu do prócer de Cuba, José Martí, morto no final do século anterior.

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